Eu tinha dois anos de idade quando, em 1958, cheguei para morar em João Pessoa. Nascido em Serraria, berço do cantor Roberto Luna, e que considero o centro do universo, junto com a minha família fui recebido com um natural e belíssimo tapete vermelho trançado com flores dos jambeiros da Avenida Coremas.
Ali, no número 473, bem no centro de uma João Pessoa ainda provinciana, vivi parte dos melhores momentos dos meus quase 64 anos de idade.
Carrego nítida na memória o cenário deslumbrante do vermelhão das flores dos jambeiros que dividiam a avenida ao meio; o sabor e o cheiro inconfundíveis dos apetitosos jambos; dos bolos de saia da mercearia de seu Marcelino; do incomparável caldo de cana de seu Gonzaga; do lanche das três da tarde à base de pão francês crocante com manteiga, ora da padaria da esquina, ora da Padaria Flor das Neves; e o aroma inebriante do Café Alvear.
As minhas memórias de infância na Avenida Coremas não param por aí. Sinto saudades do cavaco chinês, do sorvete produzido artesanalmente que, nem de longe, os das grandes marcas se comparam. Do tilintar do ferro numa jante de pneu sinalizando que o consertador de “quase tudo” estava passando, pronto para as mil e uma utilidades desde desentupir o fogão a gás, a colar cabo de caçarola ou trocar a borracha da panela de pressão.
Não me sai do ouvido o vibrato do trompete do meu irmão Watson, músico da Banda do 15RI e da Rádio Tabajara, como também não esqueço as vezes que compareci com o meu irmão a alguns ensaios, nas dependências do Liceu Paraibano, de um grupo de jazz do qual ele participava. Foi justamente ali que eu conheci o gênero musical consagrado por Armistrong, Coltrane, Stan Getz, Miles Davis, entre outros.
As minhas melhores lembranças de João Pessoa também incluem a boa vizinhança da família de Anderson e Toinha, em cuja casa passei algumas férias durante os seis anos em que voltamos a morar em Serraria, depois que meu pai morreu. Foi ali que aprendi a andar de bicicleta numa bike contrapedal para criança que pertencia ao meu amigo de infância Anderson Carvalho. Lembro que nós dois, escondidos dos pais, aprontamos poucas e boas, fazendo malabarismo naquela bicicleta nos corredores internos do Liceu Paraibano. Frear à contrapedal deixando o rastro de pneu queimado sobre o piso que acabara de ser encerado era uma das nossas travessuras. Coisa de criança.
À noite, quando em João Pessoa mesmo praticamente ninguém tinha televisão, a diversão era jogar pega-varetas ou ver com lupa imagens de recortes de películas de cinema, adquiridas pelos meus irmãos no compartimento de projeção nos Cines Municipal e Plaza.
A cantiga de ninar que embalava meu sono de criança era o barulho dos carros que trafegavam pela Avenida Camilo de Holanda.
Perdido na Lagoa
Outra lembrança marcante da minha infância em João Pessoa, foi quando lá pelos quatro ou cinco anos de idade, me perdi na imensidão da Capital. Eu e meu colega de infância, Alexandre, filho de dona Lourdes e seu formiga, nossos queridos vizinhos, construímos carrinhos de empurrar que na verdade eram apenas uma lata de doce acoplada a um cabo de vassoura com um prego. Cada um empurrando seu carrinho, partimos das Coremas, atravessamos para o outro lado da calçada em que morava doutor Nabor, e pegamos a Camilo de Holanda. Na altura do Liceu Paraibano, Alexandre se deu conta de que precisávamos voltar. Ele voltou. Eu não.
Empurrando aquela geringonça, desci de mundo abaixo e, de repente, estava inconscientemente perdido, circulando o anel do Parque Solon de Lucena. Duas mulheres jovens desconfiaram de que eu era um garoto perdido. Levaram-me para a casa delas, deram-me banho, serviram-me uma deliciosa fatia de bolo e quando ligaram o rádio, ao sintonizar na Rádio Tabajara, ouviram a notícia que um garoto com tais características, residente na Avenida Coremas, 473, havia sumido de casa.
Detalhe: era governador da Paraíba Pedro Moreno Gondim, amigo do meu pai, que acionou todos os mecanismos possíveis para que encontrassem o afilhado perdido.
João Pessoa além de linda sempre foi acolhedora. A ela todas as minhas homenagens pelo transcurso dos seus 435 anos.
Wellington Farias
PB Agora