Conferência de Cultura arma novo ataque à mídia defendendo ampla atuação do Estado
Documento cita ”monopólio na comunicação” como ”ameaça à democracia” e pede maior atuação do Estado
Depois da crise aberta pelo conteúdo do Programa Nacional de Direitos Humanos e da polêmica de controle de mídia proposta pela Conferência Nacional de Comunicação, o governo já tem nova confusão interna com data marcada para acontecer. Prevista para ocorrer de 11 a 14 de março, a 2ª Conferência Nacional de Cultura tem em seu texto-base conceitos e propostas que atacam a mídia, preveem interferência em áreas como ciência e tecnologia e meio ambiente e defendem ampliação da atuação do Estado.
O Estado teve acesso ao texto-base da Conferência de Cultura, que faz forte crítica à mídia no item 1.4, que trata de Cultura, Comunicação e Democracia.
“O monopólio dos meios de comunicação (mídias) representa uma ameaça à democracia e aos direitos humanos, principalmente no Brasil, onde a televisão e o rádio são os equipamentos de produção e distribuição de bens simbólicos mais disseminados, e por isso cumprem função relevante na vida cultural”, diz o texto-base, que orientará as discussões da conferência.
O documento também defende a pressão pela regulamentação de artigos que obriguem emissoras de televisão a cumprir cotas de regionalização na produção e exibição de programas.
“Tão necessário quanto reatar o vínculo entre cultura e educação é integrar as políticas culturais e de comunicação. Nesse sentido, os fóruns de cultura e de comunicação devem unir-se na luta pela regulamentação dos artigos da Constituição Federal de 1988 relativos ao tema. Entre eles o que obriga as emissoras de rádio e televisão a adaptar sua programação ao princípio da regionalização da produção cultural, artística e jornalística, bem como o que estabelece a preferência que deve ser dada às finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, à promoção da cultura nacional e regional e à produção independente (art. 221).”
E acrescenta: “As emissoras comerciais se organizam com base nas demandas do mercado, que são legítimas. Contudo, essas demandas não podem ser as únicas a dar o tom da comunicação social no País.”
INTERVENÇÃO
Na prática, a proposta da Conferência Nacional de Cultura repete a mesma situação de reuniões anteriores e de documentos internos do governo, como o que estabeleceu o Programa Nacional de Direitos Humanos. O texto dispara em várias direções, defende a intensificação da participação do Estado e critica ou deseja intervir de alguma maneira sobre atividades de mídia.
Foi esse tipo de ação que causou crise de governo por conta da confecção do Programa Nacional de Direitos Humanos. A proposta acabou tratando de assuntos tão diversos como agronegócios, liberação do aborto e criação de Comissão da Verdade para discutir ações de tortura praticadas durante a ditadura militar. Bombardeado por todos os lados, o governo acabou sendo obrigado a rever o texto.
Agora, para a Conferência da Cultura, se repete a intenção de influenciar outras áreas de governo, como ciência e tecnologia. “A cultura deve relacionar-se com as políticas de ciência e tecnologia e reforçar a premissa de que o desenvolvimento científico tem de incorporar a diversidade cultural do País, com seus múltiplos conhecimentos e técnicas”, cita o texto no item 3.1, chamado Centralidade e Transversalidade da Cultura.
Também traz propostas relacionadas à conservação do meio ambiente, que passa, de acordo com o texto, por uma mudança no modo de vida da sociedade.
“A política cultural não está alheia à crise ambiental, que se torna mais grave a cada dia. Mesmo porque essa crise decorre de um componente cultural: o modo de vida consumista, que explora exaustivamente os recursos naturais”, diz o texto. “No Brasil aprendemos pouco com as culturas indígenas; ao contrário, o País ainda está preso ao modelo colonial, extrativista, perdulário e sem compromisso com a preservação dos recursos naturais.”
DESCENTRALIZAÇÃO
Na primeira conferência, temas como esses foram debatidos e integraram as 30 propostas consideradas prioritárias. “Garantir a participação da sociedade civil, através de seus fóruns, na discussão da elaboração da lei geral de comunicação de massa assegurando a descentralização, a universalização, a democratização e o controle da sociedade civil sobre os meios de comunicação e que regule o sistema de concessão e produção de conteúdo”, informava o texto de uma das propostas.
Outra sugeria “debater, defender e promover sistemas brasileiros de comunicação de massa, com a participação de atores públicos e da sociedade civil, assegurando a democratização dos meios de comunicação e a diversidade cultural”.
O Ministério da Cultura está em fase de preparação da conferência. Na semana passada, durante videoconferência em que os preparativos eram discutidos, servidores do ministério disseram estar preocupados com a baixa quantidade de inscrições até o momento. E disseram aos organizadores nos outros Estados ser necessário fazer esforço adicional para aumentar o número de participantes.
Estadão