Tenho utilizado este espaço no PBAgora para comentar política. Mas esta semana quero fazer algo diferente. Afinal, “não só de pão vive o homem…”. Que tal fazermos uma análise de nosso comportamento enquanto cristãos e de nossas atitudes, considerando este momento tão especial para a vida espiritual de todos?
A força comercial das datas comemorativas no Brasil nos faz pensar que a Páscoa se resume a um monte de coelhinhos que espalham ovos de chocolate por aí, agradando a crianças e adultos. Ou que devemos ‘bebemorar’ a Páscoa, nos enchendo de vinho e peixe. Sei que é enfadonho tocar no assunto, mas é dever do cristão tentar conscientizar fortemente, para reduzir no imaginário coletivo a ideia secundária da Páscoa.
Após o Carnaval nós entramos num período chamado pela Igreja Católica de Quaresma. Compreende 40 dias entre a quarta-feira de cinzas e a Páscoa do Senhor. Neste período, os cristãos vivem um caminho que deve ser percorrido com penitência, relembrando os 40 dias que Jesus ficou no deserto, em oração, resistindo às tentações, antes de dar a sua vida por todos nós.
“A Quaresma é um caminho que vai nos levar à luz da celebração pascal, é o caminhar com Cristo”, diz Padre Márcio Henrique, da Catedral de Nossa Senhora da Conceição, em Campina Grande. “E, neste caminho, o Senhor vai nos confortando e nos preparando par participar da sua gloriosa ressurreição”, diz ele.
Na liturgia das celebrações da Quaresma existe um momento especial, chamado de Transfiguração do Senhor. Jesus sobe à montanha para rezar, dando-nos a lição de que, nesta vida, temos que fazer como ele: rezar a Deus. “É uma lição para nós. Como podemos viver sem rezar, se o próprio Salvador passou a vida rezando ao Pai?”, pergunta Pe. Márcio.
Ele lembra que nós precisamos nos preservar na oração, “se quisermos que resplandeça em nós a glória do Pai”. E pergunta Pe. Márcio: “como a face do Cristo vai aparecer em nós, tão luminosa, se eu não me coloco diante dele em oração?”.
Segundo Pe. Márcio, a Transfiguração do Senhor é “uma antecipação daquilo que ocorre na Páscoa, com Jesus antecipando a sua ressurreição”. Ele lembra que, infelizmente, muitas vezes nós temos atitudes diferentes da de Jesus, pois é comum para nós o fugir da cruz, dos momentos mais difíceis de nossas vidas, diferente do que fez o Senhor. “Muitos gostariam de passar diretamente para a glória”.
Na Quaresma, antecipando a Páscoa, o Senhor nos convida para caminhar com ele, até chegarmos à glória pascal, para ser, como disse São Paulo, “cidadãos do céu”. Nessa travessia do deserto, junto com Jesus, lembramos também do povo de Israel, que passou, não 40 dias, mas 40 anos no deserto.
Pe. Márcio lembra que todos nós temos que, um dia, estar sujeitos, também, a passar por um deserto, que são os problemas que enfrentamos na vida. Mas precisamos atravessá-lo, pois, para quem tem fé, ao final encontramos a Páscoa do Senhor. “Ao final da travessia tem leite e mel, como dizem as escrituras”.
Pe. Márcio lembra que o deserto é um lugar de humilhações, provocações, tentações. “E o povo de Israel passou por isso tudo, para tomar a consciência de que era um povo infiel, para que percebessem que aquilo era consequência do afastamento de Deus. Tiveram fome e sede, mas Deus teve compaixão daquele povo e enviou o maná”.
Isso nos faz ver que, apesar de tudo, Deus é misericordioso e, carinhosamente, protegeu o povo de Israel. “Nosso Deus é santo e capaz de perceber a aflição das pessoas. Ele viu o sofrimento daquele povo e desceu para junto dele, para libertá-lo”, disse Pe. Márcio. Como é bom saber que Deus vê o nosso sofrimento e também desce, para ficar conosco. “É o Deus que estava, que está e que sempre estará conosco”.
Segundo Pe. Márcio, o maior problema do povo de Israel foi pensar de acordo com a lógica humana, duvidando de Deus e dispensando a lógica divina. “Nós também, muitas vezes, agimos assim e a Quaresma é um tempo para repensar tudo isso”, diz Pe. Márcio, citando uma advertência de São Paulo: “cuidado quem está de pé, que poderá cair. Nós também pensamos, muitas vezes, que estamos cem por cento certos, e não estamos”.
Pe. Márcio lembra que os castigos deste mundo são provocados por nós mesmos, não por Deus. “São consequência do que fazemos e, muitas vezes, colocamos a culpa em Deus”.
Ainda na Quaresma, temos um convite à alegria, feito por Deus a todos nós, no 4.º domingo, o ‘Domingo Laetare’. “É um convite à alegria no meio da Quaresma. A igreja nos oferece a consolação no meio da desolação. É a consolação daquele que amou a igreja e combateu todo o mal com o seu próprio sangue”, diz Pe. Márcio.
Ele lembra que somos frágeis, erramos todos os dias e somos bem parecidos com o filho mais novo, da Parábola do Filho Pródigo, que pega sua parte da herança, abandona sua casa e tem de voltar porque perdeu tudo e, ao voltar, tem a ira do irmão, contida pelo pai com a célebre frase bíblica, do Livro de Lucas: “Era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado”.
Pe. Márcio lembra que todos os que estão próximo do Senhor tem “a alegria verdadeira”. Por outro lado, que está distante de Deus “fica perdido”. “Deus precisou dar o próprio filho para que passássemos pelo caminho da santidade, fôssemos justificados diante do Pai”.
Segundo ele, o gesto mais bonito da liturgia do 4.º domingo da Quaresma, retratado na Parábola do Filho Pródigo, foi o beijo do pai no filho que voltou. “E como nós precisamos do abraço e do beijo do Pai, que Ele vista e nós a melhor roupa, como fez o pai da parábola”.
A caminhada da Quaresma termina com toda a carga de reflexão que devemos fazer nestes quarenta dias. Que cheguemos à Semana Santa esquecendo um pouco o vinho, o peixe, o chocolate e os coelhinhos. E lembremos o real sentimento, do perdão ao próximo e da reflexão, em nome daquele que, um dia, se fez o Cordeiro de Deus.
Uma Feliz Páscoa do Senhor para todos.