A partir da coleta de preços de bebidas alcóolicas, além de 24 alimentos básicos e de consumo típico dos brasileiros, realizada em cerca de 30 supermercados da grande João Pessoa nos anos de 2020 e 2021, pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) apontaram que o consumo exagerado de álcool pode representar apenas 7% do rendimento doméstico per capita do brasileiro. O consumo de uma alimentação básica, no entanto, corresponde a 32% do mesmo rendimento, quase cinco vezes mais.
O estudo, que foi coordenado pelo professor Ian Nóbrega, do Departamento de Engenharia de Alimentos (DEA), vinculado ao Centro de Tecnologia (CT) da UFPB, foi publicado na última segunda-feira (13) no periódico internacional Nutrients. Em coautoria, o estudo contou com a contribuição dos estudantes concluintes Matheus Ferreira e Rhennan Marques, do curso de Engenharia de Alimentos da UFPB, e do toxicologista Dirk Lachenmeier, da Agência Alemã de Investigações Químicas e Veterinárias (CVUA), em Karlsruhe, e membro do grupo de trabalho da OMS responsável pela classificação de agentes cancerígenos.
A primeira etapa da pesquisa compreendeu a identificação, junto a outras publicações científicas e à Organização Mundial de Saúde (OMS), das principais fontes de consumo de álcool no Brasil, que são a cerveja e a cachaça. A partir disso, decidiu-se, como forma de obter uma melhor representatividade do consumo de álcool no país, concentrar o estudo no preço final ao consumidor do álcool proveniente de marcas líderes de venda dos dois tipos de bebida no Brasil, cujas concentrações médias de álcool são de, respectivamente, 4,7% e 39,5%.
“As marcas líderes selecionadas, que não tiveram os nomes divulgados na pesquisa, são aquelas de consumo popular, presentes em quase todos os supermercados brasileiros e com preços relativamente baixos”, esclarece o docente Ian Nóbrega.
Os cenários de ingestão de álcool no Brasil escolhidos para pesquisa foram três: consumo moderado (16,8 g de álcool/dia, equivalente ao consumo de cerca de 450 mL de cerveja/dia ou uma dose padrão de cachaça/dia); consumo arriscado (41,7 g de álcool/dia, equivalente a 1,1L de cerveja/dia ou 3 doses de cachaça/dia); e consumo pesado (83,4 g de álcool/dia, equivalente a 2,2 L de cerveja/dia ou 6 doses de cachaça/dia).
Para fazer a comparação do valor gasto no consumo de álcool com o montante utilizado para adquirir os produtos alimentícios básicos, os pesquisadores propuseram uma dieta básica, diversificada, nutricionalmente equilibrada e com um valor calórico total de 2.000 kcal/dia. Essa dieta considerou todas as transformações que ocorrem no preparo doméstico de alimentos para 5 refeições diárias – 3 principais e 2 lanches – e contou com 24 itens como mamão, café, ovo frito, cuscuz, feijão carioca cozido, arroz, carne (acém) assada, tomate, alface, entre outros. No cálculo do montante despendido com esses itens, incluiu-se também uma estimativa de gastos com gás de cozinha e ingredientes necessários às preparações, como óleo de soja, sal etc.
Não foram incluídos na dieta alimentos mais caros, como azeite extravirgem e carne de primeira. Seguindo a recomendação do Guia Alimentar da População Brasileira do Ministério da Saúde, alimentos ultraprocessados, por exemplo, biscoitos, embutidos, e refrigerantes também ficaram de fora. A ideia da pesquisa era manter a coerência no comparativo dos gastos domésticos com dieta e álcool, ambos provenientes de alimentos básicos e bebidas populares.
Os resultados do estudo apontam que a dieta básica de 2.000 kcal/dia custou R$ 15,00 por dia, correspondendo a 32% do rendimento per capita médio diário apurado no período de 2020 a 2021 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que foi de R$ 46,00. Por outro lado, todos os cenários de consumo de álcool avaliados ficaram abaixo do montante gasto na dieta.
Do ponto de vista da acessibilidade financeira, é inteiramente viável o brasileiro médio adotar um padrão de consumo de álcool extremamente prejudicial à saúde sem grandes comprometimentos no orçamento doméstico, especialmente se a bebida escolhida é uma cachaça popular, que está disponível nos supermercados de todo o país. O professor Ian Nóbrega lembra que outras fontes baratas de álcool, como por exemplo de algumas marcas de vodca encontradas de forma abundante no mercado, têm preços similares ou mesmo abaixo das cachaças populares.
Impacto social do consumo nocivo de álcool
Ainda segundo o coordenador do estudo, o propósito da pesquisa é de também verificar o acesso financeiro ao álcool no país, já que este é um dos três eixos principais de restrição – junto com a disponibilidade de venda de bebidas alcoólicas e a regulamentação da propaganda de bebidas – sugeridos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para restringir o consumo prejudicial de álcool no mundo. Nesse contexto, então, o Brasil está na contramão das recomendações da agência mundial.
“O impacto social do consumo nocivo de álcool no Brasil, cuja média de consumo de álcool é 30% acima da média mundial, é enorme. Por exemplo, os últimos dados da OMS apontam que morrem anualmente 44 mil pessoas por cirrose hepática, acidentes de trânsito e alguns tipos de câncer, todas causadas diretamente pelo consumo de álcool em nosso país. Isso sem contar com a pressão financeira que o tratamento de várias condições relacionadas ao consumo nocivo do álcool representa à saúde pública, incluindo transtornos mentais e violência doméstica”, afirma Ian Nóbrega.
Uma das soluções propostas pelos pesquisadores é estudar a viabilidade de se introduzir aqui, assim como foi feito na Escócia, o chamado Minimum Unit Pricing (MUP, Preço Mínimo por Unidade de Álcool, em tradução livre), que impacta mais os preços das bebidas muito baratas e com maior teor de álcool.
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