Em um país em que as mulheres ainda lutam por seus direitos mais básicos, Zarifa Qazizadah conseguiu o improvável: tornou-se a chefe política de um vilarejo. Zarifa é responsável pela administração da vila de Naw Abad, no Afeganistão, e também atua como uma espécie de xerife local. A tarefa às vezes lhe exige usar roupas masculinas e até um bigode falso para não chamar a atenção enquanto dirige sua motocicleta à noite.
"Eu digo para os homens da vila: eu só preciso de suas preces", diz Zarifa. "Quando vocês tiverem um problema, eu falarei com o governador em seu nome. Quando houver confusão à noite, vou pegar a minha arma e conferir o que está acontecendo".
Com 15 filhos e 36 netos, Zarifa, 50 anos, se candidatou a um cargo no Parlamento afegão em 2004, prometendo levar eletricidade para Naw Abad. Na época, virou piada entre os homens da vila, mas mesmo após perder a eleição cumpriu a promessa. Dois anos mais tarde, os mesmos homens apoiaram sua candidatura para líder do vilarejo, na província de Balkh, no norte do Afeganistão.
Hoje, Zarifa vigia as redes de distribuição de eletricidade com especial zelo e se alguém tenta fazer um "gato", uma conexão clandestina com a rede elétrica, está pronta para agir. "Não posso deixar que isso aconteça porque temos que respeitar a lei", explica.
Mulheres no poder
Outras mulheres vêm ocupando cargos importantes no país nos últimos anos. Habiba Sarabi foi a primeira mulher a governar uma província afegã, em 2005. Fawzia Koofi tornou-se a primeira vice-presidente do Parlamento afegão. Um quarto dos assentos no Legislativo do país estão reservados para mulheres. Além disso, algumas promotoras estão lutando para reformar a maneira como a lei é aplicada.
Zarifa não é a primeira mulher chefe de um vilarejo afegão – a primeira a ocupar o cargo morreu recentemente, em uma aldeia próxima a Naw Abad. Mas a população ainda é pouco acostumada à visão de mulheres em cargos normalmente ocupados por homens. "Quando algo acontece na vila à noite, tenho de agir rápido. Coloco roupas de homem e saio em minha motocicleta", afirma Zarifa.
Mulheres nas áreas rurais do Afeganistão raramente são vistas dirigindo sozinhas, por isso Zarifa precisa usar trajes masculinos para evitar chamar atenção. Às vezes, ela também ajuda a desatolar jipes com tratores. "Ela faz todo o trabalho que os homens não fazem", diz Molavi Seyyed Mohammad.
Teimosia
Zarifa não aceita um não como resposta. Para manter a promessa de levar eletricidade para Naw Abad, ela viajou para Cabul e exigiu uma conversa com o ministro de Energia, Shaker Kargar. O ministro aceitou recebê-la no dia seguinte e deu seu apoio para o projeto, mas disse que a vila precisaria pagar pelos cabos e postos de eletricidade.
Zarifa, que havia vendido algumas joias para pagar a viagem até a capital afegã, fez um empréstimo e hipotecou novamente a sua casa para levantar recursos para a empreitada. Cinco meses mais tarde, todos em Naw Abad tinham luz elétrica. "Foi nessa época que as pessoas começaram a reconhecer meus esforços", diz Zarifa.
Os recursos obtidos com o sistema de eletricidade foram usados para a construção de uma nova ponte ligando Naw Abad a uma rodovia. Zarifa também patrocinou a construção da primeira mesquita de Naw Abad, na qual homens e mulheres rezam juntos, ao contrário do que ocorre nas principais mesquitas do país.
"Quando as pessoas perceberam os avanços que eu estava conseguindo com esses projetos, começaram a fazer sua parte", afirma Zarifa. "Agora elas podem rezar em seu próprio vilarejo e os meninos da região não precisam ir longe para aprender sobre o Corão."
Vida de casada
Zarifa casou-se com apenas 10 anos e aos 15 já era mãe. Ela passou a maior parte de sua vida em um vilarejo remoto com a família do marido. Em suas palavras, era pouco mais que uma serviçal.
Quando o Talibã chegou ao poder, Zarifa se mudou com a família para a capital regional, Mazar-e-Sharif, e começou a trabalhar como voluntária em projetos de vacinação infantil e alfabetização de meninas. Hoje, além de líder política do vilarejo, ela também é chefe do conselho local de mulheres e organiza reuniões em sua casa para encorajar outras mulheres a seguirem o seu exemplo.
"Eu era dona de casa como vocês", explicou para 50 mulheres, em um desses encontros. "Hoje, eu posso me reunir com 1.000 pessoas. Discuto os mais variados temas com autoridades. No Ocidente, as mulheres podem ser presidentes. Essas mulheres são corajosas e podem conseguir muito."
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