Último Natal no parque: 50 anos depois, PB Agora volta ao local de tragédia que matou crianças e deixou dezenas feridas em CG

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Vidas marcadas por uma tragédia. Memórias que não se apagam. Sonhos interrompidos. E um dia que nunca chegou ao fim. O que seria para ser uma noite de alegria, celebração e encontro, se transformou em uma grande tragédia. A explosão de um cilindro de oxigênio na rua Campos Sales, no bairro de José Pinheiro, em 25 de dezembro de 1974, produziu uma tragédia sem precedentes na história de Campina Grande, e transformou o Natal daquele ano no mais triste da Rainha da Borborema.

O cilindro de hidrogênio usado para encher balões, estava instalado no começo da rua Campos Sales, em frente a Igreja de São José e explodiu no meio da multidão. Naquela noite, a tragédia matou pelo menos oito crianças que estavam no parque, próximas do cilindro, e deixou dezenas feridas. Algumas delas não resistiram à gravidade dos ferimentos e morreram dias depois. As cenas chocaram toda a cidade.

O artefato era responsabilidade do ambulante Adval Argemiro da Silva, natural de Macaparana, Pernambuco. Ele foi preso dois dias após o acidente, mas acabou liberado pela Justiça meses depois. Adval, que chegou a ser chamado de ‘garrafeiro da morte’ pela imprensa local, teria se mudado para São Paulo e nunca mais foi visto em Campina Grande.

O PB Agora voltou à Rua Campos Sales, 50 anos depois, para ouvir relatos de testemunhas que viveram aquele momento e que guardam na memória as cenas de uma noite que ficou marcada por dor, tristeza e sangue. Segundo relato de um dos bombeiros que participou da operação de resgate das vítimas, a garrafa havia sido comprada por Adbal em um ferro velho  e reprovada no teste hidrostático, que é um procedimento que verifica a resistência e a estanqueidade de equipamentos e sistemas que funcionam sob pressão .

Para muitos campinenses a tragédia completa 50 anos. Para as famílias que perderam entes queridos, ou estavam no parque naquela noite fatídica, o 25 de dezembro de 74 parece ter sido ontem. É como se as lembranças dolorosas da explosão e as cenas de crianças gritando pedindo por socorro, em meio ao desespero, tivessem sido congeladas no tempo.

Naquela noite, o cheiro das pipocas e do algodão-doce quentinho se misturava à beleza das luzes coloridas e dos balões listrados. O cilindro de oxigênio explodiu no meio da multidão por volta das 17h em um momento em que a rua estava repleta de crianças e dos fiéis que saíam da igreja. O estrondo foi ouvido longe.

Por descuido ou desinformação o garrafeiro, que enchia balões durante a festa, imprimiu uma alta pressão durante a recarga do do equipamento provocando o rompimento do equipamento em vários pedaços. O resultado foi trágico.

Com a explosão do artefato, vários pedaços de seres humanos foram arremessados em casas e na Igreja de José Pinheiro. Durante dias, o mau cheiro foi predominante naquele local, chegando a ser comum, pessoas encontrarem nos tetos de suas casas, restos de gente.

O parque de diversões estava instalado na Rua Campos Sales, próximo à Igreja de São José. Após a missa, as crianças foram brincar no parque. Algumas, não voltaram para casa. Outras, tiveram partes do corpo mutiladas. Nos hospitais de Campina Grande, o cenário era de caos.

O professor de Arte e Mídia da Universidade Federal de Campina Grande e cineasta Luciano Mariz contou a tragédia no documentário “Os Balões de 74”. Luciano conversou com o PB Agora e falou da emoção de ter produzido o curta.

No filme, Luciano Mariz ouviu depoimentos de pessoas que estavam no Parque e sentiram de perto os efeitos da tragédia. Gravar os Balões de 74 e sentir, mesmo tantos anos depois, o sentimento dessas pessoas, foi uma experiência marcante para Luciano Mariz. O filme foi lançado em 2008 e reúne relatos de sobreviventes e testemunhas da tragédia.

No curta-metragem, Luciano conversou com vítimas da tragédia, que escaparam mas ficaram com sequelas para o resto da vida. Os depoimentos de médicos, jornalistas e vítimas foram chocantes. Dramáticos.

“Era uma loucura. Gente correndo, enfermarias lotadas… parecia uma guerra. Eu vi médicos chorando”, recorda o repórter fotográfico Nicolau de Castro Souza, em depoimento ao documentário Balões de 74.

Segundo relato de testemunhas, muitas crianças que tinham perdido as pernas parece que eles não sentiam dor. Em meio ao desespero perguntavam “quando iam trazer as perninhas deles de volta”, Os créditos finais de ‘Balões de 74’ dedicam o filme às vítimas da tragédia.

O PB Agora voltou ao local da tragédia esta semana, 50 anos depois, com um dos bombeiros que participou dos resgates das vítimas para reconstituir parte do acidente fatídico. As lembranças do 25 de dezembro de 74 ainda estão vivas na memória do tenente reformado José Barbosa da Silva. Ele se emocionou ao voltar ao local onde testemunhou umas das cenas mais tristes de sua carreira.

Para ele, o matou as crianças não foram os estilhaços do cilindro, mas o deslocamento de gás. Ao relembrar a explosão, ele conta que os Bombeiros da cidade trabalharam exaustivamente no socorro às vítimas. Testemunhas da tragédia, o então cabo José Barbosa da Silva,relatou que nas horas que sucederam a explosão, o telefone não parava de tocar.

“Muita gente, quase que ao mesmo tempo, ligou desesperado pedindo socorro. Nós estávamos passando pelas margens do Açude Velho quando fomos informados que havia muitas vítimas fatais e que muitas pessoas estavam feridas. Eu estava há pouco tempo no Corpo de Bombeiros, tinha feito o curso de formação de oficiais em João Pessoa e nunca tinha visto uma coisa daquelas. Era muito grito, pessoas chorando em total desespero. Sangue por toda parte, pedaços de gente pelo chão. Cabeça esbagaçada, pedaço de gente em cima de casa. Tudo foi chocante. Foi um estrago muito grande “, recordou.

O momento na Campos Sales

Quem vê a Rua Campos Sales assim com vários estabelecimentos comerciais, e intenso movimento de carros e pedestres, não tem noção como ela estava naquela noite de 25 de dezembro de 74. O Corpo de Bombeiro teve muita dificuldade para entrar na rua e resgatar as vítimas. A rua estava tomada pelos brinquedos do parque, o que dificultou o resgate. Os corpos estavam espalhados por toda parte. As cenas eram chocantes. Imagens nunca vistas na história da cidade.

50 anos depois, o tenente José Barbosa lembra de cada detalhe da tragédia. As pessoas feridas, foram para os hospitais Antônio Targino e Pedro I. Aqueles que morreram, foram para a denominada “pedra”, que funcionava ao lado da Central de Polícia.

Um dos sobreviventes da tragédia foi Marcelho Felipe, que ao lado de seus amigos, se aproximaram do cilindro. Felipe chegou a tocar no objeto: “Quem primeiro tocou nele foi Damião que era um amigo. Depois eu toquei nele e logo tirei a mão. Estava muito quente”, contou ao Diário da Borborema.

Marcelho falou também, que viu o garrafeiro pouco antes da explosão sair muito depressa.
Após isso, só escutou o grande estrondo, sendo Marcelho arremessado para longe. “Foi uma sensação inexplicável. Não sei se eu cai. Eu senti como se estivesse voando. Igual uma folha quando a gente solta”, disse ao Diário da Borborema. Após o desastre, o então garoto de 8 anos teve sua perna esquerda amputada e ficou cego de um olho.

Segundo outra testemunha da explosão, Givanildo Pereira da Silva, o garrafão estava vazando desde o momento que foi instalado a alguns metros da Igreja de José Pinheiro.

“Eu vi quando ele mandou buscar água em uma mercearia da Rua Campos Sales para colocar em cima da garrafa que estava quente. Era visível que a garrafa estava com defeito. Parte dela apresentava ferrugem. Quando ele abriu, eu vi tudo. A garrafa não tinha nada. Não tinha relógio nem registro. Só tinha a válvula de sair o ar e a tampa de sair e fechar”, relatou ao Diário. Givanildo após a explosão, passou quatro dias em coma, com seqüelas nas mãos e nas pernas.

Passados 50 anos, a pergunta que ainda não teve resposta é de quem foi a culpa. Para alguns, o responsável direto pela tragédia foi Adbal que ficou conhecido como o garrafeiro da morte. Ele chegou a ser preso quando tentava fugir do local da tragédia, mas depois foi solto, e “sumiu de vez”. Nunca mais foi visto.

O tenente José Barbosa também entende que Adval foi o culpado, visto que comprou o cilindro em um ferro velho. Meio século depois, o tenente aposentado revelou que o artefato não teve autorização do Corpo de Bombeiro e estava funcionando de forma irregular e clandestina. Para algumas pessoas, o proprietário do parque teve parte de culpa, visto que permitiu a presença do garrafeiro na área da festa.

“Agora ninguém do parque teve culpa. Hoje a garrafa quando é vendida tem que ser serrada para vencer no ferro velho. Não pode mais ficar para não ser reaproveitada. O rapaz comprou a garrafa em Pernambuco e trouxe para aqui. Ele trouxe a garrafa para reaproveitar. A explosão foi causada pelo excesso de pressão. Além disso a válvula de segurança dela não prestava” contou.

As horas que antecederam a tragédia

Era a tarde de 25 de dezembro de 74. O então Cabo José Barbosa da Silva estava a ser visto de plantão no Natal daquele ano. Passava de 17 horas. Ele conta que estava sentado na cadeira, bem na entrada do quartel do Corpo Bombeiros, esperando a noite aparentemente calma terminar. Ele ouviu um estrondo, como se fosse um tiro da pedreira. De repente, a sirene do Corpo Bombeiros disparou.

O toque bradou três vezes e o som que ecoou no quartel adentro anunciava que alguma coisa trágica havia acontecido. Ao receber a primeira ligação, o telefonista encarregado da função de acionar o alarme, apertou o dedo na sirene e segurou forte, fazendo com que o toque despertasse todo o quartel.

Nos minutos seguintes, várias pessoas quase que ao mesmo tempo ligavam para o 193, solicitando urgência máxima. O telefone não parava de tocar, conta o tenente José Barbosa que na época era cabo. Muita gente, quase ao mesmo tempo, ligou desesperada pedindo socorro.

Com forte impulso, o então cabo Barbosa levantou-se da cadeira e correu para o pátio do quartel, em direção à viatura. Aquela altura correria no corpo de bombeiros e já era grande. E as equipes de socorro se dividiam e partiram em direção ao José Pinheiro.

O percurso durou pouco menos de dez minutos. Só que no caminho, foi que o cabo ficou sabendo, por meio da rádio, que se travava da explosão de um cilindro de oxigênio em um parque de diversão. O socorro às vítimas da tragédia do parque mobilizou naquele fim de tarde, começo de noite, quinze homens, distribuídos em três equipes, sendo dois cabos, entre eles o José Barbosa, sargento e dois soldados.

A viatura conduziu a equipe comandada pelo cabo Barbosa, corria com sirene alarmando, ultrapassando outros carros e avançando os sinais. O cabo sabia que a equipe precisava chegar rápido e tentar salvar as vítimas.

Por volta das 17h10, a viatura entrou no Campo Sales e logo o cabo avistou o tumulto. A roda gigante do parque estava parada e os serviços de som desligados. Apenas gritos das pessoas, muitos gritos.

No local, a equipe se deparou com a tragédia. As imagens, segundo o oficial, eram muito fortes, com vários corpos espalhados no chão, alguns irreconhecíveis.

Durante a agonia por desespero e de inúmeros pedidos de socorro, o oficial disse que teve que ter muito autocontrole para contornar a situação e socorrer às vítimas. O pânico era total, reconte José Barbosa.

Os próprios soldados tiveram dificuldade para ter controle emocional. Os feridos foram removidos para as viaturas e escorridos para os hospitais. Os mortos foram levados para a pedra que funcionava ao lado da estão sede da central de polícia .

O cabo José Barbosa foi um dos primeiros bombeiros a se aproximar do local onde o garrafão estava instalado. Ele chegou a pegar o pedaço do cilindro que depois foi usado na perícia. O oficial recolheu o material e posteriormente doou ao Museu Histórico de Campina Grande.

Ele recorda que quando todas as vítimas estavam recebendo atendimento nos hospitais e os mortos já tinham sido levados para o necrotério público, os bombeiros começaram a fazer o trabalho de levantamento dos nomes dos parentes das vítimas. Por volta das 20 horas, três horas após iniciar a operação de socorro às vítimas, os bombeiros deixaram o cenário da tragédia exaustos.

Cinquenta anos depois, o tenente reformado José Barbosa revelou que se o cilindro tivesse explodido mais tarde, a tragédia poderia ter sido maior, já que se tratava do dia de Natal. Naquele ano, o movimento do parque de diversões aumentava depois de 19 horas.

Ele lembra do nome de toda equipe comandada pelo então tenente Severino Aguiar da Costa que faleceu no ano passado. Integraram ainda a equipe, conforme recorda o tenente José Barbosa que era o chefe da guarnição, o cabo Manoel Salvador, o Nascimento, Manoel Alves de Sena e Francisco Pinto.

Oficialmente, foram oito crianças mortas, além de centenas de feridos. Em 2007, a triste história foi resgatada em curta-metragem chamado “Os Balões de 74”, do diretor de cinema Luciano Mariz.

O relato de um sobrevivente

Foi por pouco. O aposentado Pedro Belo da Silva, (80), por pouco não se tornou uma das vítimas da explosão. Ele contou ao PB Agora que momentos antes da tragédia chegou a conversar com o garrafeiro Adval e só não comprou uma bola para o filho Antônio Nazareno da Silva, a época com 4 anos, porque a fila estava grande. Seu Pedro preferiu esperar um pouco. Ele saiu do local para passear para o parque na intenção de voltar depois para comprar a bola. Quando andou alguns metros só ouviu o estrondo. Um menino vizinho de seu Pedro morreu tragicamente na roda gigante.

“Eu andei alguns metros e só escutei um estrondo muito forte. Um grande estrondo. Depois era muita gritaria e gente correndo. O meu vizinho morreu na roda gigante. Imagens muitos fortes que nunca esqueci” relatou.


A tragédia foi amplamente divulgada pela imprensa da época. A manchete na primeira página do dia 27 de Dezembro de 1974‘Garrafão explode e enluta Campina nas festas natalinas’, chamava atenção para o tamanho da explosão.

Passados 50 anos, muitas vítimas ainda buscam uma reparação histórica e convivem com as lembranças de uma noite de Natal que nunca será esquecida.

 

Severino Lopes

Fotos: Severino Lopes e arquivo DB 

PB Agora

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