Três homens foram presos na Bahia pelo envolvimento na morte da líder quilombola e ialorixá Mãe Bernadete, de 72 anos. O assassinato ocorreu na noite de 17 de agosto, no Quilombo Pitanga dos Palmares, no município de Simões Filho, região metropolitana de Salvador (BA). Mãe Bernadete era também gestora da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq).
O anúncio das prisões foi feito pelo secretário de Segurança Pública da Bahia (SSP/BA), Marcelo Werner, nesta segunda-feira (4), em entrevista coletiva à imprensa, na sede do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção a Pessoas da Polícia Civil (DHPP), em Salvador.
O secretário Marcelo Werner ressalta que a Polícia Civil da Bahia ainda não pode revelar a motivação do crime.
“Se a gente falar em motivação agora, uma motivação A, B ou C, pode e vai prejudicar, infelizmente, as investigações. O processo está sob sigilo. Então, a gente reporta genericamente para que, também, a gente não quebre essa reserva de sigilo”.
O secretário de Segurança Pública da Bahia, Marcelo Werner, diz que a polícia vai fazer o confronto com outras provas colhidas na investigação. “Então, é precipitado a gente falar em motivação”, relatou o secretário, sobre a suposta motivação da execução alegada por um dos suspeitos presos.
A delegada-geral da Polícia Civil da Bahia, Heloísa Brito, ratifica que é preciso apurar a versão contada pelo preso que confessou o homicídio. “Ele fala o motivo, mas precisamos saber se isso condiz com a verdade. Qualquer informação passada agora pode não ser a verdade”, justificou a delegada-geral.
Presos
As investigações da Secretaria de Segurança Pública da Bahia apontam que os envolvidos podem ser integrantes de um grupo criminoso responsável pelo tráfico de drogas e homicídios na região de Simões Filho.
Conforme as averiguações policiais, os três presos têm diferentes participações no crime contra Mãe Bernadete. As identidades dos suspeitos de participação no assassinato não foram reveladas para não comprometer as investigações policiais. Um quarto suspeito identificado está sendo procurado pelos agentes de segurança pública e as equipes de investigação tentam identificar outras pessoas diretamente envolvidas no caso.
De acordo com secretário de Segurança Pública da Bahia, Marcelo Werner, um dos suspeitos detidos foi preso na cidade de Araçás, a 105 km de Salvador, na sexta-feira (1º). Ele confessou ser o executor da vítima. O suspeito já tem antecedentes criminais.
O segundo suspeito, detido em 25 de agosto, estava com os celulares da vítima e de familiares dela, roubados na data do crime. Já o terceiro detido, um mecânico, guardou duas armas de calibres compatíveis com os de projéteis recolhidos no local do crime, segundo a SSP. O mecânico que guardava o armamento foi autuado em flagrante por porte ilegal de arma de fogo.
Estes dois últimos suspeitos de envolvimento no crime foram presos na zona rural de Simões Filho, mesma região onde fica o Quilombo Pitanga dos Palmares. Os dois não tinham passagem pela polícia por outros delitos.
Ações
A delegada-geral da Polícia Civil da Bahia, Heloísa Brito, fez um balanço das investigações, até o momento. “Já realizamos 64 oitivas, foram 21 aparelhos telefônicos apreendidos, 19 medidas cautelares foram solicitadas. Conseguimos avançar bem numa articulação com todos os departamentos da Polícia Civil e, principalmente, uma parceria com o poder judiciário e com o Ministério Público, por meio do Grupo Especial de Combate às Organizações Criminosas e Investigações Criminais (Gaeco)”, detalhou.
A delegada ainda destacou o trabalho em conjunto com outras instituições para elucidar o caso. “Pela Coordenação de Conflitos Fundiários, nós estaremos ouvindo todos envolvidos para verificar se temos alguma questão que remete ao conflito fundiário. Nós estamos fazendo uma análise também de todo o tráfico de drogas no local, para verificar se tem alguma influência específica com a criminalidade, através do nosso Departamento de Narcóticos, que já fez inclusive uma operação hoje pela manhã naquela região. Então, estamos observando todas as linhas possíveis de investigação, porque o nosso objetivo é exaurir todas as possibilidades, deixando este crime esclarecido, o modo de como aconteceu a dinâmica e o que motivou”, pontuou a delegada-geral da Polícia Civil da Bahia, Heloísa Brito.
Repercussão
O filho de Mãe Bernadete, Jurandir Wellington Pacífico, disse à Agência Brasil que ficou sabendo das prisões pela internet. Ele confirmou que a família fará um pronunciamento à imprensa no fim da tarde desta segunda-feira (4), no Fórum Ruy Barbosa, do Tribunal de Justiça da Bahia.
Já o advogado responsável pela defesa da família de Mãe Bernadete e integrante do Instituto Malê de Acesso à Justiça e Cidadania (IMAJ), David Mendes, declarou à Agência Brasil que recebeu com preocupação as declarações dadas pelo secretário de Segurança Pública [Marcelo Werner] “haja vista que foram apresentados apenas parte dos executores do crime, porém nada disse acerca dos respectivos mandantes”, cobra o advogado David Mendes.
O advogado, que também defende os direitos de outras comunidades quilombolas do estado, relembrou que a Pitanga de Palmares nunca registrou problemas relacionados ao tráfico de drogas ou à presença de facções criminosas em território, mas que as ocorrências começaram naquele território a partir da implantação de um presídio por parte do governo estadual, inaugurado no ano de 2002.
“Somente a partir da implantação da aludida unidade prisional foi que a comunidade passou a conviver com a presença do tráfico de drogas e do crime organizado naquele território – e há inúmeras pesquisas acadêmicas que comprovam que onde há a implantação de unidades prisionais inexoravelmente há o aumento da criminalidade/violência, haja vista a ocupação de imóveis ao redor do presídio por parte de familiares dos presos e membros das facções criminosas às quais eles pertencem”, desabafa o advogado David Mendes.
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Rosa Weber, se referiu, na manhã desta segunda-feira, à Mãe Bernadete, durante o II Seminário sobre Questões Raciais no Poder Judiciário, realizado na sede do CNJ, em Brasília.
“Uma mulher negra a denunciar racismo e ameaças sofridas, uma mãe que convivia, sem esmorecer, com a indignação e o desconsolo infindo de um filho assassinado havia seis anos, sem sequer a identificação dos criminosos, executores e eventuais mandantes e que lutava com sua voz corajosa contra esta odiosa impunidade, é exemplo candente de que o Estado brasileiro falhou e de que falhamos todos nós, cotidianamente, na defesa da vida, da integridade, dos valores e dos direitos da população negra, em nosso país.”
Em 30 de agosto, o CNJ informou que as apurações sobre o assassinato da Mãe Bernadete e do filho dela, Flávio Gabriel Pacífico dos Santos (Binho do Quilombo), ocorrido em 2017, serão acompanhadas pelo Observatório das Causas de Grande Repercussão. O colegiado é formado pelo próprio CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O CNJ afirma que os dois casos estão, aparentemente, relacionados com a defesa da causa quilombola em território ainda sob conflito fundiário.
Os familiares da Mãe Bernadete foram retirados da comunidade Quilombo Pitanga do Palmares como medida de proteção, na semana do assassinato da líder ialorixá.
Agência Brasil