O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) disse que vai investigar o desembargador Luis Cesar de Paula Espindola, do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), que na sessão da Corte de quarta-feira (4) afirmou que “as mulheres estão loucas atrás de homens”.
Em nota, o CNJ disse que está acompanhando o caso e ainda esta semana deve ser instaurado um procedimento de investigação pela Corregedoria Nacional de Justiça.
A fala do desembargador gerou grande repercussão e organizações como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Defensoria Pública do Paraná e o Ministério Público do Paraná (MP-PR) repudiaram o discurso.
A declaração foi feita em sessão da 12ª Câmara Cível do TJ-PR, da qual Espindola é presidente. Os desembargadores julgavam um recurso de um professor de uma escola pública do interior do estado. O pedido era para derrubar uma medida protetiva que proíbe o professor de se aproximar de uma aluna de 12 anos.
A decisão levou em conta mensagens com elogios enviadas no meio da aula para o celular da menina. Além disso, o professor foi investigado e absolvido na área criminal por suspeita de ter importunado a criança.
Por quatro votos a um, o tribunal decidiu manter a medida protetiva. O voto contrário foi do presidente. Ao justificar o voto, Espindola disse que não concorda com a atitude, mas que não há provas contra o professor.
“Muito embora essa conduta, né, para alguns não seja própria e eu até concordo que para mim não seria próprio, mas hoje em dia, a relação aluno e professor, sabe, a gente vê, não só… Lá é uma comarcazinha pequena, do interiorzão, todo mundo se conhece, sabe? É diferente de uma assim… de uma Curitiba da vida, sabe, ou de uma cidade maior”, disse Espindola.
Logo após o desembargador proclamar o resultado, a desembargadora Ivanise Trates Martins, que não fazia parte do quórum, se manifestou:
“Nós, mulheres, sofremos muito assédio desde criança, na adolescência, na fase adulta, e há um comportamento masculino lamentavelmente na sociedade que reforça esse machismo estrutural, ou que hoje a gente chama de machismo estrutural, que é poder olhar, piscar, mexer, dizer que é bonitinha, ‘uma sua roupa tá com você, tá?’ Puxa esse jeitinho de fazer de conta que tá elogiando, mas que, nós mulheres, percebemos a lascívia quando os homens nos tratam dessa forma. E talvez os homens não saibam ou não tenham ideia do que uma mulher sente quando são tratadas com uma lascívia disfarçada. Nós sabemos, uma piscadinha, um olhar, quem sabe numa sala de aula, ou em qualquer outro lugar, extremamente constrangedor, extremamente constrangedor”, disse Ivanise.
Em seguida, o presidente da 12ª Câmara Cível voltou a se pronunciar:
“Vem com o processo um discurso feminista desatualizado, porque se essa vossa excelência sair na rua hoje em dia o que quem tá assediando, quem está correndo atrás de homens são as mulheres, porque não tem homem, sabe? Esse mercado é um mercado que está bem diferente. Hoje em dia sabe o que o que existe, essa é a realidade as mulheres estão loucas atrás dos homens, porque são muito poucos sabe? Esse é o mercado… É só sair à noite, eu não saio muito à noite, mas eu eu conheço, tenho funcionárias, tenho sabe… tenho contato com o mundo. Nossa, a mulherada tá louca atrás do homem sabe? Louca para levar um elogio, uma piscada, sabe? Uma cantada educada, porque elas é que estão cantando, elas que estão assediando, porque não tem homem, essa é a nossa realidade hoje em dia, não só aqui no Brasil sabe? Isso é óbvio, né? Hoje em dia os cachorrinhos estão sendo os companheiros das mulheres, vai no parque só tem mulher com cachorrinho, louca para encontrar um companheiro para conversar e eventualmente para namorar. Agora a coisa chegou num ponto hoje em dia entendeu? Que as mulheres é que estão assediando, sabe? Não sei se vossa excelência sabe, professores de faculdade, sabe, são assediados. É ou não é, doutora? Quando sai da faculdade, ele deixa um monte de ‘viúva’, a gente vê, cansado de ver isso e sabe disso sabe? Então, tudo é muito, é muito, é muito pessoal, esse é um discurso que eu acho que está superado, sabe, as mulheres ninguém tá correndo atrás de mulher porque tá sobrando”.
Durante a tarde, o TJ-PR retirou do ar o vídeo da sessão em que o desembargador fez o pronunciamento sobre as mulheres. Conforme a Corte, o material foi retirado para preservar as partes envolvidas, considerando que o processo tramita em segredo de justiça.
No fim da tarde, o TJ-PR também publicou uma nota pública do desembargador Luis Cesar de Paula Espindola. Leia a íntegra:
“Esclareço que nunca houve a intenção de menosprezar o comportamento feminino nas declarações proferidas por mim durante a sessão da 12ª Câmara Cível do tribunal, afinal, sempre defendi a igualdade entre homens e mulheres, tanto em minha vida pessoal quanto em minhas decisões. Lamento profundamente o ocorrido e me solidarizo com todas e todos que se sentiram ofendidos com a divulgação parcial do vídeo da sessão”, diz o texto
A 12ª Câmara Civil é a responsável no tribunal por julgar casos de Direito de Família, união estável e homoafetiva.
O desembargador Espindola, que hoje preside o colegiado, já foi condenado, em 2018, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), pela Lei Maria da Penha, por agredir a própria mãe e a irmã.
O STJ condenou Espindola a 7 meses de prisão, mas a pena não foi aplicada porque o caso prescreveu.
Organizações condenam postura
A fala do desembargador sobre as mulheres causou reações imediatas.
Em nota de repúdio pública, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) condenou as declarações classificadas como “odiosas” e pede atuação do Poder Judiciário.
“Estamos diante de um magistrado, de uma pessoa com poder decisório, na contramão de tudo que estamos vivenciando na sociedade, no que o Poder Judiciário tem estabelecido como diretriz de conduta para uma mudança de realidade. Então, essa transformação, todos sabemos que temos séculos de história de discriminação contra mulheres, de obstáculos que foram criados, todos os Poderes assumem a responsabilidade por essa mudança”, disse a OAB.
Para a presidente da OAB no Paraná, Marilena Winter, o teor do pronunciamento é “inaceitável”.
“Essa fala, ela traz essa perplexidade para nós que estamos aqui esperando que essa mudança de fato aconteça, para nós que confiando, e para o jurisdicionado que entrega muitas vezes a sua vida, a solução de um problema de família, de guarda de filhos, nas mãos dos magistrados, espera-se deles essa empatia, essa compreensão, e o respeito à Constituição e aos valores constitucionais”, complementou ela.
A Defensoria Pública do Paraná afirmou, por meio de seu Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres, que repudia as declarações do desembargador. Para a defensoria, as falas do magistrado “desrespeitam e menosprezam as vozes das mulheres” e revelam uma visão profundamente discriminatória e desconectada da realidade.
A defensoria afirma ainda que figuras públicas, especialmente representantes do sistema de Justiça, devem atuar como defensores da igualdade e do respeito e que espera que os órgãos competentes tomem as devidas providências para assegurar que atitudes semelhantes sejam devidamente apuradas e que não sejam toleradas no futuro.
O Ministério Público do Paraná (MP-PR) ressaltou, em nota, que a igualdade de gênero é pauta prioritária do órgão e que” todo posicionamento contrário a essa pauta não condiz com o atual estágio de desenvolvimento dos direitos humanos”.
“O MPPR não compactua com as declarações feitas pelo desembargador, as quais já estão sendo apuradas pela Corte Estadual”, afirmou.
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) disse em nota que não endossa os comentários feitos pelo desembargador e que já foi aberta investigação preliminar. A Corte disse ainda que não compartilha de qualquer opinião que possa ser discriminatória ou depreciativa.
Com G1
Imagem: Reprodução
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