‘Entrega Protegida’: programa apoia mães que decidem entregar recém-nascido para adoção

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O Conheça à Justiça desta semana trata de um tema complexo, que precisa de um olhar justo, sensível e acolhedor. Entregar um filho para adoção, durante a gestação ou logo após o nascimento do bebê, certamente não é uma decisão fácil para nenhuma mulher. A mãe, nesse momento, precisa de todo apoio psicológico, jurídico e confiança plena, para efetivar esse ato. Ela também necessita estar ladeada por uma rede de proteção atenta a cada detalhe desse delicado processo.

Para que todas as fases desse tipo de adoção corra bem e dentro da legalidade, a Justiça instituiu o Programa Entrega Protegida. Na Paraíba, ele deu continuidade ao Projeto Acolher, que surgiu em 2011, por iniciativa do Tribunal de Justiça da Paraíba e, deste aquela época, é desenvolvido pela 1ª Vara da Infância e Juventude de João Pessoa. Juízes (as) e servidores (as), que trabalham diretamente com a matéria, afirmam que a entrega protegida também é um ato de amor, uma vez que a criança entregue à adoção estará em um lar com boas condições de vida.

Em 2017, a Lei n.º 13/507 alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para tratar do tema da adoção e previu igualmente o direito da mulher de realizar a entrega voluntária do recém-nascido, sem qualquer constrangimento, garantindo-se o direito ao sigilo do nascimento, conforme o artigo 19-A do Estatuto. Esse sistema humanizado oferece uma alternativa segura, tanto para a mulher quanto para o bebê, ao promover uma transição legal para a adoção. A legislação garante que a criança tenha a chance de crescer em um lar e que a mãe tenha sua dignidade respeitada.

O objetivo da legislação é garantir à gestante ou parturiente, em situação de vulnerabilidade, a possibilidade de fazer essa entrega respeitando-se a sua decisão de não maternar, ao mesmo tempo em que permite à criança entrar no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) e ser encaminhada, posteriormente, a uma família que tenha condições de recebê-la.

Juiz Adhailton Lacet – 1ª Vara da Infância e Juventude – JP

De acordo com o juiz titular da Vara da Infância e Juventude da Comarca de João Pessoa, Adhailton Lacet Correia Porto, o Programa Entrega Protegida funciona a partir da manifestação do interesse de entregar o filho para adoção de forma voluntária por parte da gestante ou parturiente. “A partir dessa manifestação, a mulher deve ser encaminhada, sem constrangimento, à Vara da Infância e da Juventude, de acordo com a legislação vigente, onde será atendida por equipe interprofissional, composta por profissionais das áreas de Pedagogia, Psicologia e Serviço Social, que compõem o Núcleo de Apoio das Equipes Multidisciplinares que prestam auxílio à Vara da Infância e Juventude”, explicou.

Ainda conforme o magistrado, o Poder Judiciário, apesar de ser o local onde a mulher fará a declaração de entrega voluntária do filho para adoção, sendo essa manifestação formalizada em ação judicial de medida protetiva, não constitui a única porta de entrada para o atendimento dessa mulher. “Além da própria maternidade, os hospitais, unidades de Saúde, conselhos tutelares, Centros de Referência de Assistência Social (Cras), Centros de Referência Especializada podem e devem realizar o atendimento da mulher, prestando-lhe a assistência necessária e o devido encaminhamento ao Judiciário, em observação ao artigo 2º da Resolução nº 485/2023, do Conselho Nacional de Justiça”, explicou Adhailton Lacet.

Depois da entrega do filho para adoção e após a tomada de depoimento, a mãe tem um prazo de 10 dias para desistir da entrega. A segurança jurídica consiste exatamente na tomada de depoimento da mãe, com a presença de um advogado ou defensor público, de um promotor de Justiça e do juiz. A Justiça tem a obrigação de preservar o sigilo de todo o processo. “Entregar seu beber, dentro da legalidade, não é crime. Crime é abandonar uma criança recém-nascida”, destacou o juiz. Depois da entrega, a Rede de Proteção acompanha a adoção por 180 dias.

Aline Cunha – Assistente Social

Rede de Proteção – Depois que a mulher é encaminhada ou chega espontaneamente ao Poder Judiciário, uma equipe especializada realiza o acolhimento, a escuta e a orientação dessa mulher. A equipe elabora um relatório técnico, dando início à instauração do processo de entrega voluntária, que tramitará em Juízo com prioridade e em segredo de Justiça. Para a gestante que decide manifestar o desejo pela entrega voluntária, é fornecida a Carta de Apresentação. Ela precisa portar esse documento ao longo da gestação e apresentar aos profissionais que a atendem, deixando claro que ela está sob acompanhamento pelo Programa Entrega Protegida, o que possibilita a assistência em caso de eventuais necessidades.

Conforme a assistente social do Núcleo de Apoio da Equipe Multidisciplinar (Napem) da 1ª Circunscrição do TJPB, Aline Cunha, nos últimos nove anos foram feitas 114 entregas protegidas de crianças para adoção, com apenas uma desistência. “Antes da entrega, a mulher também é consultada sobre sua concordância em relação ao seu encaminhamento à rede de proteção, aos programas existentes de saúde, educação, habitação, assistência social, segurança pública e justiça. A equipe também orienta essa mulher sobre a possibilidade de tais atendimentos serem realizados em outro Município, a fim de evitar qualquer constrangimento”, explicou. A 1ª Circunscrição atende a 15 cidades, envolvendo as comarcas da Região Metropolitana de João Pessoa.

A assistente social informou que, atualmente, existem seis casos de entrega voluntária para adoção em acompanhamento, na Capital. “Normalmente, as mulheres que manifestam o desejo da entrega voluntária na 1ª Vara da Infância e Juventude, são mulheres pardas ou negras, com histórico gestacional anterior, na faixa etária entre 26 anos e renda familiar abaixo de um salário-mínimo”, disse Aline Cunha.

Miúcha Lins – psicóloga

Fazer a coisa certa – A psicóloga que também atua no Napem da 1ª Circunscrição, Miúcha Lins, lembrou que, normalmente, as mulheres chegam encaminhadas pela maternidade, quando procuram para fazer o pré-natal. “Elas chegam muito fragilizadas e as demandas são inúmeras, sobretudo, psicológicas. Muitas vezes passam por situações de violações de direitos. Algumas dessas mulheres foram abusadas sexualmente. Elas estão tentando fazer a coisa certa, entregar seu bebê de forma segura e protegida”, ressaltou.

Miúcha destacou que, elas precisam de muito acolhimento, orientação e acompanhamento psicológico. “É necessário cuidar da mãe e do bebê. Essas duas pessoas que estão em um lugar de muita fragilidade, principalmente emocional”.

Para a psicóloga, existem inúmeros fatores que influenciam a entrega assistida. Às vezes uma situação econômica está pesando mais, outra é a violência sofrida e a dificuldade de lidar com o abuso. “A gente não percebe de pronto, até que elas verbalizem. O acompanhamento psicológico se faz fundamental para que a mulher amadureça a ideia e, quando se sentir segura, possa tomar uma decisão da qual não venha a se arrepender depois”, avaliou Miúcha

Cleverland Pereira, Dante e Haissa Cadarelli

Os pais adotivos – Doar o recém-nascido não é fácil e é um ato de amor. Por outro lado, receber uma criança por meio de um processo de entrega protegida também revela uma prática do amor, que vai além das expectativas tradicionais, principalmente, quando essa criança chega com um diagnóstico médico, com o Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Este é o caso de Cleverland Pereira e Haissa Roberta Cadarelli. Há mais de um ano, eles adotaram, pelo Programa Entrega Protegida, o bebê Dante. A criança nasceu em abril de 2023 e com 45 dias de vida já estava morando com os novos pais. Para Cleverland e Haissa, cada gesto, cada conquista, por menor que seja, torna-se um triunfo de carinho e dedicação, que eles fazem com prazer . Para o casal, ao adotar uma criança, você se compromete a aprender e a crescer junto com ela, compreendendo seu mundo único e especial.

A rotina do casal é voltada para o bem-estar do filho

“Nosso cotidiano envolve amor, paciência, respeito às diferenças e a celebração de pequenas vitórias diárias. A junção desses sentimentos cria um laço profundo e transformador, que enriquece não só a vida da criança, mas também de toda a família”, comentou Haissa Roberta, que divide seu tempo entre os cuidados com Dante e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), onde é professora de Engenharia de Alimentos.

Haissa confessa que o dia a dia é exaustivo e envolve cuidados constantes, mas a felicidade de ter um sonho em vida realizado supera todos os obstáculos. “A gente vê as dificuldades, mas a gente também olha para o nosso filho e fala: ‘é o nosso príncipe, é o nosso grande amor’. Então, a gente começa a entender o significado de amar incondicionalmente. É um amor diferente do amor do casal, de amar o nosso pai e a nossa mãe. Então, é uma sensação que só quem sente é pai e mãe” reforçou a professora.

Já Cleverland Pereira abandonou o trabalho e os estudos, para se dedicar, exclusivamente, a Dante. Segundo o engenheiro de produção e professor, eles ficaram nove anos esperando na fila da adoção. “Quando Dante chegou, a gente não esperava mais um bebezinho e sim uma criança de até cinco, seis anos de idade, mas veio um bebezinho e hoje é meu parceiro, meu gigante. Tudo que fazemos é pensando nele. É algo inefável. É algo surpreendente. Como disse a minha esposa, é exaustivo, mas não tem preço”, falou Cleverland, que também é músico. “Nossa Dante é muito musical. Ele adora violão e bateria”, revelou.

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