Às 10h30m deste sábado, o presidente da 15ª conferência das Nações Unidas sobre mudança climática (COP 15), Philip Weech, anunciou que o encontro “tomou nota” do documento apresentado por um grupo de países liderado pelos Estados Unidos no dia anterior como “Acordo de Copenhague”.
Com isso, na prática, não se chegou a um consenso mesmo depois de duas semanas de negociações, com a participação de líderes de cerca de 120 países e com a intervenção direta do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon.
Além de tomar nota do “Acordo de Copenhague”, ficou acertado que os países que concordam com ele assinarão uma lista separada. Um acordo obrigatório e com valor legal ficou para 2010.
Ban Ki-Moon, entretanto, comemorou ter “selado um acordo”.
“O Acordo de Copenhague pode não ser tudo o que todos esperavam, mas é um começo importante”, disse o sul-coreano, acrescentando que dormiu apenas duas das últimas 48 horas.
Já para a representante de Granada, “ainda é cedo para saber se obtivemos sucesso ou fracassamos”.
“A história vai decidir o que esse acordo assinado aqui vai ser.”
Sem metas
O documento citado por Ban Ki-Moon não traz qualquer menção a metas de redução de emissões de gases que provocam o efeito estufa, embora defenda que o aumento da temperatura global seja limitado a 2ºC. Ele também não prevê a sua transformação em tratado com valor legal.
De acordo com a ONU, entretanto, mesmo sem o consenso em torno do documento, ele poderá ser “operacionalizado” no que diz respeito à criação imediata de um fundo de financiamento de cerca de US$ 10 bilhões por ano nos próximos três anos.
As verbas devem ser liberadas para ações de combate e adaptação às mudanças do clima nos países mais pobres do mundo.
Um dos países que mais se opôs ao “Acordo de Copenhague” foi a Venezuela, que fez questão de ressaltar que, embora tenha aceitado que se “tomasse nota” do documento, ele não foi aprovado.
“Não houve consenso. Esperamos que não se procurem artimanhas para forçar o acordo no futuro”, disse a representante venezuelana.
O encontro, que chegou a ser considerada o maior evento de cunho político da História, atraiu 45 mil pessoas a Copenhague.
Sem um acordo definitivo para combater a mudança do clima no planeta, serão necessárias novas negociações em 2010 para que uma nova estratégia global possa ser discutida.
“Vamos tentar chegar a um acordo obrigatório com valor legal até a COP 16, no México”, disse o secretário-geral.
Processo conturbado
Em uma mostra de como o processo em Copenhague foi conturbado, Weech foi o terceiro presidente da COP 15, substituindo o primeiro-ministro dinamarquês, Lars Loekke Rasmussen, que há poucos dias assumira no lugar da ministra da Energia e do Meio Ambiente, Connie Hedegaard.
O Acordo de Copenhague foi selado na sexta-feira, entre o presidente americano, Barack Obama, e os presidentes de China, Brasil, Índia e África do Sul, depois de uma reunião de mais de duas horas.
“O que nós fizemos, foi procurar resgatar alguma coisa daqui, desbloquear essa questão do MRV (“mensurável, reportável e verificável”, no jargão), que estava bloqueando qualquer entendimento”, afirmou o embaixador extraordinário para mudança climática do Itamaraty, Sérgio Serra, acrescentando que Lula teve um papel de “protagonismo”.
Essa operação de “resgate”, no entanto, acabou revoltando representantes de diversas delegações do bloco dos países em desenvolvimento, o G77.
“Os eventos de hoje representam o pior acontecimento na história das negociações sobre mudança do clima. O Sudão não vai assinar esse acordo”, afirmou o embaixador Lumumba Di-Aping, negociador-chefe sudanês, um dos primeiros a manifestar a insatisfação com o documento publicamente.
Por volta das 3h, Tuvalu foi a primeira delegação a pedir a palavra, pouco depois de o presidente da reunião, o primeiro-ministro dinarquês, Lars Loekke Rasmussen, ter suspendido a plenária por uma hora, “para apreciação do texto”.
“Em termos bíblicos, parece que estão nos oferecendo 30 peças de prata para trair o nosso povo. Nosso futuro não está à venda. Lamento informá-lo de que Tuvalu não pode aceitar este documento”, disse o representante do pequeno país insular.
Irritação
Na sequência, discursaram representantes da Venezuela, Bolívia, Cuba, Costa Rica e Nicarágua – todos criticando duramente o processo que levou à criação do acordo anunciado por Obama e afirmando que não pretendem aceitá-lo.
O clima de irritação ficou ainda mais evidente quando o representante dos Estados Unidos, Jonathan Pershing, pediu a palavra.
Ele se preparava para falar quando representantes da Nicarágua, de pé e com as mãos abanando, o interromperam, exigindo a atenção de Rasmussen.
Depois de quase cinco minutos de indecisão e trocas de explicações, a Nicarágua acabou discursando, antes do representante americano.
O país centro-americano apresentou documentos da convenção do clima da ONU e pediu a suspensão da reunião e a reconvocação dela em junho de 2010.
Por volta das 4h de sábado (1h, em Brasília), o presidente da conferência a suspendeu “por alguns minutos”.
Consenso
Como o protocolo das Nações Unidas aceita apenas decisões por unanimidade, a oposição de apenas um país já seria suficiente para inviabilizar um acordo em Copenhague.
Pouco antes da retomada dos trabalhos na plenária, o presidente da Comissão Europeia, Manuel Durão Barroso, também se disse frustrado com o documento anunciado como acordo de Copenhague.
“Este acordo é melhor do que nenhum acordo. Tem coisas boas e coisas não tão boas”, sintetizou Durão Barroso.
Entre os líderes que vieram à Dinamarca para a reunião climática estão: Luiz Inácio Lula da Silva; Barack Obama, dos Estados Unidos, Nicolas Sarkozy, da França; além da chanceler alemã, Angela Merkel; e do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown.
Em uma última tentativa de evitar um desastre completo em Copenhague, às 8h de sábado, o ministro da Mudança Climática britânico, Ed Miliband, fez uma proposta para que o documento fosse adotado como forma de operacionalizar os fundos disponibilizados por ele. A moção, no entanto, foi rapidamente vetada por algumas delegações.
Em seguida, Miliband voltou a pedir a palavra e “uma breve suspensão” dos trabalhos, para tentar negociar um acordo sobre o acordo.
A “breve” pausa durou cerca de duas horas e meia, nas quais o secretário-geral da ONU participou diretamente das negociações entre os diversos países envolvidos.
A solução encontrada pelo líder foi não aprovar o “Acordo de Copenhague”, mas apenas tomar nota dele, acrescentando uma lista com os países que o apoiaram.
BBC