“Vinham outras pessoas [para a consulta pública] mas, infelizmente, não vieram porque não tinham [condições de pagar] passagem. Mas eu vim pedir socorro. Eu acho que nenhum de nós está aqui para enganar ninguém”, afirmou Maria Ismênia da Silva, mãe de três filhos, e que, segundo relatou, teve o benefício cancelado há cinco anos e não consegue se recadastrar no Programa Bolsa Família. Ela participou da Consulta Pública ‘Impactos dos Cortes de Beneficiários do Programa Bolsa Família no Estado da Paraíba’ realizada na segunda-feira, 21 de novembro, em João Pessoa. Atualmente desempregada, Maria Ismênia sobrevive fazendo faxinas e deixou bem claro a importância de participar da consulta: “ se a gente ficar calado ninguém resolve nada. Se a gente cala é porque a gente consente, mas se a gente botar a boca no trombone, as coisas vão se movimentar”.
A consulta, presidida pelo procurador regional dos direitos do cidadão, José Godoy Bezerra de Sousa, membro do Ministério Público Federal (MPF) na Paraíba, foi realizada em conjunto com a Defensoria Pública da União, Comissão de Direitos Humanos da OAB/PB e Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional da Paraíba (Consea).
Durante mais de três horas, representantes de vários órgãos públicos e entidades ouviram relatos de beneficiários, integrantes de comunidades rurais, comunidades de pescadores, conselheiros tutelares; representantes de movimentos sociais e integrantes da sociedade civil. A consulta foi transmitida ao vivo pela Ativa.tv e está disponível no canal AtivawebGroup no Youtube.
Segundo o presidente do Consea, Arimatéia França, a consulta pública possibilitou uma série de constatações. “A partir do que ouvimos, deu para perceber que o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário fez os cortes ou bloqueou cartões bem antes das prefeituras concluírem o levantamento; algumas prefeituras não têm equipes suficientes para o levantamento e recadastramento; o beneficiário, ao se cadastrar como micro empreendedor Individual, é cortado ou bloqueado (quando o corte deveria ser pela renda e não por uma possibilidade de vir a ter renda); existe a possibilidade de manipulação política na elaboração do cadastro; outros programas já foram atingidos com cortes e isso terá um impacto forte na segurança alimentar e nutricional e no direito humano à alimentação adequada no estado”. Arimatéia também destacou que as pessoas precisam de uma orientação mais precisa em caso de suspensão de seus benefícios, e “parece que há muitas informações desencontradas para justificar o corte entre as prefeituras e MDSA”, observou.
O secretário da Secretaria de Desenvolvimento Social do Município de João Pessoa, Eduardo Pedrosa, parabenizou o Consea por provocar a consulta pública. “Também parabenizo o MPF pelo acolhimento [da provocação do Consea] de forma a debater as demandas oriundas de usuários do Bolsa Família. A Prefeitura de João Pessoa, inclusive, estará em breve entregando e ampliando novas instalações nos Bairros de Mangabeira e no Centro da cidade (Centro Comercial do Varadouro), desta forma, otimizamos os serviços para melhor atender aos usuários do Bolsa Família”, anunciou o secretário.
A secretária da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano, Cida Ramos, destacou que é preciso analisar com cuidado os cortes feitos no Programa Bolsa Família do Governo Federal, para não prejudicar os que mais precisam do benefício na Paraíba. “Reafirmo a importância do Bolsa Família para a segurança alimentar dos beneficiários e como mecanismo de aquecimento da economia dos municípios paraibanos, representando até 30% dos recursos que algumas cidades movimentam. Reafirmo o compromisso com o acompanhamento das famílias e da ampliação das políticas do Estado. A Paraíba é o único Estado a pagar o Abono Natalino no final do ano, além de possuir programas como o Cartão Alimentação, Programa do Leite, PAA, Cisternas, distribuição de filtros, entre outros”, destacou
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/PB, Wigne Nadjare, ressaltou que o grande objetivo da consulta pública é que famílias que, de fato, estejam dentro do perfil e atendam às condicionantes do programa não sejam excluídas sem que haja uma razão pertinente. “Não estamos dizendo que todos os cortes são ilegais ou que as investigações não podem ocorrer, mas defendemos que os cortes só sejam executados após o processo de investigação concluído e que haja, de fato, a certeza da culpabilidade ou de que a família não atendeu as condicionantes para permanecer no programa” reiterou.
Conforme orientação a defensora regional dos direitos humanos na Paraíba Diana Andrade, as pessoas que tiveram seus benefícios bloqueados ou cancelados, devem, inicialmente, procurar os órgãos municipais que operacionalizam o programa para se certificar de qual teria sido a razão que fundamentou o corte. “Depois, se verificada alguma injustiça, a parte interessada pode procurar a Defensoria Pública da União em Campina Grande ou em João Pessoa, ou ainda preencher o formulário online, disponível no site do MPF, aconselha a defensora federal.
Para o procurador da República José Godoy, a preocupação do MPF e demais órgãos que promoveram a consulta é que a fiscalização deve ocorrer, mas os cortes devem ser precedidos do devido cuidado para averiguar in loco se suspeitas de desvios ou de fraudes se confirmam. “Estamos tratando do direito fundamental à alimentação, um direito constitucional que integra a dignidade da pessoa humana. Portanto, deve-se ter o maior cuidado em uma política pública que trata de algo essencial como é o caso do Bolsa Família”, alerta o procurador.
Assessoria