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OAB conclui: STF não pode extraditar Cesare Battisti

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Qualquer que seja a decisão do Supremo Tribunal Federal no processo da extradição do escritor italiano Cesare Battisti, “esta não pode mais ser executada, tendo em vista a concessão da condição de refugiado do extraditando”.

Foi o que concluiu a Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), acatando o parecer do jurista José Alonso da Silva, um dos maiores constitucionalistas brasileiros da atualidade.

Cesare Battisti está preso no Brasil há exatos 25 meses, por determinação do STF, que acolheu prontamente um pedido italiano neste sentido.

No entanto, sustenta a OAB, “a decisão do Ministro da Justiça, concedendo a condição de refugiado a Cesare Battisti, sob ser um ato da soberania do Estado brasileiro, está coberta pelos princípios da constitucionalidade e da legalidade”.

E, o que é mais importante, “em face dessa decisão, e nos termos do art. 33 da Lei 9.474, de 1997, fica obstada a concessão da extradição, o que implica, de um lado, impedir que o Supremo Tribunal Federal defira o pedido em tramitação perante ele, assim como a entrega do extraditando ao Estado requerente, mesmo que o Supremo Tribunal Federal, apesar da vedação legal, entenda deferir o pedido” (grifo meu).

Foi o que afirmei quando, sabatinado pela Folha de S. Paulo, o presidente do STF Gilmar Mendes admitiu uma hipótese juridicamente indefensável: “Se for confirmada a extradição, ela será compulsória e o governo deverá extraditá-lo”.

A imprensa propalara o boato (pois nenhuma fonte identificada o confirmava) de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria mandado ao STF o seguinte recado: se quisesse extraditar Battisti, deveria tornar sua decisão definitiva — pois, cabendo a ele o papel de última instância, Lula se recusaria a arcar com o ônus dessa infâmia.

Mendes correu a sinalizar, na sabatina da Folha, que o Supremo quebraria o galho, mesmo que tivesse de incidir num aberrante casuísmo.

No mesmo dia, eu adverti:

“…nesse prato feito que Gilmar Mendes pretende enfiar pela goela dos brasileiros adentro, há dois ingredientes altamente indigestos, que implicam uma guinada de 180º nas regras do jogo até hoje seguidas e sacramentadas por decisões anteriores do próprio STF:

* a revogação, na prática, do artigo 33 da Lei nº 9.474, de 22/07/1997 (a chamada Lei do Refúgio), segundo o qual “o reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio”;

* a transformação do julgamento do STF em instância final, em detrimento do Executivo, ao qual sempre coube tal prerrogativa.”

A OAB corroborou integralmente minha avaliação de leigo, vindo ao encontro da posição que sustento há meses: ao manter Battisti preso depois da concessão do refúgio humanitário, o STF extrapola suas atribuições e inspira fundados receios de que esteja colocando motivações de ordem política à frente do espírito de justiça e da letra da Lei.

É como muitos brasileiros percebem a atuação do ministro Gilmar Mendes. Será catastrófico para a imagem do Judiciário se o Supremo, como instituição, o acompanhar nessa faina reacionária.

Tortura na Itália

Segundo informou à revista IstoÉ, a defesa de Battisti anexará ao processo de extradição documentos comprovando que “a tortura de presos políticos era uma prática recorrente na Itália dos anos 1970”.

A Anistia Internacional, efetivamente, recebeu na época várias denúncias de que militantes das organizações de ultraesquerda italianas eram espancados, queimados com pontas de cigarro, obrigados a beber água salgada, expostos a jatos de água gelada, etc. Agora tudo isso constará do processo movido pela Itália contra Battisti, cujo julgamento ainda não foi marcado pelo STF.

O ministro da Justiça Tarso Genro, ao tomar a decisão de conceder refúgio humanitário a Battisti já apontara o fato de que os ultras haviam sido torturados nos escabrosos processos dos anos de chumbo na Itália.

Segundo Genro, também na Itália “ocorreram aqueles momentos da História em que o poder oculto aparece nas sombras e nos porões, e então supera e excede a própria exceção legal”, daí resultando “flagrantes ilegitimidades em casos concretos”.

Afora isso, houve também flagrantes aberrações jurídicas, conforme reconheceu um dos luminares do Direito, Norberto Bobbio, de quem Genro citou um parágrafo dos mais esclarecedores:

“A magistratura italiana foi então dotada de todo um arsenal de poderes de polícia e de leis de exceção: a invenção de novos delitos como a ‘associação criminal terrorista e de subversão da ordem constitucional’ (…) veio se somar e redobrar as numerosas infrações já existentes – ‘associação subversiva’, ‘quadrilha armada’, ‘insurreição armada contra os poderes do Estado’ etc. Ora, esta dilatação da qualificação penal dos fatos garantia toda uma estratégia de ‘arrastão judiciário’ a permitir o encarceramento com base em simples hipóteses, e isto para detenções preventivas, permitidas (…) por uma duração máxima de dez anos e oito meses”.

Foi assim que muitos réus, como Cesare Battisti, sofreram verdadeiros linchamentos com verniz de legalidade durante o escabroso período do macartismo à italiana:

• com pesadas condenações lastreadas unicamente nos depoimentos interesseiros de outros réus, dispostos a tudo para colherem os benefícios da delação premiada;

• com o uso da tortura para extorquir confissões e para coagir militantes menos indignos a engrossarem as fileiras dos delatores premiados; e

• com processos que eram verdadeiros jogos de cartas marcadas, já que a Lei fora distorcida a ponto de admitir penas com efeito retroativo e prisões preventivas que duravam mais de dez anos.

A confirmação do refúgio concedido pelo Brasil a Cesare Battisti não só é a única decisão cabível à luz das leis de nosso país e da generosa tradição de acolhermos de braços abertos os perseguidos políticos de todas as nações e tendências ideológicas, como também um imperativo moral: o de, em nome da civilização, rejeitarmos de forma cabal e definitiva quaisquer procedimentos jurídicos contaminados pela prática hedionda da tortura.

Congresso em Foco

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