A turismóloga Nathalia D’Carvalho conta que no primeiro jogo da seleção brasileira na Copa do Mundo, na última terça-feira (15) colocou um de seus dois celulares na tomada para carregar a bateria. Mesmo com a maior gritaria em casa por causa partida, só conseguiu manter a calma quando deixou o telefone por perto.
– Eu acho que foi quando eu percebi o quanto o celular é importante na minha vida […] Eu sentia que estava faltando alguma coisa e me toquei que era o celular. Imediatamente eu corri e dei um jeito de carregar o aparelho próximo a mim. A cada lance, a cada momento de agonia, eu usava o telefone ou para falar com outros amigos ou para usar o Twitter. Depois que fiz isso, fiquei mais calma e pude assistir ao jogo tranquilamente.
A dependência de celular descrita por Nathalia revela indícios de uma síndrome que, segundo especialistas ouvidos pelo R7, começou a ser estudada há cerca de dois anos e recebeu o nome de nomofobia. O nome é formado a partir da expressão “no mobile”, ou seja, medo de ficar sem o celular, problema ligado também à abstinência de internet.
Como o aparelho se tornou objeto de consumo popular no Brasil (são mais de 180,7 milhões de telefones habilitados no país), as clínicas e hospitais recebem quantidade crescente de pacientes que relatam sofrer com o problema, ainda não incluído no DSM, o conjunto dos transtornos mentais reconhecidos pela Associação Americana de Psiquiatria.
Viciado sente o coração bater forte
Os sintomas variam de acordo com a intensidade da dependência. Começam com uma preocupação excessiva com o aparelho: nunca deixá-lo sem bateria, ter mais de um celular, preferir carregar o aparelho nas mãos a levá-lo na bolsa e priorizar o contato via celular. Nos casos mais graves, o vício provoca alteração de humor, respiração, taquicardia, ansiedade e nervosismo.
Segundo o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do Grupo de Dependentes de Internet do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, em alguns casos o celular acaba funcionando como escape porque serve para aplacar a ansiedade.
– Há reações físicas extremas semelhantes à privação por álcool, mas os sintomas são mais identificados em nível psicológico.
Nem sempre os sintomas são percebidos por quem sofre da síndrome da falta de celular. É comum que um amigo ou alguém da família alerte sobre hábitos exagerados. Esse tipo de situação é comum quando jovens não desgrudam do celular. Eles são mais adaptados às novas tecnologias e produtos de última geração – a adolescência é fase em que a nomofobia é mais evidente. Há também estudos que explicam a incidência maior no público jovem a partir de estudos cerebrais.
Antes da idade adulta, a região do córtex pré-frontal do cérebro (localizada na área da testa e responsável, entre outras coisas, por pensar e planejar ações, além de influenciar no controle dos impulsos) ainda não tem suas funções em pleno funcionamento.
A psicóloga Anna Lucia Spear King, pesquisadora do Laboratório de Pânico e Respiração do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), explica a diferença entre dependência natural e doentia do celular.
– Depender de uma ligação do chefe, precisar do aparelho para trabalhar ou esperar uma ligação de um amigo são situações naturais, que todo mundo tem e são saudáveis. Quem não gosta do conforto da tecnologia, de poder levar o celular para onde quiser?
Nathalia diz que ainda não ficou sem celular para avaliar se a falta do aparelho atrapalharia sua rotina.
– Ainda não fiquei sem. Graças… Mas eu acho que atrapalharia [o dia a dia].
Problema está ligado ao transtorno do pânico
O problema, segundo a pesquisadora, acontece quando alguém não consegue mais sair de casa sem o telefone por medo de passar mal na rua e não ter acesso a um contato para socorro imediato. O indivíduo tem por trás de tudo isso um transtorno de pânico ou ansiedade.
Anna Lucia faz parte de um grupo que teve um estudo inédito publicado na revista americana Cognitive And Behaviour Neurology que relaciona a dependência do telefone celular com o transtorno do pânico, sempre ligado a um medo cuja intensidade varia bastante.
A avaliação da gravidade do problema é feita no consultório do psicólogo ou psiquiatra. Ou seja, mesmo a partir das situações contadas por Nathalia, só um médico pode atestar a síndrome. O tratamento mais comum é a terapia cognitiva comportamental (também chamada de psicoterapia cognitiva), indicada para a maioria dos transtornos psiquiátricos.
A terapia é breve e funciona como uma conversa em que o paciente é estimulado a interpretar situações sobre os acontecimentos do cotidiano que causam o medo. No decorrer das sessões, os problemas são assimilados e o comportamento é controlado.
Enquanto a medicina espera por estudos mais detalhados sobre a nomofobia, quem sofre de dependência do celular tem basicamente chances de procurar ajuda em consultórios particulares. A Universidade Federal do Rio de Janeiro oferece ajuda gratuita por meio do Laboratório de Pânico e Respiração do Instituto de Psiquiatria. O Hospital das Clínicas de São Paulo ainda não tem um grupo fixo de orientação, mas Nabuco diz que isso deve ser criado em um futuro próximo.
– O grande problema é que a telefonia está se fundindo com a internet. Então, os riscos do uso excessivo do celular e da web acabam se fundindo. A procura por ajuda deve aumentar, mas ao mesmo tempo, as tecnologias serão mais bem estudadas.
R7