Na microrepresentação da sociedade brasileira que é o Big Brother Brasil, a ex-participante Sarah Andrade trouxe à tona uma faceta do negacionismo em relação aos riscos da covid-19 que é protagonizado por parte da população. Ela contou que estava em uma festa quando recebeu uma ligação da produção do programa. “Quando me ligou para a entrevista, falou para mim: ‘Pandemia não existe pra você? Ninguém tá morrendo pra você?’ Oxi… e eu: ‘Eu não tô sentindo nada’”, disse Sarah, rindo. Para analisar essa faceta da sociedade que fazem muitas pessoas se mostrarem indiferentes ao sofrimento de outra, a doutora em Educação Popular e professora do Curso de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Marísia Oliveira e o psicanalista Christian Dunker, explicam alguns motivos.
A ex-Big Brother, foi criticada nas redes sociais, mas seu comportamento está longe de ser algo estranho. Pelo contrário, como explica doutora esse comportamento revela como as festas clandestinas que proliferam desde o fim do ano por todo o País. O que parece fazer menos sentido é por que esse negacionismo prevalece no Brasil mesmo quando a pandemia atinge um dos sues piores momentos.
Segundo Marísia, a indiferença, na maioria dos casos, está associada a um mecanismo de defesa do “eu”. Um reflexo quase que automático do ser humano que, ao se deparar com uma situação de crise, encontra meios de negar ou de escapar da realidade, bem como de justificar sua passividade ou inação. “A empatia é uma dimensão humana muito importante, porque ela é a base das outras, dos principais sentimentos. Nós não existimos sem o outro. O outro é o que me constitui. A própria crise que enfrentamos neste momento, a pandemia, mostra isso. A humanidade é uma só. Quando eu não tenho consciência de que me constituo a partir do outro, a gente está muito alienado. A consciência de si envolve a consciência do outro. A negação do real é uma forma de indiferença em que o indivíduo engana a si mesmo e aos outros”, comentou a psicóloga.
Ainda de acordo com ela, o negacionismo é, portanto, uma das formas de representação da indiferença que aliena a todos. Para a professora, a base da sociedade contemporânea é negacionista. “Quando não praticamos a empatia, estamos também negando a realidade. O negacionismo é um mecanismo de defesa que usamos quando é muito pesado encarar os fatos. O escape da realidade vem com a busca de um refúgio. As pessoas que mais negam a experiência do outro, quem mais pratica a indiferença, sabe muito pouco de si, revela uma indiferença até de si”, disse a doutora.
Assim também pensa, Christian Dunker, afirma que o negacionismo que estamos observando no Brasil tem alguns “ingredientes peculiares” que talvez não sejam reproduzíveis. “O negacionismo floresce tanto em estado de individualismo muito forte – em que a pessoa fica possuída por um delírio de que ela é especial e se persuade de que tudo isso vai protegê-la – quanto em estados de massificação muito forte. É o negacionismo por adesão ao funcionamento de um grupo. Muitas pessoas aparentemente reforçam e aumentam seu negacionismo para se vincular a um determinado grupo, para não se sentirem alvo de represália. E o bolsonarismo instrumentaliza isso o tempo todo”, afirma.
“Os negacionistas subiram ao poder no Brasil com essa ilusão de que, em grande número, eles não podem estar errados. O bolsonarismo é esse fenômeno de confrontação da morte. E a morte é a fonte principal de conflito para o ser humano, de encarar a finitude”, diz o psicanalista. Segundo ele, no contexto da pandemia estamos falando, por um lado, de um “hiperindividualismo” – como é o caso de quem vai para as festas –, e por outro de um negacionismo como efeito de funcionamento social. “Há aqueles que entendem sua vida como o domínio do seu corpo. Entendem que podem abusar e não se veem como parte de um processo social. Acham que, no máximo, estão somente se colocando em risco, mas não o outro”, afirma.
Redação
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