Um rosto de mulher todo desenhado com carimbos onde se leem as palavras “clandestino” e “estrangeiro” resume de forma bem simples o trabalho da artista plástica paulista Letícia Barreto, que vive em Lisboa, Portugal. A imagem representa sua pesquisa de mestrado, um estudo da imagem que a mulher brasileira tem na capital portuguesa, sofrendo as dificuldades da imigração e do preconceito, precisando repensar sua própria identidade.
“É óbvio que existe o preconceito contra o imigrante brasileiro. O mais comum é a velha história de tachar brasileira como prostituta”, disse Barreto, em entrevista ao G1. “Quando se chega aqui, as pessoas passam a repensar sua própria identidade. Em uma entrevista, uma senhora brasileira comentou que, ao chegar aqui, sua identidade foi estilhaçada, pois ela tinha uma carreira no Brasil, veio tentar a vida aqui em Lisboa e passou trabalhar em um café, passando por dificuldades financeiras, que a faziam repensar seus valores, sua vida. Isso acontece com todo mundo. E foi uma das origens da ideia do meu projeto de mestrado. Todos nós estamos o tempo todo refletindo sobre a experiência da imigração.”
Convidada para dar aulas de desenho e pintura em Lisboa, ela já vive na cidade há dois anos, cumpriu metade do tempo do seu mestrado e até já se nota alguma influência do sotaque lusitano em sua voz. Como imigrante, entretanto, ela admite que sua situação é particularmente melhor que a da média dos estrangeiros na cidade, por ter chegado com um emprego em vista. “Não sabia ao certo quanto dinheiro ia ter, como as coisas iam funcionar. A intenção era ficar um ano, mas surgiu a oportunidade do mestrado e acabei estendendo este prazo. Ainda tenho um ano do mestrado pela frente e penso em voltar, mas não tem nada certo.”
Barreto diz que, mesmo numa situação migratória privilegiada, e sem sofrer com o preconceito mais violento, ela também passou por dificuldades ao chegar em Portugal. “O primeiro contato foi um bocado complicado. Dentro da escola a abordagem era outra, mas as pessoas olhavam torto, duvidando da competência”, diz. Seu jeito brasileiro, mais aberto e extrovertido, entretanto, acabou cativando os alunos no fim das contas, e eles diziam que tinham um pé atrás, mas admitiam que o curso era bom.
Experiências migratórias
Sua pesquisa acadêmica, contou Barreto, é em artes visuais e intermídia, abordando a imagem da mulher brasileira em Lisboa. Envolve vídeo, instalação e áudio, e teve início com trabalhos que fazia como maneira de lidar com a imigração. “Queria fazer isso desde que vim para cá. O projeto ajudou a lidar com as dificuldades, com o preconceito. Tenho feito várias entrevistas com mulheres imigrantes, para sair do meu ponto de vista, que seria limitado para este trabalho.”
As entrevistadas são mulheres de diferentes classes sociais, idades e situações migratórias, que falam do que significa para elas ser imigrante em lisboa. “Com base nisso faço um trabalho artístico, transformando o que estou vivendo e ouvindo em linguagem visual.”
Segundo ela, as imigrantes brasileiras contam diferentes tipos de história. Tem gente que está há muito tempo e não pensa em voltar, outros que foram sem pensar e resolveram ficar ilegalmente. “As experiências são muito diferentes, não existe um padrão, mas existe uma forte ilusão sobre o que significa viver na Europa. As pessoas pensam que o dinheiro é fácil, mas é muito difícil juntar dinheiro, pois se ganha em euro, mas se gasta em euro também.”
Dificuldades gerais
Se, para as mulheres, o preconceito é a principal barreira na imigração para Portugal, a burocracia do país e o idioma também dificultam a vida delas e dos homens que vão para o país.
Segundo um levantamento do Ministério das Relações Exteriores, com base em dados das seções consulares no país, 147.500 brasileiros vivem em Portugal. “A maior dificuldade para todos nós é a burocracia, pois tudo é muito complicado para o estrangeiro. Mesmo para mim, que vim numa situação privilegiada, convidada para trabalhar, com toda a papelada, foi difícil. Para quem tem qualquer outra situação fica ainda mais difícil”, contou Barreto.
Pensar que ir para a antiga metrópole do Brasil, que fala o mesmo idioma do Brasil, significa facilidade de comunicação também pode ser um engano. Segundo a artista plástica, os portugueses percebem quem é brasileiro pela forma de falar, e muitos gostam de brincar com o sotaque dos imigrantes. “Para quem vem, o português não chega a ser uma barreira, mas num primeiro momento parece, sim, com uma língua estrangeira”, disse. Não é nada absurdamente complicado, explicou, mas há um vocabulário com muitas palavras diferentes, e muitos acabam acabam falando besteira.
Depois de dois anos vivendo em Portugal, Barreto diz ter muitos amigos do país. “No começo foi difícil por eles serem mais fechados, mas isso é normal, a gente consegue se aproximar. O importante para quem migra é não se fechar no gueto, não ficar preso à comunidade brasileira, mas se abrir para a cultura local e superar os preconceitos”, disse. Segundo ela, os encontros com outros brasileiros acontecem naturalmente, sem precisar se prender apenas a seus compatriotas.
G1