A flexibilização das relações de trabalho beneficiaria muitas profissões que surgiram nos últimos anos e sofrem com a rigidez da lei brasileira
Férias, fundo de garantia, pagamento de horas extras, seguro-desemprego entre outros benefícios. O que une todos esses pontos é a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), o conjunto de regras sancionado por Getúlio Vargas há 70 anos, em pleno Estado Novo, que instituiu proteção, direitos e deveres na relação entre empregados e empregadores. Ao contrário de outros países como os Estados Unidos, que combinam acordos de trabalho e legislação, o Brasil seguiu a linha da proteção quase total. “Na verdade, a Constituição Federal e a CLT admitem a negociação de apenas dois direitos: o salário e a participação nos lucros e resultados. A própria jornada de trabalho só pode ser negociada mediante uma série de restrições legais”, escreveu recentemente José Pastore, especialista em relações do trabalho e professor da Faculdade de Economia e Administração e da Fundação Instituto de Administração da Universidade de São Paulo.
Mas o Brasil de 1943 para o Brasil de 2013 mudou bastante. A CLT também passou por mudanças. Foram quase 500 acertos realizados nessas sete décadas. O problema é que a CLT continua antiquada. Pontos essenciais para o desenvolvimento da sociedade moderna permanecem encalacrados. Quer um exemplo? A terceirização da mão de obra, prática bastante comum nas empresas brasileiras. Nesse processo de trabalho, uma empresa prestadora de serviços cede profissionais a outra. O problema é que a CLT não faz menção à terceirização em nenhum de seus 922 artigos. “A CLT é uma colcha de retalhos, com alterações de artigos publicados em 1943 que não esclarecem nem facilitam uma abertura para as discussões atuais do país”, diz Raphael Horta, sócio do escritório Marcelo Tostes Advogados e autor do estudo sobre as mudanças na lei trabalhista. De acordo com o Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros (Sideprestem), 24% dos 44 milhões de trabalhadores brasileiros com carteira assinada são terceirizados.
Pedras no caminho – A tentativa para se flexibilizar as leis trabalhistas esbarra em redes de proteção que cheiram a velharia. Na era do home office parece impossível continuar pensando com a mesma cabeça dos anos em que o país era “chão de fábrica”. A propósito, a única atualização da CLT nesse sentido foi em equiparar o trabalho em casa com o no escritório, mas sem maiores deliberações. “O alcance da negociação esbarra em direitos irrenunciáveis garantidos por lei”, diz Daniela Ribeiro, sócia do escritório Trigueiros Fontes Advogado. “A flexibilização da jornada de trabalho e do horário de descanso poderia ser pleiteada para o empregado escolher trabalhar a mais em um dia e compensar em outro ou almoçar em menos de uma hora e ir para casa mais cedo.” O que impede todos esses pontos de avançar, claro, é a rigidez da lei.
Como as novas formas de trabalho estão fora da lei, quem paga a conta é o país – ou seja, todos nós. Dados da Justiça do Trabalho mostram que custa mais julgar um conflito trabalhista do que o valor da indenização que é paga. “Para cada real reclamado gasta-se mais de 1 real pela Justiça”, detalha Pastore. “É uma taxa de retorno muito aquém do razoável para o contribuinte.” O caso da terceirização da mão de obra é ilustrativo. Como não há respaldo da CLT, resta ao juiz interpretar cada caso para dar seu veredicto. “É a chamada insegurança jurídica, que prejudica trabalhadores e empregadores”, afirma Daniela.
Mudanças – Na semana passada, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) realizaram um seminário que propunha 101 mudanças para a modernização da legislação trabalhistas. Dentre as mudanças, as instituições sugeriram a criação de uma carteira de trabalho eletrônica, incentivos à contratação de pessoas com deficiência e ex-presidiários, flexibilização da jornada de trabalho e a contratação de pessoas físicas em serviço eventual. São pontos com ares de modernidade. Mas ainda representam muito pouco para compensar o atraso em reescrever uma história que está parada há 70 anos.
PB Agora com VEJA
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