Uma Estação Ciência estacionada no tempo pelo descaso da gestão Cartaxo
O vento soprava em meu rosto e lufadas quentes típicas do verão pessoense castigavam a minha pele. Enquanto me esforçava para obter informações destinadas a esta matéria, o calor, misturado com a maresia desgastante e corrosiva, retirava o resto do suor que saia do meu corpo. Corpo esse que agonizava como agoniza a Estação Cabo Branco – Ciência, Cultura e Artes. Uma vítima do descaso político e quase criminoso da atual administração municipal.
Definitivamente, o prefeito Luciano Cartaxo pouco ou nada fez para a conservação daquele cartão postal não só de João Pessoa, mas de toda a Paraíba. Pura negligência a uma obra de arte cujos riscos foram traçados por ninguém menos que o carioca Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares Filho, o “poeta do traço”.
O trabalho em concreto armado, colunas em desenhos geométricos e as curvas sinuosas já não tem o mesmo viço e beleza de quando foi inaugurado em 3 de julho de 2008 pelo ex-prefeito Ricardo Coutinho. Ao contrário: o prédio e todas as suas instalações estão em franca deterioração.
Rachaduras em paredes e esculturas, gramado inexistente, um espelho de água que circunda o prédio principal em estado desesperador. Janelas quebradas.
Obras de arte em bronze esculpidas pelo genial Abelardo da Hora perdendo seu vigor e beleza para o tempo, descaso e falta de manutenção. E no meio desse importante acervo, entregue às intempéries e à própria sorte, jaz uma escultura do artista plástico paraibano Sidney Azevedo.
A ferrugem já carcome aquilo que um dia teve seu esplendor artístico. E nesse périplo que fiz, acompanhado de Rivaldo Dias, diretor de eventos que nada tem culpa pelo que chamo de uma estação parada no tempo e espaço, sua mobilidade pelo espaço-tempo foi cessada. A ampulheta do gênio Niemeyer e seus finíssimos grãos de sensibilidade foram estagnados.
E nesse melancólico “passeios”, uma rampa de concreto foi me apresentada. Um piso deformado que me levou àquilo que um dia foi um charmoso e bem iluminado auditório que hoje, infelizmente, está resumido a mais completa escuridão. Tudo aquilo chocou meu ser. Olhos e narinas irritados. Sim, irritados pela cena que vi e senti. Senti o cheiro e até o “gosto” do mofo. O mofo daquele ambiente que invadiu minha traqueia e alma. Foi horripilante!
O mirante
Ao belo mirante não tive acesso. Fechado desde 2015, a Secretaria de Infraestrutura já apontava em tempos remotos que o espaço apresentava infiltrações após criteriosa inspeção. Dizia o órgão que “fissuras no piso, provocadas por quantidade insuficiente de juntas de dilatação e a falta de junta de contorno, além de vícios de construção na fixação dos ralos” impediam o uso seguro daquela majestosa torre que um dia adornou a ponta do Altiplano-Cabo Branco, em pleno coração de bela reserva ambiental. E passado mais de cinco anos nada se fez, além de pura e vil retórica política.
O que dizem os artistas, intelectuais e a população
O Professor Doutor do Programa de Pós Graduação em Comunicação (PPGC) da UFPB, Bertrand Lira, que dirigiu diversos documentários de curta, média e longa-metragem, sendo eles premiados em festivais no Brasil e no exterior, entre os citados o JVC Grand Prize do 26º Tokyo Vídeo Festival e o Excellence Award do JVC Tokyo Vídeo festival de 2004 mostrou-se indignado.
Disse ele para o PBAGORA estar estarrecido com o ostracismo que a Estação passa.
“Esse abandono durante esses quatro anos, na última gestão, na última administração que teve o Estação Ciência, é criminoso(…)”
“Esse abandono durante esses quatro anos, na última gestão, na última administração que teve o Estação Ciência, é criminoso. É um atentado à seriedade. À boa conduta de um gestor. Até onde eu sei um gestor não pode deixar obras paradas para que o dinheiro público não vá para o ralo. No caso, a obra não estava parada. O Estação Ciência nos legou muitas benesses para a cultura. Grandes exposições de artistas de João Pessoa, da Paraíba, do Brasil e às vezes do mundo, além de outras manifestações artísticas aconteceram ali. Um auditório fantástico para a projeção de filmes, shows e outras atividades. Um ponto de referência para o turismo, tudo parado”.
E Lira seguiu com seu protesto ao lembrar, segundo ele, que o abandono foi uma decisão política o que “não é racional que busca destruir, de deixar no esquecimento a obra de um gestor anterior. Então eu acho que isso não pode ocorrer, quando uma estrutura como aquela, de primeiro mundo, possa estar em situação de falência e completo abandono. A Paraíba tem o privilégio de ter uma obra daquela, e a manutenção não é um problema. É mais danoso deixar abandonado, do que manter. Então a justificativa do Estação Ciência, na gestão de Luciano Cartaxo, ter ficado quatro anos parado não procede. Perdeu a classe artística, perdeu o turismo, e eu espero que isso não aconteça mais e que o futuro prefeito veja com bons olhos essa grande obra”, observou.
O jornalista e escritor Robson Nóbrega e suas considerações
Jornalista de grau aguçado, escritor por excelência, sendo ele ex-editor de todos os grandes veículos de comunicação em nossas plagas, ou quase todos, tive eu o prazer de trabalhar com ele por anos. Trata-se de Robson Nóbrega, expoente maior do jornalismo paraibano, que também exerce função primordial na Universidade Federal da Paraíba.
E diz Nóbrega sobre o descaso da Estação
“Belos salões. Museu, arte, e as próprias ações de ciências. Tudo isso desativado é muito triste.”
“É muito triste ver um aparelho como o Estação Ciência abandonado. Trata-se de um investimento muito alto, que a prefeitura gastou milhões de reais. Agora, algumas coisas contribuem para isso. A erosão da barreira do Cabo Branco. Que fez interditar o principal acesso que chegava na Estação. Foi aberto outro. Mas o anterior era muito mais natural. Agora, com o fechamento do antigo acesso, não há uma campanha turística de visitação massiva”. Nem pode ter, não existe nada ao que visitar – a Estação é mera sombra do passado. E continua Nóbrega: “Belos salões. Museu, arte, e as próprias ações de ciências. Tudo isso desativado é muito triste. Agora outro fator. Essa pandemia. Isso é um mal que vem alterando nossas vidas. Mas quem procura ciências, artes, turismos dentre tantas outras áreas, realmente está órfão”, sentenciou.
O turista e o turismo em fragilidade
O PBAGORA manteve uma rápida conversa com a família Rampeck. Natural do Rio Grande do Sul, o técnico em informática Luís, patriarca do clã disse ter ficado decepcionado com o que viu, e pior; não pode entrar na Estação Ciência.
“(…) pacotes turísticos é ‘vendido’ a Estação Ciência. E quando chegamos aqui, podemos ver uma completa desordem, o que é lamentável”
A justificativa seria uma possível segunda onda da Covid-19. “Fui abordado logo na entrada com minha mulher e filhos. Informaram que o prédio estava em reforma e só. Eu havia lido sobre esse espaço na internet. Imaginei que ia conhecer. Mas saí frustrado. Vocês residem em um belo estado. João Pessoa é linda, encantadora mesmo, mas nos pacotes turísticos é “vendido” a Estação Ciência. E quando chegamos aqui, podemos ver uma completa desordem, o que é lamentável”, avaliou o gaúcho enquanto seus familiares se dirigiam para conhecer o imponente Farol da Ponta do Seixas.
O que a diretoria do Estação Ciência alega
A diretora geral do Estação Ciências, Lúcia França, que assumiu a gestão do implemento em fevereiro de 2020, alegou que o espaço estaria apto a receber o público durante as comemorações do aniversário da cidade de João Pessoa, que aconteceria no mês de agosto, especificamente dia 5, data da sua fundação.
Segundo ela, havia um processo de licitação voltado à reestruturação do complexo, que vinha funcionando – de maneira deficitária – pelo que a reportagem pode coletar. O funcionamento estava em condições precárias, mas ainda funcionava.
Mas veio a pandemia causada pela Covid-19, o que agravou ainda mais a “saúde” da Estação, sendo por completa fechada ao público em março, por força do isolamento social. E para piorar ou que já estava ruim, todo o processo de licitação para melhoras nas instalações do implemento foi paralisado, estando de volta o expediente em agosto, conforme o Diário Oficial da União. Segundo a gestora, o certame teve como vencedora a Oca Construtora. “ Pelo menos é o que há de escrito no macacão de trabalho dos funcionários”, informando ela que a Seinfra é a responsável pela pasta de tal readequação e melhorias no espaço.
Realmente, na parte exterior da Estação, havia trabalhadores pintando alguns pontos dos edifícios. Eram funcionários da construtora e trabalhadores ligados à Seinfra.
Segundo foi apurado com Lúcia França, a parte hidráulica e elétrica do complexo vem sendo restaurada. Noutro front, em uma tentativa quase quixotesca, alguns estagiários, com a dedicação típica dos jovens, buscam com o mínimo de recursos recolocar exposições em seus lugares específicos, a exemplo de uma que contempla o Sistema Solar em escala reduzida.
O problema é que as réplicas dos planetas, dependuradas e fios de nylon, perderam suas cores brilhantes. Alguns apresentam pinturas descascadas, fruto da ação do tempo e má conservação. Em termos práticos, negligência pura para com a coisa pública.
O Caminho da Ciência está inutilizado
Caminho do Conhecimento – Localizado nos jardins da Estação Cabo Branco, possui 900 metros de comprimentos com 12 experimentos científicos. Nele, os visitantes ao mesmo tempo em que se divertiam, aprendiam conceitos de física, química, matemática, biologia e ciências, podendo inclusive interagir com os inventos.
Hoje, apenas um triste cemitério de sucatas existe. Os equipamentos estão, em sua maioria, inutilizados para sempre. Como estão postos a céu aberto; sol, chuva e maresia corroeram os aparelhos metálicos, sepultando o atrativo.
E como se não bastasse, o laboratório de robótica e planetário estão desativados. Em resumo, aquilo que deveria ser uma das obras mais icônicas e importantes de João Pessoa caiu no esquecimento, o que é lamentável, estando a culpa direta na pessoa do prefeito Luciano Cartaxo, que sairá da condição de chefe do Executivo da Capital em menos de 20 dias e, certamente, não deixará saudades para aqueles que têm apreço pela arte, cultura, ciências e turismo, em especial os que tiveram a oportunidade de usufruir do Estação Ciência em sua época de ouro.
Sem contato com a Seinfra
O PBAGORA, ao longo de toda a terça-feira (15), tentou contato com a Seinfra, sem obter qualquer resposta. Para finalizar, resta ao futuro prefeito, Cícero Lucena, colocar esse importante aparelho voltado às ciências, artes e turismo em funcionamento com máximo vigor e esplendor de outrora .
O que compõe e Estação Cabo Branco e sua estrutura
Em 8,5 mil metros quadrados, todos os marcos geniais da arquitetura de Oscar Niemeyer lá estão: uma torre mirante (que valoriza a magnífica vista para o litoral pessoense), auditório, anfiteatro e salas para eventos que – na gestão de Ricardo Coutinho – foi o espaço mais completo de que dispunha a cidade para abrigar educação, arte, ciência e entretenimento.
O conjunto arquitetônico é composto por cinco edifícios. Entre eles a famosa torre espelhada, erguida em forma octogonal, com 43 metros de distância entre lados opostos e apoiada sobre uma parede cilíndrica com 15 metros de diâmetro. É, ou era, a principal edificação entre as cinco que compõem o complexo.
A Torre
Dotada de dois pavimentos, está situada em um espelho d’água. Nela encontravam-se exposições permanentes e temporárias, salas audiovisuais, café e restaurante. Do terraço panorâmico o visitante desfrutava de uma visão em 360º, podendo ver em seu entorno a Ponta do Seixas, extremo oriental do continente americano e o Farol do Cabo Branco, além de grande parte da faixa litorânea que banha a cidade
Hoje, a Estação, um dia considerada ponto obrigatório de visitação turística, e era citada como destino preferido entre os visitantes da Capital, transformou-se em um local sem vida, com cinquenta ou mais tons de cinza deformando a sua beleza. Uma edificação que custou para os cofres públicos nada menos que R$ 31.711.412,98 e que deve ser ressuscitada para que a cidade volte a sorrir com mais intensidade.
Eliabe Castor
PB Agora