Grávida de quatro meses de gêmeos, em 1999, a executiva Maria Silvia Bastos Marques assumiu o comando de uma das maiores empresas do Brasil, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Após dar à luz os bebês, em um mês estava de volta à cadeira de comando. Para garantir que fosse capaz de equilibrar vida pessoal e profissional, a executiva diz que foi preciso se livrar de um inimigo comum às mulheres com uma agenda de trabalho cheia: a culpa.
"Em primeiro lugar, é preciso não ter culpa. Minha postura é que meus filhos devem ter orgulho da sua mãe, que trabalha duro. Busco estar presente […] e também que eles tenham a certeza que o trabalho é fundamental na minha vida, mas que eles serão sempre a minha prioridade", resume Maria Silvia, que desde 2007 está no comando da seguradora Icatu Hartford e foi secretária da Fazenda do município do Rio de Janeiro entre 1993 e 1996.
Ela diz que é preciso estabelecer inovar na gestão no setor público: ela defende o estabelecimento de metas ousadas, como ocorre no setor privado. "Acho que, na função pública, definição de metas, premiação de desempenho e austeridade econômica são ainda mais importantes e relevantes que na atividade privada."
Em entrevista por e-mail ao G1, ela falou que, além de se livrarem da culpa, as mulheres que têm cargos de gerência e diretoria devem perceber que a condição feminina "é um ativo e não um passivo".
Veja os principais trechos:
G1: Fizemos uma série de entrevistas com presidentes de empresas no G1 e constatamos a pouca presença das mulheres em cargos de comando (CEO, presidente). Apesar de as mulheres ainda serem minoria, a sra. percebe um avanço da presença feminina nos cargos de comando?
Maria Silvia: Sim. Nos últimos anos as mulheres têm se destacado na ocupação de funções de alto nível, não só no Brasil como em outros países, e conquistado mais paridade salarial em relação aos homens na mesma posição. Acredito que esse seja um processo de evolução natural, embora existam algumas dificuldades, como a de conciliar a vida pessoal (especialmente os filhos) com o trabalho executivo, que demanda viagens, mudanças de cidades etc. Mas acho também que a tendência, entre os mais jovens, é de cada vez equilibrar mais as funções familiares entre o casal, de forma a que homens e mulheres possam ter as mesmas oportunidades em suas vidas profissionais.
– A sra. já sofreu algum tipo de preconceito por estar à frente de um negócio e ser mulher? A sra. enfrentou muitas situações em que, nas posições de comando, acabava sendo a única mulher em uma sala cheia de homens?
– O fato de ser mulher nunca me atrapalhou. Sempre encarei o fato de ser mulher como um ativo, não como um passivo. Para mim, a dificuldade, e também o grande desafio, sempre foi adaptar-me a um novo ambiente e a negócios diferentes e não estar em um ambiente muitas vezes preponderantemente masculino. Já tive inúmeras situações em que era a única mulher em uma sala cheia de homens – aliás, desde o curso de doutorado em economia isso já acontecia. O importante, em todas as situações da minha vida profissional, sempre foi estar bem preparada para aquela situação específica, e não o sexo dos meus interlocutores. E, ao contrário do que poderia parecer, acho que sempre tive um respeito adicional dos meus colegas e pares pelo fato de ser mulher.
– A sra. assumiu a CSN quando estava grávida de gêmeos. Isso mostra que é possível administrar carreira e família. Para que a sra. conseguisse administrar ambas as coisas, houve algum fator fundamental?
– Em primeiro lugar, é preciso não ter culpa. Minha postura é que meus filhos devem ter orgulho da sua mãe, que trabalha duro. Busco estar presente, com qualidade, em todos os momentos relevantes da vida deles, e também que eles tenham a certeza que o trabalho é fundamental na minha vida, mas que eles serão sempre a minha prioridade. Em segundo lugar, é preciso ser muito organizada e construir uma infraestrutura adequada, no trabalho e em casa. Somente assim pude ir para a CSN grávida de quatro meses e voltar a trabalhar um mês após as crianças nascerem.
– A sra. também ficou conhecida por sanear as contas do Rio de Janeiro na época em que foi secretária da Fazenda do município. O que uma mulher que tem o próprio negócio ou está em um cargo de gerência ou diretoria em uma empresa precisa ter em mente na hora de administrar?
– Em primeiro, segundo e terceiro lugar, usar bom senso. O princípio de todos os negócios, bem como de nossa vida pessoal, é planejar receitas e despesas e controlar o seu desempenho. O segredo é otimizar continuamente as despesas, e não simplesmente cortar. Acredito que otimizar despesas é uma atitude, não um ato episódico. A relação custo-benefício de uma despesa precisa sempre ser considerada. Devemos estimular um ambiente de competitividade saudável, os contratos com fornecedores devem ser continuamente renegociados, o escopo dos serviços revisitado. Da mesma forma como fazemos em nossa casa, administrar as despesas do dia-a-dia também requer atenção e principalmente controle. Claro que conduzir a secretaria de Fazenda de uma grande cidade como o Rio ou administrar uma grande empresa é muito mais complexo do que controlar despesas [de uma residência]. É preciso conhecer os aspectos técnicos do negócio, estratégias, mercado etc. Por isso, outro fator fundamental é ter uma excelente equipe, com perfis variados e complementares.
– O estilo de administração é realmente diferente entre homens e mulheres, ou isso é um mito? Existe algum dado específico que evidencie essa diferença, em sua opinião?
– Acredito que sim. Homens e mulheres são, de fato, diferentes na forma de gerir os negócios. E por isso é importante buscar a diversidade, diferentes formas de encarar um mesmo problema. As mulheres, em minha opinião, têm a capacidade de lidar com diferentes assuntos ao mesmo tempo, de cuidar da casa, marido e filhos simultaneamente. Elas conseguem e se permitem envolver pessoal e emocionalmente com seus colaboradores sem perder o profissionalismo. Têm uma forma mais próxima e pessoal de gerenciar. São o que chamo de características femininas do administrador, que alguns homens até podem ter, mas é predominante nas mulheres.
– A sra. traçou metas fortes de crescimento ao assumir a Icatu Hartford (dobrar de tamanho em cinco anos). Isso é essencial para que o negócio vá adiante?
– Gosto muito de uma frase de um filósofo francês que diz: "Não sabendo que era impossível, foi lá e fez". Procuro pautar minha vida com base nesta filosofia. Sem inconsequência, mas buscando ousar sempre, não deixar que as atividades, processos e metas aconteçam automaticamente. Por isso, acredito que é importante traçar metas desafiadoras, mas principalmente [assegurar] que elas sejam estabelecidas em um contexto claramente definido, alicerçadas em um planejamento estratégico que seja do conhecimento de toda a empresa.
– A sra. também atuou no setor público. É preciso trazer algumas características do setor privado (definição de metas, premiação de desempenho, austeridade econômica) para a máquina pública?
– Acho que é preciso e é possível. Quando fui secretária de Fazenda do Rio de Janeiro, viajei com um pequeno grupo de fiscais de renda aos Estados Unidos para visitarmos algumas cidades e trazermos experiências para nossa gestão. Verificamos, nas cidades que visitamos, [mesmo em] algumas com desafios muito semelhantes aos da nossa cidade [Rio], como Nova York, que os salários dos funcionários públicos são estabelecidos com base em pesquisas de mercado. Em contrapartida, exceto em funções específicas, não existe estabilidade no emprego. Ou seja: a produtividade e o rendimento dos funcionários são determinantes para as promoções e para a manutenção do seu emprego. Acho que, na função pública, definição de metas, premiação de desempenho e austeridade econômica são ainda mais importantes e relevantes que na atividade privada.
G1
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