O ministro Marco Aurélio Bellizze, do STJ, deu provimento ao Recurso Especial nº 1.699.780 – SP, interposto por Willian Oliver Topal e Luciane Fontana da Silva em face de Gol Linhas Aéreas Inteligentes S.A., em decorrência de cancelamento de voo.
Os recorrentes, por meio de seu advogado Fábio Scolari, ajuizaram ação de indenização por danos materiais e morais contra a empresa aérea alegando funcionários da empresa não os deixaram embarcar, uma vez que suas reservas do voo de volta foram canceladas por motivo de no show.
Eles compraram, de forma errônea, o voo de ida partindo de Viracopos, na cidade de Campinas, mas queriam adquirir a passagem partindo de Cumbica, em Guarulhos. Ao perceberem o erro, adquiriram novas passagens de ida com embarque pelo aeroporto que desejavam
Em virtude do impedimento de embarque, foram obrigados a adquirir nova passagem de volta, o que, em sua visão, era semelhante à prática de venda casada. Por isso, pediram a restituição dos danos materiais (R$ 607,46) e o pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil para cada.
O juiz de primeiro grau julgou improcedente o pedido, e o TJ-SP confirmou a sentença dizendo que não houve violação dos preceitos consumeristas do CDC. E completaram dizendo que os autores optaram pela promoção ofertada no site Decolar.com, com preços diferenciados, estando cientes das condições do negócio quanto à obrigatoriedade de utilização dos trechos e ao cancelamento automático na hipótese de não utilização nos termos avençados.
Insatisfeitos, recorreram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O relator do REsp entendeu que assiste razão aos recorrentes, porque houve, de fato, violação ao Código de Defesa do Consumidor, especificamente ao art. 39, I, que veda, dentre outras práticas abusivas, “condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos” (venda casada).
Para Bellizze, a previsão de cancelamento unilateral da passagem de volta em caso de no show no trecho de ida é prática vedada pelo CDC. No mesmo sentido, afirma que “obrigar o consumidor a adquirir nova passagem aérea para efetuar a viagem no mesmo trecho e hora marcados, a despeito de já ter efetuado o pagamento, configura obrigação abusiva, pois coloca o consumidor em desvantagem exagerada, sendo, ainda, incompatível com a boa-fé objetiva, que deve reger as relações contratuais (CDC, art. 51, IV)”.
O ministro ainda salientou que essa cláusula das empresas aéreas não tem outro fim, senão a maximização dos lucros, o que encontra limites nas relações consumeristas.
Ele entendeu que se o consumidor não comparecer ao embarque no trecho de ida, a companhia aérea pode adotar medidas quanto à aplicação de multa ou restrições ao valor do reembolso, mas não pode haver qualquer repercussão no trecho de volta, se o consumidor não optar pelo cancelamento.
Diante disso, reconheceu o ato ilícito da Gol Linhas Aéreas e a condenou ao pagamento de R$ 607,46, a título de danos materiais, e ao pagamento de R$ 5 mil cada autor por danos morais.
Veja aqui o acórdão na íntegra: Acórdão STJ – RESP Repetitivo
Processo: Recurso Especial nº 1.699.780/SP
Ementa:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. TRANSPORTE AÉREO DE PASSAGEIROS. AQUISIÇÃO DE PASSAGENS DO TIPO IDA E VOLTA. CANCELAMENTO AUTOMÁTICO E UNILATERAL DO TRECHO DE VOLTA, TENDO EM VISTA A NÃO UTILIZAÇÃO DO BILHETE DE IDA (NO SHOW). CONDUTA ABUSIVA DA TRANSPORTADORA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 51, IV, XI, XV, E § 1º, I, II E III, E 39, I, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESSARCIMENTO DAS DESPESAS EFETUADAS COM A AQUISIÇÃO DAS NOVAS PASSAGENS (DANOS MATERIAIS). FATOS QUE ULTRAPASSARAM O MERO ABORRECIMENTO COTIDIANO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1.A controvérsia instaurada neste feito consiste em saber se configura conduta abusiva o cancelamento automático e unilateral, por parte da empresa aérea, do trecho de volta do passageiro que adquiriu as passagens do tipo ida e volta, em razão de não ter utilizado o trecho inicial.
2.Inicialmente, não há qualquer dúvida que a relação jurídica travada entre as partes é nitidamente de consumo, tendo em vista que o adquirente da passagem amolda-se ao conceito de consumidor, como destinatário final, enquanto a empresa caracteriza-se como fornecedora do serviço de transporte aéreo de passageiros, nos termos dos arts. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor – CDC.
Dessa forma, o caso em julgamento deve ser analisado sob a ótica da legislação consumerista, e não sob um viés eminentemente privado, como feito pelas instâncias ordinárias.
3.Dentre os diversos mecanismos de proteção ao consumidor estabelecidos pela lei, a fim de equalizar a relação faticamente desigual em comparação ao fornecedor, destacam-se os arts. 39 e 51 do CDC, que, com base nos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva, estabelecem, em rol exemplificativo, as hipóteses, respectivamente, das chamadas práticas abusivas, vedadas pelo ordenamento jurídico, e das cláusulas abusivas, consideradas nulas de pleno direito em contratos de consumo, configurando nítida mitigação da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda).
4.A previsão de cancelamento unilateral da passagem de volta, em razão do não comparecimento para embarque no trecho de ida (no show), configura prática rechaçada pelo Código de Defesa do Consumidor, nos termos dos referidos dispositivos legais, cabendo ao Poder Judiciário o restabelecimento do necessário equilíbrio contratual.
4.1.Com efeito, obrigar o consumidor a adquirir nova passagem aérea para efetuar a viagem no mesmo trecho e hora marcados, a despeito de já ter efetuado o pagamento, configura obrigação abusiva, pois coloca o consumidor em desvantagem exagerada, sendo, ainda, incompatível com a boa-fé objetiva, que deve reger as relações contratuais (CDC, art. 51, IV). Ademais, a referida prática também configura a chamada “venda casada”, pois condiciona o fornecimento do serviço de transporte aéreo do “trecho de volta” à utilização do “trecho de ida” (CDC, art. 39, I).
4.2.Tratando-se de relação consumerista, a força obrigatória do contrato é mitigada, não podendo o fornecedor de produtos e serviços, a pretexto de maximização do lucro, adotar prática abusiva ou excessivamente onerosa à parte mais vulnerável na relação, o consumidor.
5.Tal o quadro delineado, é de rigor a procedência, em parte, dos pedidos formulados na ação indenizatória a fim de condenar a recorrida ao ressarcimento dos valores gastos com a aquisição da segunda passagem de volta (danos materiais), bem como ao pagamento de indenização por danos morais, fixados no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para cada autor.
6.Recurso especial provido.
(STJ – REsp 1699780/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/09/2018, DJe 17/09/2018)
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