Em seu nono disco, lançado na última semana, o paraibano Chico César, 55, apresenta sugestivas opções para se lidar com as trevas. “Pedrada” e “Eu Quero Quebrar” são algumas das novas canções.
“O Amor É um Ato Revolucionário” pretende rebelar por meio da arte. “Os agentes da nossa época querem acabar com a dança, com o beijo e com a poesia. Então, quanto mais a gente dançar, beijar e fizer poesia, mais subversivo a gente vai ser. Se só ficar fazendo passeata pela dança, pelo beijo e pela poesia, é sinal de que eles ganharam”, diz o músico.
Mas quem são “eles”? “Esses que querem dizer como o amor deve ser. Doria, Crivella, Bolsonaro. Só que a sociedade avançou muito nos últimos tempos, e isso não vai acontecer. Os negros não aceitam voltar para a senzala, as mulheres não aceitam voltar para a cozinha e os gays não aceitam voltar para o armário”.
Para Chico, existem atualmente “muitas barreiras externas” que dificultam a criação. Mas, por considerar que é o papel do artista “procurar novas fronteiras”, debruçou-se sobre o papel logo após o lançamento do disco anterior, “Estado de Poesia”, em 2015, para construir o novo trabalho.
“Comecei a perceber, muito antes do discurso de Bolsonaro louvando Ustra, que a sociedade brasileira caminhava para um lugar muito escuro. A vida político-social do Brasil foi ficando nervosa, já havia a presença agressiva da bancada do boi, da bíblia e da bala querendo tomar o poder.”
“Eu já havia criticado o modo como o Partido dos Trabalhadores lidava com a natureza, mas tive um pressentimento de que o que viria pela frente seria muito mais pesado.”
Quando apresentou em seu perfil do Instagram uma prévia do reggae “Pedrada”, antes do lançamento do novo disco, Chico enfrentou ameaças de opositores. Com um refrão que incita “fogo nos fascistas”, a música teve uma repercussão rápida.
“Gente da chamada nova direita divulgou o vídeo no Facebook dizendo que tinham que me prender. Que não podiam mais me contratar para as prefeituras, que deviam me boicotar nas festas, e ir aos meus shows para agredir e impedir as pessoas de me escutar. Eu denunciei, porque não queria minha música associada àquela página.”
O músico acredita que, a princípio, a reação de quem escuta a faixa é de incredulidade. “Eles esperam que a gente fique só dançando ciranda no Largo da Batata, enquanto eles vão à Câmara e tiram os direitos trabalhistas. Daí vem esse povo paz e amor e diz uma coisa dessas.”
Ele diz, no entanto, que não se trata de um convite literal. “Fogo nos fascistas obviamente não tem sentido estrito, fechado. É fogo com a nossa poesia, com a nossa visão de mundo, com o nosso afeto. Mas, se for necessário, é fogo mesmo, com coquetel molotov, greve, paralisações, sabotagem do sistema, parar as máquinas. Desobediência civil é fogo nos fascistas.”
Autor de sucessos como “À Primeira Vista” e “Pensar em Você”, Chico segue louvando o feminino em “O Amor É um Ato Revolucionário”. O novo disco traz homenagens às mulheres como “Mulhero”, “De Peito Aberto” e “Minha Morena”, escrita para sua companheira, a atriz Bárbara Santos.
Importantes tributos em uma época em que, mesmo com todos os progressos da luta feminista, a violência contra a mulher escala a níveis preocupantes.
“Quando um governo retira coisas que já havíamos conquistado, ele autoriza de certa forma atitudes mais selvagens e primitivas do macho. Quando você tem governantes que se referem à primeira-dama de um país como ‘feia’, e isso é corroborado pelo ministro da Economia que diz ‘é feia mesmo’, fica parecendo que um tipo de homem tem total liberdade para opinar a qualquer hora sobre como as mulheres devem ser.”
“Isso vai dando poder para que aquele sujeito que você acha que é normal possa exercer seu lado psicopata e matar uma namorada, a ex-esposa, a família inteira do namorado da filha porque não gosta dele.”
Chico define a sociedade atual como “precária”, do ponto de vista das relações, e “contraditória”, já que o momento é de mulheres na rua e no comando. “Não é à toa que atiraram na cara de Marielle”.
“O Amor É um Ato Revolucionário” traz “verdades inconvenientes”, entre elas o chamado culpa em todas as instâncias e que, para Chico, é fundamental no caminho para restaurar o cenário político. O artista provoca, por exemplo, quem, “com seu voto, ajudou a acender a fagulha” na Amazônia. “Agora vai lá na passeata na Vieira Souto e diz ‘olha, está pegando fogo’. Claro, meu amor, você soprou as brasas”. E por todas as instâncias entenda-se também a própria imprensa, que teria tentado erroneamente “contemporizar e ser República”. “Bolsonaro não pensa a República, ele pensa o quartel. Depois daquele discurso defendendo Ustra, ele deveria ter sido duramente criticado por todo mundo. Num país minimamente civilizado, ele teria saído dali preso.”
“Eu quero colocar meu filho na embaixada americana, vou colocar e pronto: isso é uma monarquia. Nem Saddam Hussein fez isso, botar o filho na diplomacia em Nova York. O Brasil foi caminhando para um lugar em que o único objetivo parecia ser tirar o PT. Tá, mas colocar o quê? Agora a gente vê onde está.”Chico se define como “um cidadão a mais, em um tempo de cidadania ameaçada”. Entende como solução a soltura de Lula, “com todos os seus direitos políticos restituídos”, a cassação de Jair Bolsonaro e a convocação de eleições diretas. “Os militares precisam sair dessa enrascada em que este aventureiro os meteu.”
“Esperei muito uma manifestação republicana no segundo turno de Ciro, Marina, FHC, achei que todos iam marchar junto com Haddad. Mas decidiram não se misturar e esperar quatro anos. Por isso é importante que a sociedade civil marche junta, senão fica cada um defendendo a sua coisinha. A gente precisa ir de bolo, todo mundo junto. Dizer ‘vamos pelo amor’, e ir mesmo.”
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