Em entrevista coletiva realizada hoje (23) no Ministério da Cultura (MinC), em Brasília, o ministro Juca Ferreira divulgou o texto da reforma da Lei Rouanet (Lei de Incentivo à Cultura), programa de incentivo cultural cujo conteúdo tem dividido artistas, produtores, especialistas e demais profissionais da área. O anúncio de Juca, amparado pelos membros da equipe responsável pela elaboração da nova proposta – entre os quais Alfredo Manevy, secretário-executivo do MinC, e Sérgio Mamberti, presidente da Funarte –, foi permeado de críticas ao modelo atual da Lei.
Um dos pontos principais da Lei Rouanet criticados por Juca foi a suposta concentração de fomentos culturais a grandes produções artísticas – o chamado mainstream – e a projetos do eixo Rio-São Paulo, bem como os altos valores dos ingressos de espetáculos artísticos. Segundo o ministro, tais questões são resolvidas com a nova proposta, que promoveria uma espécie de descentralização da produção cultural brasileira e uma natural popularização das produções.
Com menção a números sobre execuções de incentivo no modelo atual, Juca reclamou do “dirigismo cultural”, que é justamente o fenômeno de concentração dos recursos privados captados via Lei Rouanet para determinados grupos culturais, com a contrapartida da renúncia fiscal para empresas patrocinadoras. No comando da Cultura desde julho de 2008, com a renúncia de Gilberto Gil, o ministro lembrou que, atualmente, cerca de metade dos recursos são destinados a apenas 3% dos produtores – minoria preponderantemente de São Paulo e Rio de Janeiro.
Entre as principais alterações propostas na reforma está o maior escalonamento de renúncia fiscal (isenção de imposto de renda) para empresas privadas patrocinadoras de projetos culturais. A Lei Rouanet em vigor descreve apenas duas faixas de isenção: 30% e 100%. O novo texto inclui mais quatro faixas para a renúncia: 60%, 70%, 80% e 90%, ou seja, ampliação das modalidades de financiamento. A definição dos percentuais de imposto ficará a critério de um conselho a ser integrado por membros da sociedade e do governo, em regime paritário, nos moldes da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC).
Segundo o MinC, a proposta amplia as atribuições do CNIC, uma vez que possibilita à comissão, além do atual papel de definição sobre as faixas de renúncia fiscal, a gestão dos fundos setoriais – de forma que seja evitada a destinação concentrada dos fundos de incentivo cultural. O modelo setorizado de incentivos é, na visão do ministério, mais adequado do que a instituição de um fundo generalista, que poderia trazer problemas para áreas de menor “retorno” cultural (como o setor livreiro, por exemplo).
A reforma da Lei Rouanet estabelece mais quatro fundos de financiamento, bem como mantém o Fundo Nacional de Cultura (FNC) e a categoria Audiovisual. São eles: Livro e Leitura; Artes; Patrimônio e Memória; e Diversidade e Cidadania. O FNC passa a se concentrar em setores não especificados (projetos alternativos não englobados no arcabouço cultural). Assim, a Lei sofre uma intervenção direta em sua essência, com a reformulação dos três modelos atuais de financiamento – além da renúncia fiscal (único realmente praticado), o FNC e um fundo de capitalização conhecido como Ficart.
Uma das fontes de custeio da nova Lei Rouanet será o Orçamento da União (por meio de reservas do Tesouro Nacional), que já estabelece o valor da renúncia fiscal na legislação vigente. A proposta também proíbe o uso de recursos do FNC em projetos culturais e/ou atividades subsidiadas pelo governo federal.
Rouanet na rede
De acordo com a assessoria de comunicação do ministério, os pontos da reforma têm sido “muito bem recebidos” por setores da classe cultural, mas o verdadeiro “termômetro” será a opinião pública. “Só vamos ter a resposta quando sair a consulta pública. A partir daí saberemos como [a proposta] foi recebida de fato”, afirmou a assessoria, que espera para ainda hoje os primeiros resultados da aceitação em relação à proposta.
Em sua página na internet, o Ministério da Cultura disponibilizou o “Blog da Lei Rouanet”, com o conteúdo integral da nova proposta – que já havia sido distribuído pela manhã para a imprensa, na coletiva desta segunda-feira. Entretanto, a assessoria do MinC informou que “problemas técnicos” inviabilizaram o acesso ao material, que só há pouco passou a estar à disposição do internauta. Depois de 45 dias de consulta pública, conclui a assessoria, o texto será submetido ao Conselho Nacional de Política Cultural, para só então ser encaminhado para a apreciação do Congresso.
Idealizador da Lei Rouanet atual, o embaixador e membro da Academia Brasileira de Letras, Sergio Paulo Rouanet, diz não comentar as intervenções na legislação. “Infelizmente não dou declarações sobre a Lei de Incentivo à Cultura, por desconhecer os seus desdobramentos atuais e as várias tentativas que vêm sendo feitas para modificá-la”, declarou ao jornal O Estado de S. Paulo Rouanet, que criou a lei quando era secretário de Cultura no governo Fernando Collor (à época, a Cultura não possuía status de ministério).
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