“A vida imita a arte”. Quem assistiu ao filme “Diário de Uma Paixão”, baseado no romance de Nicholas Sparks, deve ter se emocionado com a história do diretor Nick Cassavetes, que retrata uma paixão avassaladora e os efeitos do tempo sobre as vidas dos personagens.
A incrível história de amor de Allie (vivida por Rachel McAdams) e Noah (interpretado por Ryan Gosling), dois jovens que se conheceram na década de 40 em um parque de diversões e se apaixonam, se assemelha em parte com a bela história do radialista e servidor público Adílio Bezerra e de sua amada, a professora que ela a chama carinhosamente de Linda Gláucia.
Há 12 anos, o paraibano de Alagoa Grande, Adílio Bezerra, 54, se dedica em cuidar da esposa e cumprir o juramento feito nos votos de casamento. No filme “Diário de Uma Paixão”, Allie sofre de Alzheimer, doença que não tem cura, o que não esvaziou a fonte do amor de Noah.
Na vida real, a professora Gláucia, de 55 anos, foi acometida de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) em 2007, e desde então, ficou em estado vegetativo persistente. A doença de Gláucia serviu para provar o quanto o marido a ama, e que é possível cumprir os votos feitos aos pés do altar, “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. Um amor sem limite e que serve de exemplo para muitos casais que estão iniciando a vida a dois, e abandonam o sacramento nos primeiros obstáculos ou provações.
Em entrevista exclusiva ao PB Agora, Adílio Bezerra contou como tem sido a sua luta, a sua rotina e a dedicação a esposa, nesses 12 anos. De férias nesse mês de janeiro, ele falou por telefone, de amor, fidelidade ao matrimônio, de fé, do cansaço físico e mental, e dos momentos difíceis em que chega o desânimo, mas busca forças para se reerguer. “Na verdade quem me sustenta é Deus viu. Deus é bom” disse.
Adílio e Gláucia se conheceram na Paraíba, em um domingo, no dia 16 de novembro 1986, na Rádio Sociedade em Campina Grande, onde ele trabalhava como radialista, e os dois começaram a namorar. Adílio era locutor da Rádio Sociedade, e Gláucia telefonista. Posteriormente se mudaram para Boa Vista, Roraima, onde vivem atualmente. A primeira prova de amor veio logo no início do romance quando Gláucia que já era mãe de uma menina, contou que estava grávida do ex-namorado.
Adílio não terminou o romance, mas assumiu as crianças e depois os dois tiveram mais dois filhos. Oficializando a união, eles se casaram em 1992. Estava nascendo uma história que iria romper o tempo e mostrar o que a força do amor pode fazer.
Adílio e Gláucia levavam uma vida normal, até que tudo mudou na madrugada do dia 18 de setembro de 2007. Gláucia passou mal, teve uma parada cardiorrespiratória e o cérebro dela ficou comprometido com a falta de oxigênio. Ela foi entubada e diagnosticada com um AVC isquêmico de ponte.
Ele relembra que naquele dia, os médicos o chamaram e informaram que ela não tinha mais do que dez horas de vida. O radialista foi tomado por uma profunda tristeza. É como se o seu castelo tivesse ruído. Chorou muito. Homem de fé, ele conta que confiou em Deus. “Minha fé reacendeu e eu passei a crer no impossível” afirmou.
O prognóstico não se cumpriu, a professora sobreviveu, mas ficou em estado vegetativo persistente. Ela não fala, não anda, não escuta e perdeu todos os movimentos. Respira através da cânula traqueal e se alimenta por sonda. Adílio considera a vida de Gláucia um Milagre de Deus. Só o fato dela acordar todos os dias, já é um milagre. No silencio do quarto do casal, ele expressa de diversas formas, todo o amor que sente por ela.
Na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), Gláucia permaneceu pelos próximos 42 dias, sendo que na primeira semana ficou entubada, até ser transferida para o quarto. Nos dias de internação na UTI o paraibano não podia entrar para visitar a amada. No entanto, nada o podia separar da esposa. Todos os dias ele ligava para os enfermeiros em busca de informações do estado de saúde da mulher, e fazia questão de pedir para todos transmitirem a Gláucia o seu amor. “Diga a ela que eu amo. Amo muito. E que estou sofrendo com ela” repetia.
Gláucia ficou internada no hospital cinco anos, três meses e três dias. Para cuidar da esposa, ele abandonou o emprego na rádio e manteve só o cargo de funcionário público em Boa Vista para ter mais tempo com ela. “Dormi um ano e quatro meses direto com ela, porque meus filhos ainda eram menores de idade e não poderiam ficar lá com ela”, diz”
Ele aprendeu com os enfermeiros a trocar fralda, a dar banho, a depilar a área pubiana e a fazer a aspiração traqueal.
Nesse período Adílio dirigiu por muito tempo uma instituição que abriga adolescente em situação de risco em Roraima, o que exigiu muito dele. Com o passar do tempo, ele deixou o abrigo e foi para outro setor o que aliviou um pouco a jornada desgastante. O desgaste físico e mental foi grande. Ele conta que no primeiro ano, ele não tinha tempo para ir em casa, saindo do trabalho direto para o hospital, emendando a sexta, o sábado e o domingo. “Eu ficava dividido entre minha casa, o hospital Geral de Roraima e o Abrigo Feminino de Boa Vista. Se estou de pé hoje é porque Deus existe. É humanamente impossível suportar uma caminhada como essa e não adoecer, não desistir e não constituir outra família” contou.
Em dezembro de 2012, mais de cinco anos após o AVC, ela recebeu alta e os dois foram para casa que foi adaptada e teve um dos quartos transformado em um pequeno leito hospitalar.
Ao PB Agora, Adílio confessou que a sua rotina tem sido complicada nesses anos de luta. Ele divide a atenção a esposa com os dois filhos que se reversam ao lado da Linda Gláucia. Um deles se casou no ano passado. Todos os dias, um deles vem ajudar o servidor público a dar banho nela. “Eu não consigo me desligar da Linda Gláucia totalmente. Estando no trabalho ou em casa” disse.
Adílio não abandoa a esposa uma só noite. Ele conta que nesse período, todas as noites dorme em um colchão ao lado da cama hospitalar dela. Quando ela acorda, ele diz bom dia, fala qual a data, dia da semana, ano, se ela vai receber alguma visita.
Como no filme Diário de Uma Paixão, ele criou um diário onde registra todas as atividades que fez com ela. A diferença é que no filme o diário foi escrito pela esposa. A esperança de Adílio, é que um dia, a esposa retoma a vida normal e leia o diário escrito todos os dias. Ele conta que mesmo acamada, a aparência física dela se mantém preservada.
Adílio ajuda a manter a beleza da esposa. Para isso, cuida da vaidade dela, corta o cabelo, as unhas, faz depilação, passa protetor labial. “A Gláucia continua linda e tem uma pele de bebê” declarou.
Atualmente, o estado de saúde da Gláucia é estável, ela segue em estado vegetativo persistente. A cada seis meses, ela recebe assistência médica por meio do Programa Saúde da Família.
Segundo os médicos, não há chance de reversão do quadro dela. “Eu respeito a medicina, mas se fosse pelo prognóstico, nem viva ela estaria. Ela é um milagre de Deus. São 12 anos e três meses cuidando da linda Gláucia. Quando nos casamos, fizemos os votos de viver um para o outro, de ser uma só carne como está na Bíblia. Tenho certeza que se fosse o contrário ela faria o mesmo por mim” diz.
Não escondendo um ar de tristeza, ele observa que há 12 anos os seus filhos estão sem a mãe, e ele sem minha mulher. Ele confessou que sente falta da vida que tínhamos, da companhia, das conversas e do sorriso dela.
“Acredito que Deus tem me usado para mostrar que o amor supera todas as dificuldades, que a fidelidade é fundamental em um relacionamento e que a família nunca será destruída —embora esteja tão desestruturada na nossa sociedade. A família é nosso maior bem nessa terra.
A canção de amor
Sentado em uma cadeira, contemplando o rosto da esposa inerte no leito, Adílio canta uma canção. Nesse momento, o servidor publico desaparece. Surge o cantor. O poeta, apaixonado e homem de fé.
A canção fala de esperança, de sonhos e mostra que após as tempestades sempre vem a bonança. A melodia é como bálsamo que alivia o sofrimento de Glauce. Adílio eleva a voz. A canção brota da alma. Glauce escuta. O momento é inesquecível. O olhar terno de Gláucia quando ela abre os olhos esporadicamente, reflete o contentamento do seu coração. O abrir dos olhos, traduz um sentimento que ela não consegue expressar com palavras. Para a medicina, Gláucia está sem comunicação para o ambiente.
No romance “Diário de Uma Paixão”, o protagonista toca piano para a esposa amada. Em alguns momentos, quando tem lapsos de lembranças, ela recorda de alguns momentos vividos pelos dois.
Adílio sabe que a Linda Gláucia não pode falar, mas compreende todo o gesto de amor, visto que sempre que cai alguma coisa no chão, ela se assusta. Ele observou que as vezes, quando bate na porta para entrar, ela abre os olhos.
“Ela reage bem. Eu creio que ela escuta e sente o nosso amor. Ela pisca os olhos as vezes, não constantemente” afirmou.
A canção é apenas uma de tantas provas de amor e resistência de Adílio em 12 anos de luta. Ao longo do dia, ele cumpre uma rotina em que realiza diversas atividades para deixar a esposa feliz e reanimar o ânimo dos dois.
Homem de fé, ao longo do dia, ele procura interagir ao máximo com ela. Ler a Bíblia, toca e canto louvores cristãos. Romântico, Adílio faz questão de beijar a esposa, fazer carinhos e repetir declarações de amor.
“Me declaro, digo que a amo, beijo e abraço. Tudo o que faço por ela é espontâneo e de coração, não espero receber nada em troca” revelou.
Passado mais de uma década do AVC dela, admito que estou triste e sofrendo. Humanamente falando, estou cansado, minha fé não é mais a mesma do início. Eu ainda acredito que ela vai voltar, mas também tenho a consciência de que Deus tem poder para levantá-la ou levá-la. A vontade dele prevalecerá.
“Se a Gláucia voltasse ao normal hoje, a primeira coisa que eu faria seria dizer te amo e depois faria amor com ela. Já tenho uma lista de desejos do que realizaríamos. Curtiria cada momento, a levaria para comer fora, passear, viajar e recuperar o tempo em que ela ficou vegetando”, revelou.
Adílio mantem três contas e uma página no Facebook em que compartilha a sua história de superação e sabe que esse romance já inspirou muita gente.
“Eu não desisto porque o amor não deixa” destacou.
Severino Lopes
PB Agora