O Programa de Pós-Graduação em Produtos Naturais e Sintéticos (PgPNSB) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) celebra 41 anos com nível de excelência. Durante essas quatro décadas, formou quase mil pesquisadores, de acordo com relatório elaborado pelo professor José Maria Barbosa Filho.
O trabalho, que será publicado como E-book em breve, mostra como o PgPNSB desenvolve pesquisas de alto nível científico com mais de 500 plantas medicinais e tóxicas do bioma Caatinga, tendo elaborado 3,5 mil artigos em revistas de elevado impacto.
O carro-chefe desses estudos ainda parece ser a Cissampelos sympodialis Eichl, conhecida popularmente como milona. Considerada uma “planta milagrosa” por combater males que comprometem as vias aéreas, tais como asma, rinite, bronquite e gripe, a milona já rendeu conquistas importantes para a UFPB, como o Prêmio José Pedro de Araújo, um dos principais da área, e duas patentes registradas no Instituto Nacional de Patentes Industriais (INPI), ajudando a UFPB a se tornar líder de depósito de patentes no país.
Na entrevista abaixo, a pesquisadora Márcia Regina Piuvezam, professora do Departamento de Fisiologia e Patologia da UFPB, conta como o PgPNSB se consolidou e detalha parcerias com empresas nacionais e internacionais que podem fazer a UFPB avançar ainda mais no desenvolvimento de produtos a partir da milona.
Ascom/UFPB: Como andam as pesquisas desenvolvidas pelo Programa de Pós-Graduação em Produtos Naturais e Sintéticos (PgPNSB) da UFPB?
Márcia Regina: O programa tem passado por situações favoráveis quanto ao financiamento de pesquisas pelos órgãos de fomentos federais e não federais e por outras não tão favoráveis assim, fazendo com que docentes e discentes mantenham seus estudos sem incentivos. Obviamente que houve períodos de várias publicações em revistas internacionais de alto impacto e fases de escassez.
Contudo, conseguimos levar o programa, pela avaliação da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), à nota 6,0. Faltam alguns pontos, entre eles incrementar as colaborações internacionais, para recebermos a nota máxima, que é 7,0.
Frente ao exposto, podemos dizer, com total segurança, que o programa e seus grupos de pesquisa continuam trabalhando com plantas medicinais e seus compostos isolados, sendo, portanto, esse tema a vocação dos nossos cursos de mestrado e doutorado.
Trabalhamos em diversos modelos experimentais, no sentido de respaldar tais plantas e compostos quanto às suas propriedades farmacológicas. Esse esforço está atrelado à possibilidade de se encontrar e defender cientificamente moléculas e/ou extratos que venham a se tornar fitofármacos e/ou fitoterápicos a serem acrescidos no arsenal terapêutico de uma determinada patologia humana, a fim de alcançar a cura e/ou alívio dos sintomas e melhorar a qualidade de vida.
Ascom/UFPB: Durante este tempo houve muita dedicação ao estudo da milona, a partir da qual já se produziram 56 artigos científicos e 45 teses. Por que essa planta ganhou tal importância?
Márcia Regina: A milona (Cissampelos sympodialis Eichl,) chegou ao programa para ser estudada pelos seus grupos de pesquisa pelas mãos da professora Margareth Diniz, hoje reitora da UFPB, que a trouxe dos arredores da cidade de Sousa, no interior da Paraíba (PB). Na época, a relatou como sendo uma “planta milagrosa” para o alívio dos sintomas dos males das vias aéreas, tais como asma, rinite, bronquite e gripe.
O grupo de pesquisa pelo qual sou responsável trabalha basicamente com modelos experimentais que mimetizam tais doenças e, como integrante do corpo docente, fui introduzida a essa planta em meados dos anos 1996 e, desde então, venho trabalhando juntamente com meus alunos e colaboradores nacionais e internacionais no sentido de desvendar as propriedades imunofarmacológicas da milona e seus compostos isolados.
Esses 23 anos de estudos nos proporcionou resultados que nos levaram a produzir mais de 50 trabalhos científicos, entre artigos, revisões, Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), dissertações e teses e uma patente que respaldam cientificamente as propriedades imunofarmacológicas e seus benefícios nas doenças do trato respiratório, tornando a planta e seus compostos candidatos a se tornarem fitoterápicos e/ou fitofármacos.
Mas nós também dedicamos tempo e energia para estudar outras plantas, a exemplo da Chondodendrum platyphyllun (abutua), Musa paradisíaca (banana), nesse caso extrato da inflorescência (coração da banana), e Amburana cearensis (umburana de cheiro).
Ascom/UFPB: Quais os estudos pioneiros sobre a milona e como eles contribuíram para esse status que a planta alcançou?
Márcia Regina: Um dos trabalhos com a milona e seus compostos que impulsionou os estudos no programa veio de uma dissertação da Steyner de Franca Cortes sobre a ação espasmolítica de warifteina, um alcaloide bisbenzilisoquinolinico isolado de Cissampelos sympodialis Eichl, em 1992, pelo mestrado em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos da UFPB, orientada por José Maria Barbosa Filho e George Thomas, que demonstrou a ação espasmolítica do composto majoritário da milona, o alcaloide warifteina.
Considerando que as doenças que acometem o trato respiratório, muitas vezes, apresentam à contração da musculatura pulmonar com bronco constrição e dificuldade em respirar, esse trabalho demonstrou que a planta apresenta propriedades farmacológicas que podem aliviar esse sintoma especificamente. Portanto, como nossos estudos visam desvendar as propriedades anti-inflamatória e imunomoduladora de moléculas e extratos das plantas medicinais, demos início aos estudos nesse sentido.
Ascom/UFPB: Além do uso medicinal para o tratamento de doenças respiratórias, existe alguma outra utilização da planta milona?
Márcia Regina A milona é utilizada na medicina tradicional basicamente para o tratamento dos sintomas das doenças relacionadas ao trato respiratório. Entretanto, como nosso grupo de pesquisa demonstrou cientificamente que tanto o extrato quanto seus compostos isolados (warifteina) apresentam propriedades anti-inflamatória e imunomoduladora, outros grupos de pesquisa do programa que estudam modelos experimentais onde as doenças apresentam fundo inflamatório também vêm estudando a planta e seus derivados.
Os modelos experimentais os quais citamos acima estão relacionados com o trato gastrointestinal, o gênito-urinário, o sistema nervoso central e o sistema circulatório.
Ascom/UFPB: A milona já foi testada em humanos? Existe alguma novidade nesse sentido?
Márcia Regina: Sim, nosso grupo de pesquisa ganhou, em 2007, o concorrido prêmio Nacional da Fundação José Pedro de Araújo, com o trabalho Uso potencial dos extratos das folhas de Cissampelos sympodialis Eichl (menispermaceae) e do alcaloide warifteina no tratamento de asma, o que deu grande visibilidade aos nossos estudos e à planta e seus efeitos imunofarmacológicos.
Em 2015, a discente Liane Franco Barros Mangueira defendeu sua tese com o trabalho intitulado Ensaio clínico com o infuso das folhas de Cissampelos sympodialis Eichl. (Menispermaceae), orientada pela professora Margareth Diniz. Até o presente, nós, enquanto entidade federal de ensino e pesquisa, não firmamos acordos com a indústria farmacêutica no sentido de produzir um fármaco ou fitofármaco.
Ascom/UFPB: A UFPB já tem dois registros de patente com invenções em torno da milona. O que falta para estas invenções chegarem como produto comercial para a sociedade?
Márcia Regina: A UFPB, enquanto instituição pública federal, frente aos resultados obtidos pelos grupos de estudos, deverá realizar acordos entre instituições pública ou privada (por exemplo, indústria farmacêutica) que tenham interesse em produzir o medicamento.
Ascom/UFPB: Uma pesquisa básica na internet indica a existência de vários chás produzidos a partir da milona. A UFPB tem alguma contribuição para estes produtos que estão sendo comercializados? Eles têm registro e são seguros?
Márcia Regina: Quanto a esses chás, a partir das folhas da milona que estão sendo comercializados, não vêm de nossa Instituição (UFPB). Portanto, não sabemos a procedência, se têm registros na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) ou se são seguros.
Ascom/UFPB: Por fim, qual o futuro da milona enquanto objeto de estudo científico?
Márcia Regina: Cientificamente falando, a milona é realmente uma “planta milagrosa” no sentido de que tem propriedades imunofarmacológicas, tais como anti-inflamatória e imunomoduladora comprovadas, e que consequentemente aliviam os sintomas das doenças inflamatórias agudas e crônicas tais como rinite, asma, bronquite e afins. Portanto, acreditamos que, com a quantidade de compostos isolados da planta (em torno de dez), temos no mínimo mais uns dez anos de estudos.
Marcus Alves | Ascom/UFPB