A burocracia e a mudança do perfil socioeconômico dos brasileiros vêm reduzindo o número de adoções de menores brasileiros por estrangeiros.
Representantes de organizações que lidam com essas adoções relataram à BBC Brasil que esse tipo de adoção tende a deixar de ser realizado no país. Estatísticas dos últimos 30 anos também reforçam essa percepção.
As restrições à adoção internacional estão presentes na própria lei brasileira. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em vigor desde 1990, estabelece como prioridade que menores disponíveis à adoção sejam destinados a famílias no próprio Brasil e, apenas em caráter excepcional, a estrangeiros.
Na prática, isso tem feito com que apenas crianças mais velhas, com deficiências ou com irmãos igualmente procurando por uma família sejam oferecidas a casais no exterior, já que crianças com esses perfis atraem menos brasileiros interessados em adotar.
Convenção de Haia
O governo só tem dados consolidados sobre adoção internacional no Brasil de 2003 a 2011. Os números oficiais mostram que, desde 2007 até 2011, houve uma queda de 31,67%, de 461, há seis anos, para 315 adoções, há dois anos.
Mas levantamentos independentes, realizados por acadêmicos, indicam que houve uma queda bem mais acentuada em relação a décadas anteriores.
Além de ter adotado o ECA, o Brasil promulgou em 1999 a Convenção internacional de Haia sobre adoções internacionais, que contém regras mas rigorosas para esse tipo de procedimento, visando proteger as crianças de ameaças como o tráfico internacional de menores.
O tratado estabeleceu a criação de órgãos centrais encarregados de adoções internacionais, que, no Brasil, existem nas esferas federal e estadual. Além disso, a Convenção exigiu a emissão de novos documentos para efetivar o processo de adoção.
Jane Prestes, secretária da Comissão Estadual Judiciária de Adoção do Paraná, ressalta as dificuldades impostas pela convenção. “Não podia mais fazer adoção por procuração, com advogados. Todas as organizações que ajudavam estrangeiros a adotar crianças no Brasil tiveram que ser recredenciados em Brasília”, explica.
O aumento da burocracia fez com que algumas organizações deixassem, na prática, de operar no país. Segundo Jane, algumas delas “fugiram” para países onde a burocracia é menor, como os que não ratificaram a Convenção de Haia, como o Haiti e a Rússia.
Maristela Vilhena, advogada que trabalha há mais de 30 anos com adoções internacionais, elogia a legislação atual. “Antes era uma terra de ninguém. A questão não é só fazer adoção, tem que fazer adoção bem feito”, opine.
Segundo ela, as normas adotadas pelo Brasil “prejudicam, em última instância”, os menores esperando por adoções por pessoas no exterior, mas elas são “necessárias” para protegê-los.
Demora
Tanto Maristela quanto Jane salientam, porém, que o principal problema que emperra as adoções no Brasil é o mesmo tanto para as feitas por adotantes brasileiros quando por estrangeiros: a demora da justiça em liberar as crianças para adoção.
Para que isso aconteça, as autoridades judiciais precisam eliminar as possibilidade de que um membro da família da criança possa ficar com ela, o que é prioridade pela lei brasileira.
Esperando pela chamada destituição do poder familiar, muitos menores passam mais tempo nos abrigos do que os dois anos máximos previstos em princípio pela lei brasileira.
O Conselho Nacional de Justiça estima que 44.313 crianças estavam em centros de acolhimento em todo o país, mas só 5.487 delas estavam disponíveis para adoção.
“Muitas vezes demoram anos para colocar para adoção internacional, tentando reinserção na família de origem, avaliando, checando”, diz a psicóloga Cintia Reis da Silva, da organização italiana de adoção internacional Senza Frontiere Onluz.
“Quando disponibilizam para adoção já tem mais de nove anos de idade, não conseguem a (adoção) nacional e continuam tentando, e só quando a criança está maiorzinha é que colocam para a internacional. Deveriam ter um bom senso”, opina.
Crianças com deficiências ou que tem irmãos – devendo então ser adotadas com eles – acabam encontrando um caminho mais rápido rumo à adoção por estrangeiros por, em geral, não se encaixarem no perfil procurado por brasileiros.
Mas a adoção desses menores também é difícil no exterior, o que gera um desestímulo para organizações internacionais que atuam com adoções no Brasil.
Kathleen Nelson, diretora da Hands Across the Water, uma organização americana que deixou de atuar no Brasil, disse que a decisão ocorreu porque a entidade “não podia encontrar famílias que queriam adotar as crianças disponíveis” no país.
“Embora as famílias estivessem interessadas em crianças mais velhas, as que nos eram indicadas tinham deficiências físicas significativas. Sabemos que essas crianças também precisam de famílias, mas o sistema parecia segurar as mais jovens e saudáveis, e estas também permaneciam nos orfanatos até que tivessem mais problemas e ficassem mais difíceis de adotar”, explicou.
‘Mudança de paradigma’
Questionada pela BBC Brasil sobre a queda no número de adoções internacionais no Brasil, a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos reconheceu que “todos os programas governamentais priorizam a recolocação de crianças em sua família de origem”.
“No momento, não existe uma meta formal para acabar com a adoção internacional, o que vem ocorrendo é uma mudança no paradigma socioeconômico do país, com redução do número de crianças abrigadas, em consequência direta da melhoria dos indicadores socioeconômicos”, diz uma nota divulgada pela secretaria.
Dora Martins, secretária da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional de São Paulo, reforça essa visão.
“Fato é que o Brasil tenta e vai continuar tentando ‘acabar’ com a adoção internacional na medida em que, combatendo a pobreza, quer evitar a desintegração familiar e a ida de crianças para abrigos.”
“Por certo, vai demorar”, afirma. “Mas, e ao mesmo tempo, temos tido uma mudança no perfil dos adotantes brasileiros que, cada vez mais, estão aceitando crianças maiores, negras e com problemas de saúde para adoção. Isso, por certo, diminui a necessidade de buscar pretendentes internacionais para elas.”
Maristela Vilhena se diz cética quando ao fim da adoção internacional no Brasil, ainda que veja o procedimento como um problema para o governo, na medida que indica um falha na tentativa de resolver internamente o problema dos menores sem família.
“As adoções internacionais atrapalham o marketing político do governo. São um sinal de que tem algo errado”, avalia.
BBC Brasil
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