Tradição, modernidade e turismo: negócios que sobrevivem ao tempo e se reinventam na Feira Central de Campina Grande

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Tradição, empreendedorismo, memória, resistência e ponto turístico. Ao redor da Feira Central de Campina Grande, a 120 quilômetros da capital João Pessoa, os negócios atravessam o tempo, sobrevivem. A modernidade, que ganhou força com o advento da era digital, mudou alguns costumes, mas não tirou a essência e as características dos comerciantes. Muitos tiveram que se reinventar para manter os seus negócios que atravessam gerações.

As lojas antigas instaladas dentro e no entorno da feira e que ajudam a tornar o espaço um centro de expressões e tradições históricas do nordeste brasileiro resistem ao tempo e à modernidade.

Reconhecida desde 2017 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio cultural do Brasil, a Feira Central de Campina Grande tem as suas particularidades e ajudado a transformar vidas. Há décadas é fonte de renda para centenas de famílias. Muitos negócios surgiram dentro e no entorno dela, e sobreviveram ao tempo.

Atualmente existem mais de 4.400 pontos comerciais gerando emprego e renda, em um território de 75 mil metros quadrados, dos quais 3.200 mil estão instalados apenas no mercado central. Estes negócios, com uma variedade infinita de produtos, estão distribuídos em diversos pontos, como na feira de flores, feira de galinha, feira de peixe, frutas, feira de queijo e no mercado central. Um celeiro de cultura, variedade, diversidade e história.
Somente no sábado, tradicional dia da feira, um público superior a 80 mil pessoas circulam pelo local. Muitos vêm de fora. Chegam cedo e voltam com as bolsas e sacolas cheias de produtos, novos, muitos colhidos na noite anterior. No passado, não muito distante, era bem mais gente.

“A Feira Central não pode ser compreendida como uma feira comum, uma vez que a estrutura mercadológica e os espaços que nela existem se configuram como um verdadeiro complexo mercantil, composto por um mercado varejista e um comércio atacadista” enfatizou em entrevista esta semana ao PB Agora, Agnaldo Batista, administrador há 20 anos do local.

Agnaldo observou que as práticas de vendas extrapolam as ruas adjacentes ao mercado central, e engloba várias ruas. Filho de feirante, o administrador, que chegou no mercado central ainda criança, ressaltou que hoje vive de memórias e sentimentos. Mesmo com o visível enfraquecimento causado pelo surgimento de outras formas de venda, e a migração de muitos negócios para os bairros, a feira continua pulsante, única, com as suas riquezas, e particularidades.

“Ainda tem muita gente que não abre mão de visitar a feira. Uma tradição que dura anos. As pessoas preferem fazer as suas compras na feira central, mesmo com o surgimento dos atacadões e outras formas de comércio “, frisou o administrador.

O presidente da Associação Comercial e Empresarial de Campina Grande, o empresário Sidney Toledo, destacou que a Feira Central é um dos mais importantes equipamentos sociais e econômicos da cidade, visto que há décadas tem incentivado o surgimento de negócios e consequentemente gerando emprego e renda.

“O mercado central é um equipamento altamente importante para a cidade de Campina Grande que tem na sua essência o comércio, sobretudo com os mercadores que vieram para cá e que fizeram com que Campina crescesse. A cidade sempre teve um comércio pujante e a feira central é um comércio vivo com muita história e tradição. É um equipamento que faz com que a economia da cidade gire e que faz com que muitas pessoas sobrevivam daquele momento”, enfatizou ao PB Agora, Sidney Toledo.

Nesse mundo de mudanças e resistência, há quase quatro décadas, a Feira Central faz parte da vida e da história do administrador Rosalvo Barbosa Leal. Ele chegou à feira ainda jovem para trabalhar como camelô. E não saiu mais. Sua vida está ali. Montou o seu primeiro negócio, um banco de feira ainda adolescente. Pernambucano, acolhido por Campina Grande, Rosalvo conhece como poucos cada canto da feira, e garante que o lugar, mesmo com o surgimento de diversos problemas estruturais, ainda fascina, e hoje atrai até mesmo turistas, curiosos pela história viva na Rainha da Borborema.

 

Ele contou que desde que chegou a Campina Grande, em 1980, viu na feira um lugar de oportunidade para empreender e construir a sua história de vida. Inicialmente trabalhou na informalidade até montar a sua primeira empresa.

“Desde que cheguei aqui que eu tinha um espírito empreendedor, eu vi sempre na feira uma oportunidade de empreender e fazer negócios. Minha vida toda foi dentro dessa feira e ainda hoje dependo dela para tirar o sustento. Eu cheguei nessa feira ainda criança e trabalhei na informalidade durante um tempo. Depois abri a minha primeira empresa em 1986, justamente um banco de feira. Essa feira faz parte da cultura da cidade”, relatou.

A loja atual de calçados instalada há 36 anos a alguns metros da entrada da feira é fonte de renda para muita gente, que trabalha como vendedor, caixa e como embaladora. Rosalvo classificou a feira como um grande shopping popular a céu aberto e que resiste ao tempo. No entanto, esse espaço, segundo ele, necessita de melhorias estruturais e outros atrativos para não correr o risco de desaparecer no futuro.

Empresário e especialista em turismo, marketing e eventos, o mestrando em Desenvolvimento Regional, Temistocles Barbosa Cabral, enfatizou que a feira se confunde com a história da cidade e exerce um papel extraordinário como fenômeno social e econômico, estando enraizada com a história do campinense. Na visão de Temistocles, os negócios sobrevivem ao tempo, e são passados de pai para filho, devido a riqueza cultural contida em toda a sua área territorial, que transcende o espaço geográfico e o tempo.

“Sem dúvida a feira teve um papel fundamental para o progresso de Campina Grande, que sempre teve um comércio pujante. A feira é esse fenômeno social e econômico” observou.

 

A modernidade na vida dos feirantes

O colorido das frutas e verduras espalhados em cima dos bancos até hoje chamam atenção dos consumidores. Os gritos de convite e de ofertas se multiplicam nos horários de maior movimento. É difícil resistir e não se render ao apelo mercadológico que surge dos bancos de madeira, alguns velhos e gastos pelo tempo. Os corredores, cercados por bancos e produtos retratam histórias de vida.

Sinônimo de qualidade e diversidade, as feiras livres oferecem produtos muitas vezes colhidos no próprio dia, diretamente dos produtores para os consumidores. Nos últimos anos a modernidade chegou à Feira Central de Campina Grande. E inevitavelmente mexeu com a vida de muitos comerciantes que tiveram que se reinventar para não serem “engolidos” pelo fenômeno dos novos tempos. Para não perder os clientes, eles precisaram aderir a era tecnológica e recorrer a práticas até então desconhecidas.

A era do pix, meio de pagamento instantâneo por transferência, já faz parte da vida de praticamente todos os feirantes. A maquineta do cartão de crédito virou um acessório indispensável. E as placas indicando os preços dos produtos ganharam a companhia de um cartaz com o QRCode PIX. Comprou e pagou na hora, sem a necessidade do dinheiro vivo. A cédula caminha para virar moeda rara na era digital.

“Estamos vivendo outros tempos. Agora além de dinheiro em espécie, os pagamentos podem ser feitos com cartão de crédito ou débito. Há algum tempo passamos a usar o PIX, que evita o manuseio das maquininhas por nós e pelos clientes”, contou ao PB Agora o comerciante Marinaldo Pereira Santos, que há anos tem um açougue bem no coração do mercado central.

Ele garante que não teve dificuldade para se adaptar à era digital e aos tempos modernos. Hoje tem as suas maquininhas de cartão, trabalha com pix, e se sente mais seguro em realizar transações sem necessariamente pegar em dinheiro.

Nos últimos tempos, com as mudanças provocadas pela modernidade, os feirantes também passaram a apostar no sistema em delivery e pagamento por PIX para atrair a freguesia. Aos sábados, na barraca de vários feirantes, a atenção dos comerciantes se divide entre os clientes que estão escolhendo os produtos pessoalmente e o grupo de WhatsApp com fregueses que pedem para receber seus produtos em casa.

O administrador da feira Agnaldo Barbosa relata que muitos comerciantes no começo resistiram à modernidade, mas depois tiveram que ceder e passar a utilizar os recursos tecnológicos. Hoje, muitos inevitavelmente usam o cartão de crédito e o pix como forma de pagamento, seguindo a máxima de que – se não pode com ele, junte-se a ele.

“Logo no começo as pessoas tinham resistência e receio de usar o cartão de crédito porque não sabiam mexer, não sabiam trabalhar e tinham que depender de alguém. Eles não tinham conhecimento dessa era digital. Então eles passavam muitas vezes a responsabilidade para o seu empregado. Agora nós temos na feira um equipamento que oferece um curso de letramento digital no qual o comerciante aprende a mexer com o celular com dinâmica de vendas e ao mesmo tempo montando consórcio para fazer as vendas através das plataformas digitais”, explicou Agnaldo Barbosa.

“A feira existe desde sempre para a sobrevivência dos campinenses. Eu cito o exemplo do pega frete. Ele vem com a fé, a cara e a coragem. E no final do dia, de tanto pegar frete, ele sai com dinheiro no bolso e as compras para casa”, detalhou.

Como forma de capacitar ainda mais os comerciantes a se adaptar aos novos tempos e impulsionar seus negócios, recentemente o Sebrae-CG, aliado à Agência Municipal de Desenvolvimento (Amde), e outros parceiros, realizaram um treinamento com os feirantes do Mercado Central para regularizarem seus MEIs (Microempreendedores Individuais).

Segundo dados do Sebrae, muitos desses empreendedores possuíam cadastro no MEI, mas estavam desatualizados e sem os devidos pagamentos. Durante o atendimento, os comerciantes tiveram a oportunidade de regularizarem todas as suas documentações referentes ao CNPJ para evitar a exclusão do Simples Nacional.

O Sebrae e a Ande pretendem ainda este ano realizar outras capacitações na área de marketing digital para que eles aprendam mais sobre vendas onlines, e com isso, preparar os comerciantes para a realidade da era moderna.
“Essas capacitações são importantes e ajudam muito os comerciantes que aos poucos estão aderindo a onda da modernidade”, ressaltou Agnaldo Batista.

 

Espaço para o turismo

Poesia popular, repente e cordel. Um dos maiores desafios do momento é alavancar a Feira Central de Campina Grande ao patamar de um espaço atrativo ao turismo. Isso porque a riqueza cultural que faz parte das entranhas do espaço tem ficado esquecida.

Algumas iniciativas têm sido realizadas pela gestão atual da feira como forma de criar um ambiente propício para divulgar a cultura local, a exemplo de apresentações de trios de forró e quadrilhas juninas. Este ano, por exemplo, a organização do Maior São João do Mundo inseriu a feira numa rota cultural, favorecendo assim a presença do turista no coração do mercado central.

Mas, tornar a feira um espaço atrativo ao turismo, não é tarefa fácil. Agnaldo Batista lembra que no passado esse trabalho era bem mais simples devido à presença dos embaladores de coco, cordelistas e repentistas. Para ele, o resgate cultural passa necessariamente por iniciativas criativas que tornem a feira um espaço atrativo ao turismo.
“Para manter a cultura na feira é um esforço enorme. Porque antigamente a gente tinha um Dedé da Mulatinha, Manoel Monteiro, as três ceguinhas e as pessoas que trabalhavam com o cordel dentro da feira. Precisamos manter o que nós tínhamos no passado”, ressaltou.

O tempo sonhado por Agnaldo ressoa no canto dos emboladores de coco, dos repentistas, forrozeiros, cordelistas, violeiros e tantos outros artistas que fizeram da Feira palco das manifestações culturais e tradições de sua terra.

O empresário Rosalvo Barbosa também vê na feira um espaço rico para ser explorado pelo turismo, mostrando aos excursionistas a beleza do artesanato paraibano como expressão de um povo.

“Essa feira é muito rica, tem muita história e precisamos trabalhar para manter essa tradição e mostrar às novas gerações toda essa riqueza cultural. Se isso acontecer, a feira pode até não voltar a ser como antes, mas sem dúvida vai atrair mais pessoas”, ressaltou.

Mestrando em Desenvolvimento Regional pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Temístocles Cabral frisou ainda que a feira tem uma importância fundamental como equipamento turístico desde o seu apogeu nos anos 70, quando foi reconhecida como uma das maiores feiras livres do Nordeste. Por isso, precisa de novos investimentos.

“Sem sombra de dúvida ela tem uma importância cultural, turística e por isso se tornou patrimônio cultural e material do Brasil e é sem dúvida, referência para estudiosos” destacou.

A visão de Temir é a mesma do presidente da Associação Comercial, Sidney Toledo. Para ele, a feira é o espaço para o turismo local e para a valorização da cultura e tradições da região.

“Fonte de valorização da cultura e tradições da região. Estamos totalmente comprometidos em desenvolver políticas públicas que apoiem e fomentem o empreendedorismo, fortalecendo assim a economia local”, destacou.

E completou: “A Associação Comercial, entidade de 97 anos, que tem uma história que se confunde com a história de Campina Grande, tem tido toda uma preocupação em criar meios para divulgar e criar um ambiente atrativo para o turismo. Então é necessário que todos os equipamentos existentes na cidade possam ser utilizados. E a Feira Central é um espaço rico que tem muito de história, de patrimônio cultural e que também tem uma diversidade enorme de produtos. Isso é interessante para os turistas conhecerem a riqueza e a potencialidade que Campina tem”.

Ele garantiu que a Associação está totalmente comprometida em desenvolver políticas públicas que apoiem e fomentem o empreendedorismo, fortalecendo assim a economia local.

Recentemente visando democratizar o acesso às expressões artísticas, a Secretaria de Cultura do município lançou o projeto “Na Feira Tem”, cujo intuito é valorizar e preservar diferentes manifestações culturais, promovendo a inclusão e a diversidade em um dos locais mais importantes da Rainha da Borborema. O projeto conta com apresentações de forró e repente dentro do mercado.

 

Tradição, costumes e empreendedorismo

“Fumo de rolo arreio de cangalha. Eu tenho pra vender, quem quer comprar. Bolo de milho broa e cocada. Eu tenho pra vender, quem quer comprar”. O trecho da música “Feira de Mangaio” composta por Severino Dias de Oliveira, conhecido popularmente com Sivuca, um renomado músico, acordeonista e compositor brasileiro, em parceria com Glorinha Gadelha, retrata bem a Feira Central de Campina Grande.

Mesmo não tendo a pujança do passado, a feira ainda é o local do encontro. Na última quinta-feira (09) o PB Agora visitou o local e constatou que os fenômenos do passado resistem à modernidade.
O vai e vem ainda é interminável. Aos sábados o movimento é maior. Gente para todo o lado, sendo que nos corredores de maior movimento as pessoas desaparecem do alcance da vista em meio aos bancos de frutas e verduras. O movimento é intenso. E tem sido assim há mais de sete décadas. Conforme ressaltou o administrador da feira, Agnaldo Barbosa, aos sábados mais de 80 mil pessoas de Campina Grande e várias cidades do Compartimento da Borborema circulam pelo local.

Para ele, se trata de um fenômeno social e econômico. Isso porque há anos quando os primeiros raios do sol surgem em Campina Grande, nas manhãs de sábados, a vida já tem pulsado forte na Feira Central. Expressão cultural e econômica da cidade, a Feira parece ter vida própria. E resiste ao tempo e às mudanças de época. Muitas famílias ainda dependem da feira para tirar o sustento, e construir suas histórias de luta e resistência.

O comerciante Marinaldo Pereira Santos faz parte da segunda geração de feirantes que tira o sustento da feira. Ele tem um açougue no mercado central, tendo herdado o estabelecimento do seu pai, já falecido.
“Eu cheguei aqui com 7 anos de idade acompanhando o meu pai. Eu cresci dentro da feira e resolvi seguir com os negócios do meu pai. A feira sem dúvida faz parte da história e da vida de minha família” disse.

Com 43 anos dentro do mercado, ele não esconde o orgulho de ter seguido os negócios do seu pai, e com isso, ajudar a feira a perpetuar uma tradição. Ele chegou pela primeira vez ao lugar aos 13 anos, em tempos de bonanças, acompanhando o seu pai que era comerciante. E nunca mais saiu. Há quase 50 anos passa a maior parte do tempo no açougue instalado dentro do mercado central, de onde assistiu a feira passar por grandes transformações. O comerciante conta que a feira é sim uma fonte inesgotável de negócios, e muitos empresários hoje bem sucedidos, nasceram no local.

Entre tantas histórias que surgem na feira, em meio às mudanças de época, muitas retratam e conectam o presente ao passado. Que diga o comerciante José Adilson Martins, popularmente conhecido por seus fregueses por Rilho. A exemplo de muitos feirantes, ele também herdou o açougue de seu pai Antonio Julion Martins. Vive na feira já há 45 anos.

O negócio criado por Antonio Julion Martins nos bons tempos de “bonança” e que teve sequência com José Adilson, prosperou. Da renda gerada no estabelecimento, ele tirou o sustento para toda a sua família.

“Eu já vivo nesta feira há 45 anos. Quando meu pai foi para Minas Gerais, eu assumi o açougue. Na feira eu criei todos os meus filhos, alguns já formados” contou.

O tempo também parece ter congelado para o artesão e comerciante Gilberto Florentino da Silva. Ele é o proprietário de uma loja de artesanato batizada de “Articouro e Artesanais”. Trabalha no local há 28 anos. Como bom comerciante, sempre tem uma estratégia para conquistar o cliente.

“A gente vende produtos de qualidade e que retratam a cultura nordestina. Coisas que estão bem enraizadas com o povo. A feira central tem essa dinâmica. Nossa loja é sempre movimentada”, relatou.

Nascida no coração da cidade, a Feira Central passou por diversas mudanças, e, inevitavelmente, foi afetada pelos novos atrativos da era pós-moderna. No passado, não tão longínquo, a realidade era outra. A Feira Central mais parecia uma máquina que fazia o dinheiro dos campinenses e incontáveis fregueses das diversas cidades do Compartimento da Borborema circular a todo vapor. A economia da cidade batia forte no local.

Agnaldo Batista lembra que as mudanças de tempo, principalmente o crescimento da cidade, afetaram a feira, visto que muitos negócios foram transferidos para os bairros. Mesmo com as vicissitudes dos tempos e as transformações dos novos padrões de consumo, a feira resiste. Embora bem menor que no passado. Aos sábados ainda é possível flagrar pessoas com sacola na mão, carregando mercadorias, comprando, pechinchando. São eles que ajudam a manter uma tradição que atravessa séculos. O local é singular. Insubstituível.

“Essa feira faz parte de minha vida. Estou aqui há muito tempo. Sempre vivi na feira. Criei todos os meus filhos tirando o sustento daqui”, contou com sorriso discreto, dona Maria José, 68, que tem um banco de verdura na entrada do mercado central.

Como se não bastasse ser um grande entreposto comercial, a feira, historicamente, desde os seus primórdios, se transformou em uma fonte inesgotável de criação de emprego e renda. A visão empreendedora de muitos dos empresários campinenses nasceu na feira, em meio a avalanche de mercadorias comercializadas todos os dias, principalmente aos sábados.

“A Feira Central tem uma grande relevância econômica e social não só para Campina Grande, mas para vários municípios próximos. Ela faz parte da história deste povo. Tenho orgulho de fazer parte desse lugar tão especial”, comentou o empresário Vanduir Farias.

Nessa grande fonte de empreendedorismo, os feirantes cultivam uma tradição que atravessa décadas. Transferem conhecimentos, saberes e a paixão pela feira. As novas gerações não perdem o costume. Chegam cedo. Armam cedo os bancos, ou abrem as lojas e ficam à espera dos fregueses.

Os saberes e experiências dos feirantes vão sendo transmitidos a filhos, netos e bisnetos, assim como os espaços de comercialização. Herdados como verdadeiros legados familiares, os ofícios vão representar a história daqueles personagens que dedicam sua vida à Feira e que, por isso, tem nela sua referência fundamental. Sua história é atrelada a dos fregueses, dos produtos e das negociações.

“Estamos mantendo essa tradição de pai para filho. Uns seguiram na feira, outros tomaram outro rumo, mas importante é que a gente está firme”, relatou ao PB Agora, o comerciante Ariovaldo Evandro da Silva, que hoje toma conta da loja de produtos artesanais instalada há décadas por seu pai.

Nem mesmo o advento dos “atacadões” e a avalanche de mercados e supermercados espalhados pelos bairros da cidade enfraqueceu totalmente a feira, que ainda tem vida própria. As entranhas da cidade podem ser vistas no local. No âmago da Feira brotam as histórias dos comerciantes que construíram toda uma vida em torno dos bancos. São histórias de vida, de sonhos, de resistência e paixão pela Feira Central.

A rotina continua inalterável, mesmo tendo passado tantos anos. No cerne da feira, a impressão que se tem é que alguns feirantes ficaram congelados no tempo. Muitas chegaram ao local ainda crianças. E não saíram mais como é foi o caso de Marinaldo Pereira Santos, Gilberto Florentino da Silva, José Adilson Martins, Rosalvo Leal e tantos outros.


“Essa feira faz parte de minha vida. Aqui tenho boas lembranças. Muitas recordações”, contou o comerciante José Adilson Martins.

No interior do mercado central, em um dos bancos de peixe, encontramos Jeová Barbosa da Silva, um senhor com largo sorriso no rosto. É o mesmo sorriso e simpatia que há 65 anos recebe os clientes. Os cabelos grisalhos, rugas no rosto, revelam que o tempo passou para o comerciante que há 32 anos mantém o banco no local. Vestido com o “avental” ele não é de falar muito. Mas na hora de vender literalmente o “seu peixe”, sabe como ninguém cultivar o consumidor.

“Essa feira faz parte de minha vida. O que nós queremos é uma reforma total para melhorar as condições” disse.
Alguns comerciantes de cereais contaram que no auge da feira chegaram a ter cinco bancos. Empregaram muita gente, e hoje, com o enfraquecimento do comércio, diminuíram os investimentos.

A diversidade é uma das características do local e movimenta os 2.309 feirantes que tiram dali o sustento. Os bancos estão sendo carregados. E as ruas tomadas por mercadorias, muitas espalhadas no chão. Frutas, hortaliças, cereais, ervas, carnes, animais vivos ou já abatidos, roupas, flores, doces, artesanato, acessórios para pecuária, comida regional e um extenso leque de serviços que trazem consigo os personagens que dão vida ao lugar. Na feira tem de tudo e tantos outros personagens com seus saberes e ofícios tradicionais.

O banco de fumo de dona Maria das Dores da Silva, de 65 anos, existe há décadas. Ela herdou o comércio de seus pais, Sebastião e Emarina Gomes. Há 50 anos vende fumo de rolo no mesmo lugar. Tem os clientes certos, mas confessa que antes ganhava mais dinheiro.

Sentada em um tamborete, com expressão séria, ela lembra dos bons tempos, mas também observa que ainda é possível explorar uma das maiores e antigas feiras da Paraíba.

Patrimônio imaterial e histórico brasileiro a Feira de Campina Grande é também um lugar de referência, de criação, de expressão, de sociabilidade e de identidade do povo nordestino. As trocas mercadológicas se misturam às trocas de significados e sentidos tornando-a um lugar onde se concentram e reproduzem práticas culturais. É ali entre as raízes que curam tudo, entre os pratos de buchada e copos de gelada de coco, que a feira mostra a sua força e resistência.

O sociólogo Luciano Albino ressaltou que Campina Grande surgiu do entroncamento comercial de duas culturas, sendo elas: a cultura da cana de açúcar do litoral e a cultura do gado que era do interior, tendo a Feira Central, um papel importante para consolidar essas culturas. Na visão dele, a feira é um lugar de encontro, de troca de experiência e de uma economia solidária.

“A Feira de Campina Grande de alguma forma é a fundadora da própria cidade. E ela passa por várias características e momentos diferentes”, ressaltou.

Paradoxalmente, a Feira apesar de sua importância histórica e cultural passou por mudanças consideráveis nos últimos anos, e por um perceptível enfraquecimento. Isso porque, os consumidores passaram a redefinir um padrão de consumo.

Luciano Albino observa que hoje a feira é tida como algo do passado. E esse novo fenômeno se deu por conta dos diversos supermercados que surgiram no entorno do espaço, criando um “cinturão” que absorve os consumidores campinenses.

“A Feira em Campina Grande é como se fosse um grande tapete no Centro de Campina Grande, e que durante anos os governos esconderam”, destacou.
Para ele, a Feira é a Campina profunda em toda a sua complexidade, sendo inclusive, local de sobrevivência para muitos campinenses.

Professor, Albino ressalta que a feira tem suas particularidades e mesmo com o processo de enfraquecimento, preserva características insubstituíveis que o tempo não apaga. Filho de feirante, Luciano conta que mesmo sofrendo com os efeitos da modernidade, a feira resiste, mas não tem o mesmo pulsar de outrora.

“Não apenas uma questão cultural, mas econômica. Muita gente hoje prefere a comodidade de comprar nos supermercados próxima de casa do que ir a feira. No entanto, na feira as mercadorias são encontradas com preços bem abaixo o que pode representar uma significativa economia” destaca o sociólogo.

A professora Maria Jackeline Feitosa Carvalho, do Departamento de Filosofia e Ciências Sociais da UEPB, é uma das que corrobora com a análise de Albino. “A feira tem elementos materiais que são históricos, mas, acima de tudo, tem elementos imateriais que são considerados patrimônios culturais, a exemplo dos feirantes”, explicou.
Considerada como um grande museu popular ao ar livre, a feira é o espaço que reserva particularidades de um povo, seus costumes e suas tradições.

Como muitas feiras do interior do Nordeste, a Feira Central de Campina Grande surgiu da necessidade de as pessoas negociarem mercadorias. A posição estratégica da Rainha da Borborema facilitou o encontro dos tropeiros que atravessavam a região, vindos do interior em direção ao litoral.

 

Grandes empreendedores e visão de futuro nascida na Feira Central

Empreender não é tarefa fácil. Da concepção da ideia até à concretização do empreendimento há uma lacuna extensa a ser preenchida, regada por disciplina, determinação, empenho e foco.

Quem vê o crescimento de uma das maiores redes de supermercados de Campina Grande, não imagina que tudo começou na Feira Central. E de forma modesta, sem muitas pretensões. A visão empreendedora de Vamberto Farias extrapolou as fronteiras geográficas dos 75 mil metros quadrados de um espaço entre ruas e barracas para se transformar em um grande negócio que gera emprego e ajuda a aquecer a economia de Campina Grande. Hoje são cinco lojas da rede em pleno funcionamento. Outros empresários do ramo também surgiram na feira e depois expandiram seus negócios, a exemplo do Supermercado Ideal e  José Gonzaga Sobrinho, conhecido como Deca do Atacadão Rio do Peixe.

A solidez da estrutura de um dos mais bem-sucedidos empreendedores da cidade nasceu nas entranhas da Feira Central, em um banco de farinha no início dos anos 70, quando ele chegou à Rainha da Borborema.
O empresário, Vanduir Farias, diretor-presidente do Grupo Atacadão Farias, tradicional centro de distribuição em Campina Grande, com mais de trinta anos no mercado, também tem um apreço especial pela feira.

Vanduir Farias, que é pernambucano, chegou à feira há 38 anos para montar um pequeno negócio de varejo e não saiu mais. Criou toda a sua família a partir da feira. Ele comprou três prédios na rua Carlos Agra e os mantém até hoje. Suas lojas empregam diretamente 150 pessoas. Chegou em 1986.

Presidente do Sindicato do Comércio Atacadista do Estado da Paraíba, Vanduir Farias assegura que a feira tem uma grande importância cultural, social e econômica para Campina Grande e pessoas de cidades próximas que todos os sábados comparecem ao local.

O empresário garante que a feira transcende o tempo e mesmo com o advento da modernidade, mantém características e costumes do passado, estando presente na memória de muitos feirantes e paraibanos. Por sua importância, tem relevância para expressar a cultura local e por isso se tornou atração turística.

“A Feira Central é um fenômeno social. A feira é sempre feira. Tem gente que prefere fazer as suas compras nos bancos da feira. E isso passa de geração para geração. A feira faz parte da história de Campina” disse.

Entre tantas histórias de superação, criatividade e resistência, a Feira Central ainda é uma das maiores existentes no país. Atravessando décadas, ela segue como um dos mais importantes espaços de Campina Grande, responsável por manter negócios e contribuir para o aquecimento da economia local, seja com vendas e agora com o turismo em suas diversas nuances, desde cultural, experiência, gastronômico, de consumo, sustentável e até mesmo de adrenalina, com passeios por locais de difícil acesso.

Severino Lopes e Márcia Dias
Fotos: Severino Lopes
PB Agora

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