A hipertrofia do Poder Executivo no Brasil surgiu com o próprio nascimento da república, teve seu apogeu durante a ditadura Vargas e o regime militar de 64 e deitou raízes profundas no país, tendo os outros poderes, Legislativo e Judiciário, recebido tratamento de poderes menores, dependentes e não essenciais à implementação de políticas públicas salvadoras que dispensam críticas e julgamentos.
À sombra desse mal disfarçado modus operandi estatal, vingaram as “compensações nada republicanas” que acometeram, principalmente, o Poder Legislativo que foi sendo gradativamente esvaziado de suas competências pelo Executivo (com Getúlio e os militares, mediante Constituições outorgadas ou semi-outorgadas e decretos-leis) e depois da Carta Magna de 1988 (via medidas provisórias), em troca de benesses financeiras representadas por contratação de parentes e afilhados políticos, verbas extras à remuneração ou subsídio do mandato destinadas ao pagamento de despesas com viagens, telefone, moradia, combustível, divulgação de atividades parlamentares, contratação de assessores, manutenção de escritórios de representação nos Estados, etc.
É por conta do empreguismo desenfreado que inchou o Poder Legislativo e das mordomias gozadas, que passou a ser visto como um poder que custa caro à sociedade e é pouco produtivo, imagem que interessa diretamente ao Poder Executivo que assim pode manobrar à vontade desde que concorde em pagar o seu alto custo.
Entretanto, só isso não bastou. Foi necessário a instalação de condomínios na máquina pública para divisão entre os partidos políticos que passaram a administrar Ministérios e órgãos de escalões inferiores como verdadeiros feudos onde transitam toda sorte de interesses que de públicos têm nada ou muito pouco.
Para os que não estavam sendo beneficiados pela apropriação dos recursos públicos feita por detentores dos cargos em “confiança” e “em comissão”, tentou-se até, como verdadeira ação de governo, remunerar parlamentares em troca de apoio político, com dinheiro do chamado “mensalão”, que alguns dizem ser práxis antiga já conhecida no âmbito dos Estados-membros (mensalinhos), no tempo em que não havia – e mesmo concomitantemente – as polpudas verbas extras antes referidas.
Por isso, é da essência da democracia a existência de limites e a delimitação de esferas próprias de competência através do mecanismo da separação de poderes, conhecido como “freios e contrapesos”, que servem de controle recíproco, pois não se admite que o Executivo se julgue dono do estado federal nos três níveis de governo (união, estados e municípios), devendo prevalecer entre eles a regra do funcionamento independente e harmônico.
Hoje, fala-se na adoção de um terceiro pacto republicano a ser celebrado entre os poderes da República, mas não se sabe ainda qual será o seu alcance e efetividade. Pessoalmente, não tenho muitas ilusões dado o “jeitinho brasileiro” de querer resolver os problemas com “canetadas”, com leis, sem adoção de medidas que realmente enfrentem as causas dos problemas.
Em âmbito local, veio à lume, após a posse do governador Ricardo Coutinho, a necessidade de cortes de repasses em verbas que podem ser chamadas de constitucionais, pois embora previstas em lei, têm por fundamento a Constituição Federal que assegura a autonomia administrativa, a independência financeira, a essencialidade e a funcionalidade dos outros poderes e do Ministério Público.
Tais verbas, de ordinário, são atribuídas mediante um índice de participação na receita e em alguns Estados da Federação constam das Leis Orgânicas do Judiciário e do Ministério Público, sendo os índices apenas repetidos nas Leis Orçamentárias, anualmente. Assim, quando cresce a receita do Estado, aumentam também as verbas dos repasses – chamados duodécimos – aos outros Poderes e ao MP, que podem planejar sua ação legislativa, jurisdicional e administrativa de modo a atender aos reclamos da sociedade.
Ao contrário do Legislativo e isso tanto a nível federal como estadual, o Poder Judiciário e o Ministério Público, proporcionalmente, são menos aquinhoados com recursos em relação ao primeiro, pelo fato, já disse, da enorme quantidade de funcionários, muitos, desnecessários, dos altos salários, das mordomias e das verbas extras ao exercício do mandato, que não deveriam existir, pelo menos, nos valores que se observa.
Portanto, podemos concluir, não só com relação à Paraíba, mas à União e aos Estados de um modo geral, que o Poder Legislativo é um poder caro e perdulário, excetuando-se, numa rígida equação custo-benefício, os gastos com os seus órgãos auxiliares, os Tribunais de Contas, que têm efetivamente contribuído para o aperfeiçoamento da gestão administrativa.
No entanto, o mesmo não se pode dizer no que pertine ao Judiciário e ao Ministério Público, os quais, revigorados e fortalecidos institucionalmente pelos constituintes de 1988, recebem menos do que necessitam e enfrentam grandes dificuldades e incompreensões por parte dos chefes do Executivo para se modernizarem e disponibilizar Justiça aos cidadãos como determina a Constituição.
Embora não acredite que o Exmo. Sr. Governador do Estado esteja incluído no rol acima e também acredite numa solução republicana para o impasse estabelecido entre os poderes, mister alertar que melhor será superá-lo com respeito ao diálogo e às instituições, porque se não, só sobrará a via judicial aos prejudicados.
Quanto aos índices de participação na receita estadual por parte do Poder Judiciário e do Parquet, devo alertar para o seguinte:
(i) Data vênia, em hipótese alguma, mesmo podendo fazê-lo, por lei, no exercício de sua competência via LDO ou LOA, poderá haver diminuição dos repasses ao Judiciário e ao MP, a não ser se decorrentes de perdas reais de arrecadação motivadas por fatores econômicos, já que é inadmissível que suas atividades em vez de serem implementadas, sofram diminuição;
(ii) Essa matéria, ao contrário do que pensam alguns, está vinculada a princípios constitucionais (CF., art. 125) e a regras que asseguram autonomia administrativa e financeira ao Judiciário (CF., art. 99 e § 1º) e ao Ministério Público (CF., art. 127, §§ 2º e 3º), não se admitindo atos atentatórios ao regular funcionamento de ambos (CE., art. 87, II);
(iii) Se prejudicado for o Judiciário, facultado lhe é manejar mandado de segurança perante o col. Supremo Tribunal Federal que tem jurisprudência firmada no sentido de mandar repor repasses não efetuados ou efetuados a menor, enquanto se for o Ministério Público e/ou o Legislativo, podem propor o mesmo remédio no egrégio Tribunal de Justiça Estadual (CE., art. 104-XIII-d).
Além disso, poderia Sua Excelência, o governador, eventualmente, incorrer, em tese, em crime de responsabilidade como previsto no art. 87, II da Constituição do Estado, embora reconheça ser muito difícil a tipificação face à maioria que detém da Assembléia Legislativa, órgão encarregado de admitir a acusação e do seu julgamento (CE., art. 88, alínea “b”).
Deixando esse o improvável cenário ao léu, o que se impõe em nome do interesse público, do respeito e da harmonia entre os poderes, é a superação do impasse administrativo-legal no tempo mais rápido possível em proveito do regular funcionamento das instituições do Estado.