O que faz um autômato se movimentar? Para um que está em exposição no Instituto Franklin, a resposta é: um par de volumosos motores a corda. O autômato, um boneco mecânico construído há mais de dois séculos pelo relojoeiro suíço Henri Maillardet, utiliza a força dos motores de corda, transferida por ligações em seu braço direito, para escrever e desenhar.
Porém, o que faz o autômato de 60 cm de Maillardet parecer mais do que uma máquina é o que está entre os motores e o braço. Um conjunto de cames rotativos de latão controla os movimentos do braço com precisão. Enquanto alavancas de aço acompanham o relevo das bordas dos discos rotativos, o braço se move suavemente ao longo de três eixos – de um lado a outro, para frente e para trás, para cima e para baixo.
Basicamente, os discos funcionam exclusivamente como a sua memória de leitura, dando ao autômato um repertório de três poemas – dois em francês e um em inglês – e quatro desenhos, incluindo um de um templo chinês.
"O que ele faz é incrível", disse Charles F. Penniman, um funcionário aposentado do museu que cuida do autômato com toda delicadeza. "Mas o fato de ainda fazê-lo depois de 200 anos é realmente incrível".
O autômato de Maillardet nem sempre esteve assim – ao longo de dois séculos, ele já passou por tantos altos e baixos quando as ondulações de seus cames. Ele foi exposto por toda a Europa durante quatro ou cinco décadas; talvez tenha sido levado aos Estados Unidos pelo produtor de espetáculos do século XIX P.T. Barnum; e foi danificado em um incêndio (talvez no museu de Barnum, na Filadélfia) antes de ser doado por uma família local ao Instituto Franklin em 1928. Ao longo dos anos, ele já foi vestido de menino (certo) e mulher (errado) e inspecionado, ajustado, modificado e consertado, às vezes de maneira deficiente.
Contudo, esta é uma época de grandes emoções para a máquina, e para outras que, como ela, derivaram da fabricação de relógios europeia: o autômato faz um papel coadjuvante fundamental em um recente filme de Martin Scorsese, A Invenção de Hugo Cabret, e no romance ilustrado de 2007 homônimo de Brian Selznick, no qual o filme se baseia.
Selznick foi inspirado, em grande parte, pela máquina que está no Instituto Franklin. Enquanto trabalhava no livro, ele soube que Georges Méliès, um cineasta francês que tem um papel central na história, tivera uma coleção de autômatos que mais tarde foi jogada fora. Selznick sabia pouco sobre as máquinas. Uma pesquisa na internet mostrou referências ao autômato do Instituto Franklin.
"Quando telefonei, fui informado de que ele tinha quebrado muitos anos atrás", disse ele em uma entrevista. "E que estava no porão, fora de exposição." Quando Selznick visitou o Instituto, o autômato de Maillardet estava sem cabeça e não tinha como escrever e nem desenhar. Mas Penniman conseguiu dar corda na máquina e mostrar como as coisas funcionavam, e como as engrenagens e cames operavam. "Dá a impressão de que Charles tem uma amizade muito íntima com o autômato", disse Selznick.
Selznick também foi fundamental para o conserto da máquina, feito por Andrew Baron, designer de livros pop-up e restaurador de mecanismos antigos que vive em Santa Fé, Novo México. Baron veio ao museu por várias semanas em 2007 e começou a trabalhar, com a ajuda das fotos tiradas por Penniman. "Em uma das fotos, Charlie escreveu ‘Possível impacto no ombro’", ele lembrou. "Quando o operei pela primeira vez, ele emperrou – e foi no ombro."
Ele desmontou alguns elementos do mecanismo, substituiu uma peça essencial, inserindo uma nova, produzida pelo mecânico do museu, lubrificou e ajustou as restantes. O autômato, que fica sentado, sem roupas, em um mostrador de vidro como parte da exposição permanente "Máquinas Incríveis" do museu, agora está funcionando, apesar de raramente ser ligado frente ao público.
Quando o autômato é operado, Penniman e os funcionários do museu o tratam com toda cautela, usando um pedaço de alumínio para preparar delicadamente a mão e a caneta (não se sabe qual o instrumento original de escrita; ele se perdeu muito tempo atrás) na posição apropriada sobre uma pequena folha de papel.
Assim que é dada a corda e a máquina é ligada, ela entra em ação, produzindo um desenho ou poema em cerca de três minutos. Cada um deles exige múltiplos cames, e podem ocorrer problemas quando a máquina precisa mover todo o conjunto, a apenas 0,3 mm, para mudar os cames. Se tudo correr muito bem, ela começa automaticamente a fazer outro desenho ou poema logo após terminar o primeiro.
Autômatos desse tipo eram exibidos pelos fabricantes de relógios finos como forma de fazer propaganda e relações públicas de seus produtos, disse Jeremie Ryder, conservador da Coleção Murtogh D. Guinness de autômatos e instrumentos musicais mecânicos do Museu Morris, em Morristown, Nova Jersey. O público do início do século XIX ficava impressionado com o realismo dos movimentos dos bonecos.
Ninguém sabe exatamente como eles foram feitos – era comum haver segredos comerciais na época – mas a precisão dessa máquina é notável. "As peças que datam daquele período eram o auge da complexidade", disse Ryder. "Uma quantidade extrema de trabalho manual era dedicada a elas."
"É difícil conseguir um gesto realista, bastante fluido, a partir de um simples movimento de braço ou mão, sem que ele seja brusco", acrescentou. "Nesse caso, eles o faziam de modo brilhante."
Penniman disse que compreendeu quão extraordinária era a máquina quando estudou os movimentos programados nos cames. "Eu disse: ‘É geometria – eixo x, y e z’", lembrou ele. Porém, percebeu então que não era algo tão simples: "Se Maillardet quisesse que o autômato desenhasse uma linha diagonal reta, por exemplo, ele teria que programar os cames para mover o braço para trás enquanto ele estava se movendo para os lados – caso contrário, o boneco desenharia um arco."
"Como resolver isso?", disse Penniman. "Sim, você pode ser um relojoeiro e sim, você pode ter experiência. Mas isso é muito mais complicado." O que chamou mais ainda a atenção de Baron, o restaurador do Novo México, foram os movimentos da cabeça e olhos, que são controlados por dois cames mais simples.
"Maillardet podia ter deixado a cabeça em uma posição fixa, os olhos em uma posição fixa", ele disse. Em vez disso, quando o autômato para de escrever rapidamente enquanto o conjunto de cames muda, a cabeça se levanta, os olhos se voltam para cima por alguns poucos segundos e então para baixo, quando a mão começa a se mover de novo.
"Nesse momento, a impressão que a plateia tem é de que ele está pensando na próxima coisa que irá fazer", prosseguiu Baron. "É uma arte performática." Maillardet "criou uma ilusão de vida", afirmou. "Isso, para mim, é a verdadeira mágica."
The New York Times