Uma lei aprovada pelo Congresso Nacional permitiria a liberação de R$ 4,2 bilhões para a ciência brasileira em 2021, valor que estava em reserva de contingência na Lei Orçamentária Anual de 2020. Porém, dois vetos do presidente da República Jair Messias Bolsonaro (sem partido) impediram esse investimento nas pesquisas.
O projeto de lei complementar PLP 135/2020, do senador Izalci Lucas (PSDB-DF), teve como objetivo principal proibir o bloqueio de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), e gerou a Lei Complementar 177, de 2021, sancionada em 12 de janeiro. Mas a publicação no Diário Oficial da União veio com vetos que tiram a essencialidade do projeto.
O FNDCT é considerado o maior fundo de recursos para a ciência brasileira, captando valores obtidos a partir de impostos de empresas e sendo utilizado para financiar pesquisas de diversas áreas. Um dos grandes problemas enfrentados, no entanto, diz respeito ao chamado contingenciamento dessas verbas, como explica Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
“O contingenciamento significa que o governo pega uma fração considerável desses recursos — o que nos últimos tempos tem chegado a 90% — e, ao invés de aplicar em pesquisas, aplica em outras coisas, como quitar a dívida pública”, exemplifica. Luiz lamenta que os artigos vetados evitem essa prática. “Infelizmente, o presidente Bolsonaro vetou exatamente o artigo que proíbe o contingenciamento. Então, isso faz com que a lei perca seu sentido”, avalia.
Pressão política
Os artigos vetados também impedem que os recursos retirados da ciência, tecnologia e inovação (CTI) de 2020 fossem transferidos para este ano, sob justificativa de que isso poderia resultar em um rompimento do teto de gastos de 2021. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e mais de 90 entidades científicas e acadêmicas do Brasil criaram uma mobilização para solicitar a retomada do contexto original do PLP, derrubando esses vetos.
“É muito importante que essa lei volte a ser a que foi aprovada pelo Congresso Nacional, eliminando o contingenciamento e fazendo com que recursos não usados no ano sejam passados para o ano seguinte. Isso é colocar o País à altura dos países mais desenvolvidos. É fazer com que o País não tenha essa posição vergonhosa de estar no 62º lugar no índice global de inovação, ao mesmo tempo em que é uma das dez maiores economias do mundo. Isso não faz sentido”, afirma o presidente da ABC.
Os vetos podem ser derrubados por parlamentares em sessão do Congresso, mas ainda não há data para o debate. O deputado federal Vitor Lippi (PSDB – SP) foi um dos que ressaltou a importância do projeto na origem. “O fundo é o principal recurso para financiar as pesquisas do Brasil. Os países do mundo que melhoraram as condições de vida, que progrediram nas últimas décadas, todos foram através de pesquisa e inovação. Mas, todo ano o governo tirava esse dinheiro do fundo e deixava um percentual muito pequeno, não sendo suficiente para as necessidades do País.”
Necessidade vital
José Luis Oreiro, economista e professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), critica a falta de olhar do governo quanto à importância do investimento em pesquisas. “Nenhum país consegue se desenvolver sem ciência e tecnologia, ainda mais agora que estamos nos estertores de uma 4ª Revolução Industrial. O Brasil está completamente defasado em relação a isso. Para que a gente possa, minimamente, ter algum futuro é necessário investir em ciência e tecnologia.”
Um exemplo prático de como essa falta de investimento se torna prejudicial para o País veio de forma clara na pandemia. A Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi) mostra que o Brasil fabrica apenas 5% dos insumos para a produção de medicamentos atualmente, contra 55% de fabricações nacionais de insumos na década de 1980. A maior parte das matérias-primas para vacinas contra a Covid-19 estão sendo compradas de outros países.
Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) analisou as ações em pesquisa e inovação adotadas pelos países para combater a crise da Covid-19 e concluiu que o Brasil gastou 1,8% do orçamento federal neste sentido, enquanto que o Canadá investiu 11,8%, o Reino Unido 10,8%, a Alemanha 6,3% e os Estados Unidos 4,1%.
O Ipea também evidencia que os recursos destinados ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), as principais fontes dos cientistas brasileiros, vivem uma queda desde 2015. A soma dos recursos dessas três fontes passou de R$ 13,97 bilhões naquele ano para R$ 5 bilhões em 2020, corrigida a inflação.
PB Agora
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