O Ministério Público da Paraíba recomendou ao prefeito de João Pessoa que vete totalmente o Projeto de Lei Ordinária (PLO) nº 137/2021, de autoria do vereador Mikika Leitão, que cria licença remunerada para que conselheiros tutelares licenciados acumulem outros cargos públicos durante o afastamento. Na tarde dessa segunda-feira (10/01), o 31º promotor de Justiça de João Pessoa, Alley Borges Escorel (que atua na defesa da criança e do adolescente), reuniu-se com o prefeito Cícero Lucena e entregou a recomendação ministerial, expondo as razões jurídicas para o veto ao mencionado projeto de lei. A reunião teve a presença dos vereadores Odon Bezerra e Marmuthe Cavalcanti, bem como, do secretário municipal de Gestão Governamental e Articulação Política, Diego Tavares.
O promotor Alley Escorel externou ao prefeito Cícero Lucena sua preocupação com a aprovação do projeto pela Câmara Municipal no dia 24 de dezembro. “Apesar do respeito institucional que tenho pelos integrantes da Câmara Municipal de João Pessoa, tenho que registrar que o projeto de lei de autoria do vereador Mikika Leitão contém inúmeras irregularidades e inconstitucionalidades, pois revoga parcialmente o regime da dedicação exclusiva do conselheiro tutelar previsto no art. 48, inciso XIII, da lei 11.407/2008 e cria licenças remuneradas para que os membros do Conselho Tutelar acumulem cargos públicos, em total afronta a Constituição Federal, além de representar um notório retrocesso à política municipal de defesa dos direitos das crianças e adolescentes”, esclareceu o promotor na reunião.
Alterações
Conforme assevera o promotor de Justiça, o PLO revoga parcialmente a exigência da dedicação exclusiva exigida do conselheiro tutelar para exercer suas atividades, possibilitando licenças que permitem que o conselheiro exerça outras atividades remuneradas enquanto estiver licenciado, sem prejuízo do recebimento dos seus vencimentos neste cargo, tendo em vista que não há nenhuma menção que seu afastamento será sem ônus para a edilidade.
O projeto também cria despesas para Administração Pública sem indicar a origem ou fonte dos recursos que custearão os gastos adicionais em matéria relativa à organização de órgãos da administração pública municipal (pagamento do conselheiro tutelar licenciado e do suplente convocado).
O promotor Alley Escorel destaca que os conselheiros tutelares são agentes públicos em sentido lato, mesmo exercendo suas atividades em caráter temporário e transitório, estando sujeitos aos direitos e obrigações advindas de sua atividade pública, sendo considerados agentes honoríficos que exercem função pública relevante.
“A Lei 11.407/2008, em seu art. 48, inciso XIII, definiu que o conselheiro tutelar deverá exercer suas atividades com dedicação exclusiva, prevendo, inclusive, a perda de mandato na hipótese do exercício de qualquer outra atividade remunerada, mesmo que esteja afastado em decorrência de licença prevista na referida legislação”, salienta o promotor na recomendação.
Vício formal de origem
De acordo com a recomendação, o PLO 137/2021 possui vício formal insanável de origem, uma vez que a modificação da estrutura e da organização de funcionamento dos conselhos tutelares é de competência exclusiva do prefeito e não de iniciativa do legislador. O promotor explica que, com a aprovação pela Câmara do projeto de lei de iniciativa do vereador Mikika Leitão, o Poder Legislativo Municipal editou norma que envolve matéria estranha à sua iniciativa legislativa, já que cuida de assunto reservado privativamente ao chefe do Poder Executivo, com base no artigo 30, inciso IV, da Lei Orgânica do Município de João Pessoa.
Despesas sem origem
Além do vício formal de iniciativa, o promotor aponta irregularidade do PLO em razão de ter criado despesas para Administração Pública sem indicar a origem ou fonte dos recursos que custearão os gastos adicionais. As licenças acrescidas ao artigo 59, da Lei 11.407/2008, sem a expressa vedação do recebimento dos vencimentos pelo conselheiro tutelar licenciado no período de afastamento, possibilita o surgimento de mais despesas ao poder executivo municipal sem que o legislador tenha apontado a origem dos recursos.
Neste caso, a Administração Pública Municipal teria que arcar, de forma continuada, com o pagamento dos vencimentos do conselheiro licenciado e do suplente convocado para seu lugar, tendo em vista que não há nenhuma menção que o afastamento do titular do cargo será sem ônus para a prefeitura.
Anomalia jurídica
Ainda é destacado, na recomendação, que estabelecer licenças para que um conselheiro tutelar se afaste do cargo para exercer um outro remunerado é uma anomalia jurídica, sem qualquer fundamento legal na legislação constitucional e infraconstitucional e nos ordenamentos jurídicos que disciplinam a temática dos servidores públicos.
“A pretensão do legislador ao criar essas licenças não só onera a Administração Municipal, tendo em vista que permite a remuneração do conselheiro tutelar afastado bem como o pagamento do suplente convocado para seu lugar, como legitima o acúmulo de cargos e funções públicas, o que é expressamente vedado pela Constituição Federal, resultando na flagrante e inequívoca inconstitucionalidade dos dispositivos acrescidos à lei local pelo PLO já referido”, ressalta o promotor de Justiça.
O Supremo Tribunal Federal, o Tribunal de Contas da União e o Tribunal de Contas do Estado já vêm decidindo de forma reiterada sobre esta temática, estando consolidado o entendimento jurisprudencial de que “o fato de o servidor licenciar-se, sem vencimentos, do cargo público ou emprego que exerça em órgão ou entidade da administração direta ou indireta não o habilita a tomar posse em outro cargo ou emprego público, sem incidir no exercício cumulativo vedado pelo artigo 37 da Constituição Federal, pois que o instituto da acumulação de cargos se dirige à titularidade de cargos, empregos e funções públicas, e não apenas à percepção de vantagens pecuniárias.”
O promotor destaca ainda que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), responsável pela elaboração de normas gerais sobre a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente (Lei Federal nº 8242/1991), estabeleceu, através da Resolução 170/2014, a exigência de dedicação exclusiva do conselheiro tutelar, vedado o exercício concomitante de qualquer outra atividade pública ou privada.
Dessa forma, segundo o promotor Alley Escorel, “comprovados os vícios de iniciativa do PLO 137/2021, tanto no aspecto formal como material, bem como, a flagrante inconstitucionalidade dos dispositivos que o projeto pretende introduzir à Lei 11.407/2008, que atentam frontalmente contra a Constituição Federal de 1988 e legislação infraconstitucional correlata, o MPPB recomendou ao prefeito Cícero Lucena o veto, em sua totalidade, ao mencionado Projeto de Lei Ordinária em face das inúmeras irregularidades apontadas”.
PB Agora