Em paralelo ao plano de erguer um muro na fronteira com o México, a promessa de Donald Trump de reverter as medidas de reaproximação entre os Estados Unidos e Cuba alimentou a apreensão sobre qual seria o impacto do novo governo norte-americano sobre a América Latina. Mais de cinco meses depois da posse do republicano, no entanto, pouco da proposta de desmantelar uma das principais iniciativas de política externa da era Barack Obama saiu do papel. Com uma lista de impasses domésticos e internacionais que passam longe do Mar do Caribe, a questão tem se ausentado das falas do mandatário e corre o risco de entrar para o rol de promessas que terão de esperar para mais tarde ou que nem serão cumpridas pelo mandatário.
Apesar de Trump ter elogiado inicialmente o antecessor pela ruptura de uma política que durava mais de meio século, o republicano passou a se opor fortemente à iniciativa quando chegou à disputa pela Presidência dos EUA. Nas últimas semanas, a equipe de Trump sinalizou que uma ampla revisão da abordagem de Washington para Havana estava em curso — um anúncio chegou a ser esperado no 115º aniversário de independência da ilha caribenha, celebrado em 21 de maio, mas nada foi apresentado.
Membros do Departamento de Estado americano afirmaram à imprensa que os EUA pretendem intensificar a pressão sobre o governo cubano em relação a questões relativas aos direitos humanos. Por enquanto, Trump apenas assinou uma ordem executiva para revogar a política de “pés secos e pés molhados”, que garantia asilo aos cubanos que conseguiram migrar, mesmo ilegalmente, para os Estados Unidos.
Philip Brenner, professor de relações internacionais da American University, em Washington, avalia que o momento é desfavorável para que o presidente faça mudanças em uma política que foi apoiada por grande parte da população. “O problema é que as políticas implementadas por Obama são populares. Há empresas que desejam entrar no mercado cubano, e os americanos deveriam poder viajar ao país”, comenta.
Ao reverter o processo de reaproximação, Brenner crê que Trump agiria apenas em favor dos dissidentes cubanos que vivem nos EUA. A medida, segundo ele, se oporia aos interesses de líderes regionais que incentivaram e aplaudiram a retomada das relações diplomáticas. “Reverter isso seria virar as costas para a América Latina”, avalia.
Geopolítica
Além do risco de indisposição com líderes regionais, o afastamento entre Washington e Havana abriria caminho para que russos e chineses ampliassem a influência sobre a ilha. “Um endurecimento unilateral por parte dos EUA contra Cuba — um Estado que o ex-líder para o Comando Sul, John Kelly, afirmou ao Congresso que não representa uma ameaça direta aos EUA — encorajaria os cubanos a se voltarem para países como Rússia, China, Coreia do Norte e Irã”, avalia Ted Piccone, pesquisador da Brookings Institution. “Intensificar o embargo levaria, inevitavelmente, a uma retaliação de Cuba, o que pode incluir o fechamento de trocas comerciais que beneficiaram a indústria turística norte-americana.”
Após Havana e Moscou firmarem acordo para modernizar as Forças Armadas cubanas, no fim do ano passado, os russos voltaram a fornecer petróleo para a ilha. A China, maior parceiro comercial de Cuba e detentora de boa parte da dívida pública do país, colocou a empresa de telecomunicações Huawei em competição direta com a Google pelo fornecimento de acesso à internet em território cubano.
Apesar da clara disputa por influência, a elaboração e a implementação de nova política americana para a ilha esbarram nas dificuldades estruturais do governo Trump. O republicano não preencheu todas as vagas no Departamento de Estado. As posições de secretário assistente para o Hemisfério Ocidental e de embaixador dos EUA para a Organização dos Estados Americanos (OEA) estão ocupadas interinamente.
Redação
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