A saga do vigilante que se tornou doutor e agora sonha em virar professor da UEPB

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Sem limites para sonhar. Na vida ele já fez de tudo um pouco. Lavador de carros, engraxate, jardineiro, feirante, vigilante, administrador, historiador, professor e escritor. A história de José Itamar Sales da Silva (54) é inspiradora. Depois de concluir o Doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), e se tornar o primeiro vigilante com título de doutor na Paraíba, José Itamar agora busca o pós-doutorado e alimenta o sonho de ingressar como professor na Instituição que o formou.

Ao PB Agora, José Itamar relatou suas lutas, sonhos e a importância da educação como instrumentos de transformação social. O homem que garante a segurança patrimonial da Universidade é o mesmo que enveredou pelas diferentes áreas do conhecimento. Alcançou metas e transpôs barreiras.

Vigilante do Museu de Arte Popular (MAPP), em Campina Grande, no interior da Paraíba, José Itamar teve a sua vida transformada pelo Ensino Superior. No universo dos livros, ele adquiriu conhecimentos, sabedoria e se tornou doutor em Ciências Sociais.

Obstinação, esforço e força de vontade são características que moveram o vigilante da UEPB a dar passos gigantes na vida e desbravar horizontes, antes inimagináveis. A trajetória de José Itamar é marcada por desafios, superação e conquistas. Na entrevista que concedeu esta semana por telefone ao PB Agora, ele revelou que o seu maior desafio foi concluir o Doutorado. Foram noites de sono perdidas, renúncias e muito sacrifício em busca do ideal. Nesse intervalo, teve que superar uma depressão e seguir firme nas pesquisas.

A tese, aprovada com distinção, teve como título “Panela que muito mexe: o Guisado da Cultura Política do Brasil a luz da Literatura de Cordel”.

Conciliando trabalho e estudo, José Itamar enveredou pelos caminhos da cultura popular para realizar o sonho de se tornar o primeiro doutor vigilante da Paraíba, seguindo uma trajetória que não foi fácil e lhe custou sacrifício e muita dedicação.

Ele conta que quando não estava em atividade na UEPB, passava o tempo lendo e aprofundando as pesquisas. Foi na biblioteca Átila Almeida que ele passou a maior parte do tempo nas leituras que lhes ajudaram a escrever a tese, concebida dentro de um universo de encantamento e raridades em pleno interior nordestino, que se destaca por dispor do maior acervo de cordel da América Latina.

Vigilante da UEPB há 32 anos, José Itamar se graduou em História pela UFCG, fez Especialização em Administração, Mestrado em Literatura e Interculturalidade pela UEPB, e Doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande. Colecionando títulos e conhecimentos, ele destacou a política de capacitação profissional executada pelas duas Instituições como sendo fundamental para a realização do seu sonho.

Nas duas pós-graduações que fez na UEPB, Itamar manteve a sua linha de pesquisa, enveredando pelo universo da cultura popular, especialmente, pela literatura de cordel tendo como referência o paraibano Leandro Gomes de Barros, que fundou o cordel com características únicas.

A Especialização “Gestão Estratégica de Pessoa no Serviço Público” foi realizada em 2010 e serviu de motivação para o vigilante investir na formação continuada. Posteriormente, ele conseguiu a aprovação no Mestrado em Literatura e Interculturalidade. Defendeu a dissertação “A representação da sogra na obra do poeta Leandro Gomes de Barros”, que resultou em um livro publicado pela Editora Universitária da UEPB.

Aos 54 anos, José Itamar disse que se sente realizado, e desenvolve o seu trabalho de vigilante com muito amor, dignidade e seriedade, sempre cumprido os seus horários. Nem mesmo na época da pós graduação ele “abandonou” o posto de trabalho.

“Quando eu cursei a Especialização, o Mestrado e Doutorado, eu tinha o direito de me afastar das atividades como vigilante, mas eu quis ficar e conciliar a vida de estudante e vigilante. A Universidade abriu muitas portas para mim “, ressaltou.

Uma noite no museu

Após fracassos profissionais, Larry Daley arranja um emprego como segurança noturno no Museu de História Natural, em Nova York. Logo na sua primeira noite, coisas estranhas começam a acontecer: tudo no local ganha vida assim que escurece. Há um encanto na noite proveniente da ideia de escuridão, que vem do psicológico natural humano de paralelamente temer e ser curioso quanto ao desconhecido. A sinopse do filme “Uma noite do museu”, bem que retrata parte da história e o momento atual de José Itamar.

O vigilante, escritor e doutor faz atualmente a vigilância noturna do Museu de Arte Popular (MAPP), prédio projetado pelo gênio da arquitetura Oscar Niemeyer e instalado nas margens do Açude Velho em Campina Grande.

Ele destacou que gosta de trabalhar no MAPP porque está mais próximo da cultura regional e do saber.

“Trabalhar no MAPP tem sido muito gratificante. Eu estou perto da cultura, perto do saber e me sinto como aquele personagem de Uma Noite no Museu.” brincou.

A exemplo do personagem do filme “Uma Noite no Museu”, Itamar agora responsável pela vigilância noturna, do Museu de Arte Popular, também procura apresentar o conceito mágico que governa o local: um encanto que faz com que todas as figuras expostas ganhem vida após o anoitecer, voltando ao seu estado natural quando o sol se levanta outra vez.

Saindo da invisibilidade – O escuro, como a ausência de luz, é nada mais do que algo que não podemos ver e de que, portanto, não sabemos nada com certeza.

Durante muito tempo, José Itamar esteve na invisibilidade. No posto de trabalho, ele mais parecia uma “estátua”. A discriminação devido a sua classe social era perceptível. O vigilante conta que as pessoas passavam, mas é como se ele não existisse. A falta de humanidade e insensibilidade de muitas pessoas o deixava triste.

“Infelizmente o vigilante é uma profissão considerada por alguns como invisível. Quando eu estava trabalhando na Central de Aula e em outros lugares, muitos passavam pela portaria e não nos cumprimentavam. Não diziam boa noite. Parecia que a gente era invisível. Ainda somos um país que tem muito preconceito de classe “, lamentou.

As luzes que o tiraram das “trevas da indiferença” foram despejadas pela educação. Itamar não tem dúvida que a educação lança os raios que tiram a pessoa da escuridão e da invisibilidade.

“A educação, a cultura irradiam luzes em nossa vida. Por isso leio bastante. E me deixo envolver por esse universo do MAPP.

Itamar já trabalhou como vigilante em vários setores da Universidade, a exemplo da Centro de Integração Acadêmica Paulo Freire.

Com doutorado concluído e livro lançado, José Itamar já colhe os primeiros frutos do seu esforço. Muitas pessoas já o veem com outro olhar e admiram a sua coragem e luta. Com simplicidade, ele revelou que hoje se sente valorizado e reconhecido pelos amigos.

“Eu fico muito feliz com tudo o que está acontecendo. Porque a gente que sabe de onde veio, das nossas origens, dificuldades que a gente enfrenta e das nossas limitações, ter o seu nome reconhecido como alguém que fez de certa forma a diferença na vida. Para mim, é um presente em vida” disse.

Em meio a noites claras e escuras, o vigilante continua lendo muito e buscando adquirir novos conhecimentos, principalmente sobre a literatura de cordel.

Como caçador de sonhos, ele agora tem como meta se tornar professor da Instituição onde já trabalha há mais de duas décadas.

“Eu ainda tenho sonhos. Eu sonho em ser professor da UEPB ou de uma instituição de ensino superior. Ainda não sou. Eu também tenho o desejo de fazer um pós doutorado” afirmou.

No encantamento das palavras

Um caçador de sonhos. A saga José Itamar Sales da Silva é mesmo incrível. Doutor em Ciências Sociais, ele realizou o sonho de se tornar escritor. Para isso, transformou a sua tese de doutorado em um livro.

A trajetória de Itamar teve muitos obstáculos, mesmo antes de chegar à profissão que lhe proporcionou a oportunidade de seguir nos estudos. O difícil percurso também conta com a perda do pai e as reprovações nas primeiras tentativas de cursar mestrado e doutorado, este concluído há apenas um mês.

Ele já trabalhava como vigilante noturno e garante que nunca faltou a um expediente quando cursou a graduação em História pela UEPB. Depois começou a lecionar em escolas de Campina Grande, mas continuou na segurança patrimonial enquanto fazia especialização em Gestão Estratégica no Serviço Público e mestrado em Literatura e Interculturalidade, cuja dissertação virou o livro “A representação da sogra na obra do poeta Leandro Gomes de Barros”.

Com título “Cultura Política do Brasil: dos Cacarecos ao Xeleléu”, o livro publicado pela Editora da Universidade Estadual da Paraíba (EDUEPB), representou mais uma conquista do vigilante. A EDUEPB fez a versão da pesquisa em livro digital, enquanto a gráfica da União, em parceria com a Instituição, garantiu a versão impressa do trabalho.

Na obra, José Itamar aliou a sua sensibilidade de historiador e cientista social à criatividade dos poetas populares, para apresentar o resultado de sua pesquisa. Ele conta que o que motivou a aprofundar os conhecimentos neste universo foi a constatação de que o tema da cultura política dá luz à literatura de cordel, que possibilita identificar as marcantes características da cultura popular do Brasil. Conforme constatou o autor, os poetas populares puderam viajar pelas letras, metras e rimas, trazendo uma mensagem sobre a cultura política e democracia.

Este é o segundo livro de José Itamar, que já lançou a obra “A representação da sogra, na obra de Leonardo Gomes de Barros”, lançado também pela EDUEPB. Aos 54 anos José Itamar sabe que ainda existe um novo horizonte para vislumbrar.

Severino Lopes
PB Agora

 

 

 

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