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Estradas e ruas viram terra sem lei na Paraíba

O desrespeito às leis de trânsito não é um problema novo na Paraíba, mas nos últimos meses, situações cada vez mais perigosas têm ocorrido nas ruas, principalmente da Capital. É fácil flagrar carros na contramão, em conversões perigosas, avançando sinal em alta velocidade e motos trafegando nas calçadas. Essas vias que parecem “terra sem lei”, registraram, só este ano na Paraíba, 442 mortes, três mil acidentes nas rodovias federais no Estado, além de 37.926 multas por imprudência só na Capital.

Motoristas e motoqueiros praticam esses crimes sem maiores preocupações devido à ausência de fiscalização ostensiva. Embora tenha uma das maiores frotas em relação à população, João Pessoa tem metade dos agentes de trânsito que seriam necessários. São 120 fiscais para 240 mil veículos, uma relação de um para cada dois mil veículos. No entanto, de acordo com recomendação do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), deve haver um agente para cada mil veículos. Em todo Estado, a frota já chega a 760 mil veículos.

“Vivemos num trânsito caótico, cruel e assassino. Isso é o resultado da desobediência às leis. Vivemos na contramão das leis por parte de pedestres, ciclistas, monociclistas e motoristas”. É o que afirma o especialista em trânsito, Samuel Aragão. Além disso, ele considera que as autoridades de trânsito, que possuem a obrigação de atender e também fazer cumprir a legislação, são os primeiros a desobedecerem.

Segundo ele, que é ex-diretor do Detran-PB e ex-presidente da Associação Brasileira de Educadores de Trânsito, é preciso oferecer uma fiscalização ostensiva e não “encher a cidade de lombadas visando maior arrecadação”. Ele avalia que as lombadas eletrônicas têm sua finalidade, mas é preciso um trabalho educativo, para que os motoristas não criem repulsa e aumentem ainda mais a velocidade de costume assim que ultrapassarem os equipamentos.

O superintendente adjunto de Transportes e Trânsito de João Pessoa (STTrans), Paulo Freire, reconhece que a fiscalização não é suficiente para intimidar os infratores. “Não é suficiente nem no número de agentes nem de equipamentos eletrônicos. A gente está planejando aumentar o número de cruzamentos monitorados. Aparelhar melhor e melhorar o contingente de fiscalização porque só temos 120 agentes”, informou.

Para resolver o déficit de fiscais nas ruas da Capital, Paulo Freire afirmou que o órgão planeja realizar um concurso público no próximo ano. “A gente queria, no mínimo, estabelecer o contingente ideal”, afirmou. Segundo ele, para que isso seja possível tem que adequar a estrutura disponível para o novo contingente, com mais viaturas e motos. Ele disse que isso está sendo pensado para atender, principalmente, os corredores de maior fluxo e na área central da cidade, garantindo mais presença nas ruas.

 

Rodovias federais na Paraíba têm 11 acidentes por dia

A cada dia, 11 acidentes são registrados nas rodovias federais na Paraíba. Essa é a média diária notificada pela Polícia Rodoviária Federal no Estado (PRF-PB), considerando que, entre janeiro e agosto deste ano, foram 2.696 acidentes. Do total, 76,5% (2.063) são provocados por imprudência e falta de atenção dos motoristas.

De acordo com o inspetor da PRF, Genésio Vieira, cerca de 30% desses acidentes são colisões traseiras. Ele alerta que, embora acidentes desse tipo geralmente não causam grandes danos, não deixam de ser preocupantes. “Já houve casos em que os ocupantes do veículo sofreram lesões graves e outros chegaram até a morte, principalmente quando envolve motocicleta”, afirmou.

Segundo ele, a imprudência que causa acidente é percebida quando os motoristas forçam contra outro veículo para que saiam da sua frente a qualquer custo, ou quando usam a faixa da esquerda em marcha lenta formando filas e ainda quando chegam até a parar na pista só por curiosidade em observar algo.

Além da imprudência dos motoristas devidamente habilitados, condutores sem Carteira Nacional de Habilitação (CNH) oferecem riscos todos os dias nas estradas paraibanas. O número desses condutores flagrados sem a documentação é a terceira causa mais frequente de infrações registradas pela PRF. Só este ano, foram 2.010 autuações feitas.

O número representa 10,07% do total de 19.951 autos de infração e fica atrás dos que efetuaram ultrapassagem indevida, que foram 2.292 motoristas, representando 11,49%; e flagrantes de veículos sem licenciamento, que somam 2.094 casos, 10,5% do total.

Dirigir sem habilitação gera multa de R$ 574,62 tanto para o condutor como o proprietário do veículo. “Quem comete esse tipo de infração de natureza gravíssima, assume que pode produzir uma série de riscos de acidentes e vítimas, com o infrator podendo responder criminalmente pela ocorrência. A pena nesse caso, além das sansões administrativas, o infrator é passivo de detenção de seis meses a um ano ou multa judiciais”, afirmou o inspetor da PRF, Genésio Vieira.

 

Infrações nas rodovias

1 – Ultrapassagem proibida – 2.292 (11,49%)

2 – Conduzir o veículo que não esteja devidamente licenciado – 2.094 (10,5%)

3 – Dirigir sem Carteira Nacional de Habilitação – 2.010 (10,07%)

4 – Deixar de usar cinto de segurança – 1.182 (5,92%)

5 – Conduzir motocicleta sem capacete – 728 (3,65%)

 

Mortes crescem 114,8%

O número de mortes em acidentes de trânsito na Paraíba cresceu 114,8% em dez anos, passando de 417 em 2001 para 896 no ano passado, de acordo com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), da Secretaria Estadual de Saúde (SES). Só este ano, foram registrados 442 mortes em acidentes. O número já é maior do que todas as mortes registradas pelo sistema em 2001.

De acordo com os dados do SIM, foram 6,9 mil paraibanos que perderam a vida após acidentes no trânsito nos dez anos. A quantidade de paraibanos que se internaram nos hospitais por causa dos acidentes aumentou 96,2%, indo de 2,7 mil para 5,3 mil internações, segundo o Datasus, do Ministério da Saúde.

O total de pessoas internadas após acidentes no trânsito nesse período é de 27.350. Os gastos públicos com as internações chegaram a R$ 28, 6 milhões. Só este ano, já foram registradas pelo Datasus 2,6 mil internações e os gastos já foram de R$ 2,6 milhões com assistência hospitalar das vítimas.

Falta de educação no trânsito é reprimida com multa

A imprudência de motoristas e motociclistas começa com a falta de educação para o trânsito desde a infância até a hora de obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). E por isso, os órgãos precisam recorrer à repressão com aplicação de multas. É o que alega o superintendente de Transportes e Trânsito de João Pessoa (STTrans), Paulo Freire.

“As pessoas querem levar vantagem em tudo e descumprem a legislação. Tem que se investir mais em educação nas escolas para evitar esse desmando em relação à lei. Mas é algo que funciona a longo prazo e agora os órgãos têm que se adequar melhor para reprimir com aplicação de multas. Infelizmente a receita é essa”, destacou.

Paulo Freire esclarece que, ao mesmo tempo, a STTrans investe na educação com campanhas educativas para que os motoristas observem as normas. Ele disse que as ações tentam fazer com que os condutores passem a observar coisas simples, como não fechar o cruzamento de ruas para não causar engarrafamento.

“Vamos até fixar placas em semáforos para nunca fecharem e só quando tiver vaga no outro lado do sinal é que passa para não fechar o fluxo da outra rua. Outra coisa é quando ocorrem acidentes leves e as pessoas paralisam o trânsito achando que vão perder o direito com a seguradora. Perícia só é para chamar no local quando tiver vítima. Isso está no Código de Trânsito e ninguém presta atenção”, afirmou.

Paulo Freire também destacou que a baixa qualidade dos cursos de formação de condutores também contribuiu para que os motoristas sejam imprudentes no trânsito. “A formação é importantíssima. Apesar de novas regras que aumentaram as horas de aula, o processo ainda é falho”, frisou.

Este ano, a Superintendência de Transportes e Trânsito de João Pessoa (STTrans) registrou 37.926 infrações. Transitar acima da velocidade permitida é a mais cometida pelos motoristas da Capital. Entre janeiro e o último dia 21, foram 14.241 multas, sendo 12.509 de motoristas que ultrapassaram 20% da velocidade permitida e outros 1.732 que ultrapassaram entre 20% e 50%.

Em segundo lugar no total de infrações está o estacionamento em local ou horário proibidos pela sinalização, com 6.413 infrações. Além disso, outras três formas de estacionamento irregular estão entre as dez maiores infrações registradas pelo órgão. São elas o estacionamento na calçada, com 3.838 casos; em desacordo com a regulamentação especificada pela sinalização, com 1.600; e em estacionamento rotativo, com 879 infrações.

Para o especialista em trânsito, Samuel Aragão, equipamentos eletrônicos não educam o motorista. “Educação se aprende em casa ou na escola e não através de multas. Aliás, nenhum país do mundo mudou o comportamento das pessoas através do chicote que no Brasil é representado pela multa. Comportamento se muda com educação”, afirmou.

De acordo com ele, também é preciso garantir que o dinheiro arrecadado com essas infrações seja aplicado na educação para o trânsito, seguindo os parâmetros da Lei Federal Nº 9.503. A lei determina que a receita arrecadada com a cobrança das multas seja aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito.

“Sem comportamento adequado dentro do trânsito e sem respeito uns aos outros e às regras de circulação, pedestres, ciclistas, motociclistas e motoristas transformaram as ruas e rodovias num verdadeiro campo de guerra, com pessoas a todo instante sendo feridas, mutiladas ou mortas. Esse comportamento que possa trazer segurança, tranquilidade e paz de todos no trânsito só pode ser obtido através de um processo educativo. Já chega de tantas mortes e cadeirantes”, frisou Samuel Aragão.

Ele reforça que a legislação é desrespeitada também quando determina que “a educação para o trânsito será promovida na pré-escola e nas escolas de 1º, 2º e 3º graus, por meio de planejamento e ações coordenadas entre os órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito e de Educação”.

 

Sem espaço, pedestres são “jogados” entre os carros

O espaço destinado aos pedestres é constantemente tomado por motoristas e motociclistas que estacionam e até trafegam nas calçadas, “jogando” quem está a pé para perto dos carros em movimento. Quem anda nas ruas de João Pessoa relata que a insegurança existe até na hora de atravessar nos locais que deveriam ser adequados, já que nem sempre os condutores respeitam a faixa de pedestres.

Para o aposentado José Jeová Gomes, que é deficiente físico, as dificuldades e caos no trânsito são ainda mais evidentes quando se precisa de uma cadeira de rodas para se deslocar. Segundo ele, faltam ações para reprimir o desrespeito às normas de trânsito.

“Alguns respeitam e outros não. Como não tem como saber a gente fica inseguro. Às vezes a gente está na faixa, dá com a mão e os carros não param. Dentro do trânsito, deveria ter mais guardas para punir essas coisas. Os motoristas passam em alta velocidade e não têm respeito nem entre si, aí junta com os motoqueiros que também saem se espremendo. Depois de passar por isso tudo, ainda tem que enfrentar ficar esperando por um ônibus que, quando chega, está com o elevador quebrado ou não tem acesso para cadeirante”, relatou.

A funcionária pública Irene Cardoso desistiu de ir ao trabalho de carro. Ela contou que, a cada ano, percebe o quanto a cidade lota de veículos e não há espaço para estacionar, principalmente nas áreas centrais da cidade. Para ela, como muitos espaços foram destinados à zona azul, quem precisa deixar o veículo estacionado um turno todo acaba utilizando locais indevidos.

“Eu tento seguir as regras de trânsito porque quando a gente está fora do carro percebe como é problemático esse desrespeito. Olho os erros dos outros e tento me policiar. Os maiores problemas no trânsito em João Pessoa são falta de estacionamento, desrespeito na faixa de pedestre e os congestionamentos que estão sempre aumentando”, afirmou Irene.

Para a aposentada Salete Francisca da Costa, o que falta no trânsito é educação de todos. “Tudo isso que a gente vê é porque as pessoas não têm educação. Aí sem fiscalização para pegar quem vive de imprudência, fazem o que querem nas ruas”, disse.

Ciclovias são invadidas por carros e pedestres

Além de a estrutura disponível para os ciclistas ser deficiente, com poucos trechos de ciclovias na cidade, a imprudência dos motoristas oferece risco de morte para quem precisa sair de casa de bicicleta. É o caso do técnico em informática Ricardo Pereira, que ia todos os dias para o trabalho de bicicleta. O meio de transporte dele mudou há quatro anos, quando sofreu um atropelamento.

“O carro veio em cima de mim quando estava passando próximo à UFPB. Fiquei com o braço quebrado e não fui mais de bicicleta. Não temos prioridade em nada e como não temos espaços próprios ficamos nos arriscando no meio dos carros. E até quando é na ciclovia ninguém respeita”, contou.

Na orla de Tambaú é fácil verificar a “invasão” da ciclovia por carros mal estacionados e praticantes de atividades físicas. A estudante Rebeca Maia é um dos pessoenses que vêem de perto a situação. “Eu caminho e também pedalo por aqui. Nada tem lugar certo. As pessoas saem da calçada para correr na ciclovia e bagunça tudo. Não vejo ninguém para controlar isso”, contou.

De acordo com o presidente do Núcleo de Defesa da Vida, Manoel Inácio, a cidade precisa de mais sinalização para alertar os motoristas dos espaços para pedestres e ciclistas. Além disso, ele alerta que a cidade precisa intensificar a fiscalização para que todos cumpram as regras de trânsito.

“Na ladeira de Mangabeira para Valentina mesmo tem um loteamento e não tem sinalização. Saem motos muito rápido para a rua desorientados passando por cima de ciclista e pedestre, e já teve até acidente. Tem poucas pessoas para fiscalizar no Estado todo e parte dos que tem não trabalham corretamente, fazem umas blitz só para multar e não organizam nem orientam direito os motoristas. Tem que contratar mais guardas para colocar nos órgãos de trânsito das cidades o mais rápido possível”, afirmou.

O superintendente adjunto da STTrans, Paulo Freire, disse que o órgão está planejando uma campanha educativa e mais fiscalização para que as ciclovias sejam respeitadas. “A ciclovia é para os cliclistas, os veículos têm toda a pista e os pedestres as calçadas. As pessoas ainda estão desrespeitando muito. É uma questão de falta de educação mesmo, não é porque a ciclovia da praia, por exemplo, é recente não”, comentou.

 

Pedal Jampa cobra mais fiscalização

Para o presidente do projeto Pedal Jampa, André Nascimento, são poucos os espaços específicos para os ciclistas e muitos deles estão obstruídos. “Na praia, a ciclovia é lugar de briga entre pedestres, ciclistas e skatistas. Na Tancredo Neves tem até geladeira e móveis na ciclovia. Na ciclovia de Mangabeira os carros tomam conta e estacionam ou andam nela”, afirmou.

André defende a criação de um conselho municipal para políticas públicas de mobilidade urbana que tenha foco nos espaços destinados aos ciclistas. Uma das ações seria a criação de um bicicletário nas repartições públicas e projetos de construção de ciclovias. Para ele, é preciso que as vias para ciclistas estejam bem sinalizadas e haja fiscalização para que motoristas e até os pedestres respeitem esses espaços.

Para divulgar o transporte, o projeto Pedal Jampa realiza um passeio público toda terça e quinta-feira à noite. “Saímos toda semana para mostrar que a cada dia existem mais ciclistas e que precisam ter seu espaço respeitado. Quem está na bicicleta não é sinal de pobreza. Muitos usam como meio de transporte para trabalhar e até como turismo”, defendeu André Nascimento.

 

 

Correio da Paraiba

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