Lá pelos idos de 1986, um grupo de adolescentes pernambucanos resolveu fazer um curso de música em Brasília. Não sabendo que as aulas eram concorridas, os rapazes — que não tinham feito matrícula com antecedência — ficaram de fora. Barrados e com pouco dinheiro no bolso, tiveram de contar com a solidariedade dos colegas para pernoitar no dormitório da universidade — o que era proibido e que se tornou uma aventura, já que o diretor da faculdade se empenhou pessoalmente em não deixá-los ficar. Para descolar dinheiro, os garotos passaram a tocar onde houvesse uma aglomeração acadêmica qualquer.
Quase vinte e cinco anos depois, o saxofonista Spok, hoje com 39 anos e líder da big band Spok Frevo Orquestra, diz que “não vê a hora” de tocar na capital novamente. Vingança contra o diretor? “Imagine! Ele até foi legal fingindo não ver os shows mambembes que a gente fez”, pondera com bom humor o músico que vem sendo cultuado no Brasil e fora dele como um renovador da linguagem do frevo e que se apresenta no Clube do Choro hoje, amanhã e sexta-feira, para os brasilienses.
O show que Spok apresentará no Clube do Choro é inédito e contará com cinco músicos e não com sua orquestra de frevo. Completo, o conjunto reúne 17 músicos, sendo 12 de sopros. Ou seja, nem caberia no palco local. As músicas também não serão as mesmas que a banda tocou na recente turnê europeia, em que dividiu o palco com alguns dos mais renomados nomes da música internacional tais como o trompetista Wynton Marsalis, o pianista e gaitista Stevie Wonder, e os cantores George Benson e Bobby McFerrin. O show é uma homenagem que a Clube do Choro está fazendo aos 50 anos de Brasília. “Um lugar de bambas com quem sempre quis tocar”, elogia Spok, que chamou atenção dos gringos em 2008, quando o grupo encerrou o festival de verão francês Fête de la Musique em pleno Palácio do Eliseu, tendo na plateia o presidente Nicolas Sarkozy e a primeira-dama Carla Bruni.
Para acompanhá-lo em Brasília, Spok escolheu músicos pela originalidade “na levada” — leia-se, bons na improvisação. São eles: Adelson Silva (bateria), Renato Bandeira (guitarra), Hélio Silva (baixo) e Beto Hortis (sanfona). No setlist do show, a plateia pode esperar choro, baião e frevo em uma roupagem jazzística, o que não tem a ver necessariamente com o jazz feito por Chet Baker, mas com a liberdade na forma de se expressar. Ainda assim, para não se decepcionar, não vá ao show esperando um espetáculo dançante de frevo. “Admito que nosso espetáculo é mesmo mais para ouvir”, reforça Spok.
Estão na lista músicas como Passo de anjo, que Spok fez em parceria com João Lyra; Folião ausente, de Sivuca (“expressão da música brasileira e universal”); Último dia, de Levino Ferreira (“considerado o maior compositor de frevos de rua”); 11 de abril, de Dominguinhos, Frevo sanfonado, (“música que prova que o frevo sempre esteve no repertório dos sanfoneiros”); Um tom para Jobim, um baião de Oswaldinho e Maluquinho (um choro, de José Menezes), entre outras.
Resistência ao axé
A orquestra de frevo nasceu para enfrentar os trios de axé que invadiram Recife no fim da década de 1990 e, como bônus, terminou por emprestar improvisação ao ritmo tradicional pernambucano. Acompanhando os shows de Antônio Nóbrega, a banda chegou a se apresentar em Brasília em 2008, no projeto Novas orquestras. Nascido Inaldo Cavalcanti Albuquerque, Spok como é chamado desde criança, recebeu o apelido pela sua capacidade de mexer a orelha enquanto estudava. “Aí, um camarada soltou eita, bode, você só quer ser spok, e todo mundo passou a me chamar assim”, conta, com a simplicidade dos bons, o músico, que conseguiu tirar da rua o frevo rasgado de Olinda e lhe emprestou uma roupa mais sofisticada e bem mais intimista.
Projeto Brasília, 50 Anos — Capital do Choro
De hoje a sexta-feira, às 21h, no Clube do Choro de Brasília.
Ingressos: R$20 e R$10 (meia). Informações: 3224-0599
Correio Braziliense