Neste 04 de julho em que os americanos comemoram sua data nacional declarada no ano de 1776, admirador que sou das suas instituições, tecerei algumas palavras sobre o documento fundante da grande nação do norte e origem da sua vibrante democracia, levada a cabo a partir de sua Constituição de 17 de setembro de 1787, à qual, um Congresso Federal reunido em New York em 1789 adicionou “The Bill of Rights”, composta, então, de apenas dez emendas, mas de enorme significado para o povo que a venera, tendo sido ratificada pelos Estados da Confederação em 1791.
A linda cidade de Philadelphia, no Estado da Pennsylvania, dista poucas horas de carro ou trem de New York (saída da Penn Station) e é considerada o berço constitucional da nação americana, tendo sido sua capital temporária entre os anos de 1790 a 1800.
Lá, está localizado o conjunto histórico que sediou o movimento em prol da independência e também ali foi redigida sua maravilhosa Declaração de Independência (The Declaration of Independence, de 1776), desenhada pelo grande Thomas Jefferson, seu principal redator.
Ao tratar sobre os direitos humanos a serem respeitados no âmbito da nação que então nascia, escreveu Jefferson, no original em Inglês: “… We hold these truths to be self-evident, that all Men are created equal, that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the Pursuit of Happiness…”, cuja tradução é o seguinte:
“Consideramos estas verdades autoevidentes, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade”.
Esta síntese magistral precedeu em treze anos a queda da Bastilha, em 1789, início da sangrenta da Revolução Francesa que desembocaria no “regime do terror”, onde, após cortar as cabeças dos seus inimigos, rolaram, também, as de seus líderes, a exemplo de Danton e Robbespierre.
Os Estados Unidos no século seguinte experimentariam uma fatricida Guerra de Secessão, que terminou com milhares de mortes, a derrota dos rebelados estados sulistas para o norte do presidente Lincoln, dando início a efetiva construção de “A More Perfect Union” já sonhada pelos redatores da Declaração de Independência, origem de sua vigorosa confederação batizada com propriedade de “estados unidos”.
O presidente Lincoln, emancipou cerca de 4 milhões de negros da escravidão por ato de 1º de janeiro de 1863, porque segundo então pregava:
“Não haverá tranqüilidade nem sossego na América enquanto o negro não tiver garantidos os seus direitos de cidadão”.
Só para traçar um paralelo, o Brasil levaria ainda um quarto de século para fazer o mesmo, em 1888.
Incluo-me entre os que acreditam que a Declaração de Independência, seguida da Constituição Americana de 1787 inaugurou a base principiológica do moderno Estado Constitucional de Direito.
Através dos anos, a prática do dia-a-dia, o entrechoque de idéias e de direitos, proporcionou o estabelecimento de padrões comportamentais (Standards) e legais (laws), cuja fonte foi e continua sendo a Constituição composta, hoje, de apenas 27 emendas.
Outro ponto de inovidável significado pode ser encontrado na abertura da Carta com o seguinte registro: “Nós, o povo …” e que serviu de modelo para outras nações, inclusive a nossa, afirmarem em seus textos fundamentais, “que todo poder emana ou provém do povo”, seu titular originário e “em seu nome deve ser exercido” (CF., art. 1º, par. ún.).
Importa também destacar na linha do pioneirismo norte-americano, a Carta da Virginia de 1606, que, embora escrita e outorgada pelos colonizadores Ingleses, constituiu a primeira manifestação formal de reconhecimento de direitos naturais inatos ao homem e que seria ideário do movimento iluminista europeu baseado no conceito de “verdades evidentes”.
Como antecedentes remotos daqueles dois documentos de índole constitucional, temos o legado da Grã-Bretanha formado pela Magna Charta Libertatum, de 15/06/1215, The Petition of Rights, de 17/06/1628 e The Bill of Rights, de 13/02/1689.
O conjunto histórico de Philadelfia, denominado The Independence National Historical Park, é um centro vivo de registro e culto à memória constitucional da nação e, embora o tenha visitado num frio dia do mês de novembro, ciceroneado pelo amigo Marcus Winchester Jurema, médico de nacionalidade americana e brasileira radicado em Nova York, fiquei impressionado com o grande número de cidadãos americanos que também visitavam o monumento.
Inclusive, fazendo questão de enfrentar uma longa fila para ver e tocar o histórico e venerado sino da liberdade (Liberty Bell, de 1753), colocado na State House e utilizado para convocar a Assembléia da Pennsylvania para as reuniões onde já se discutia a aspiração à independência do estado e do país.
O sino da liberdade, assim nomeado em 1830 pelo movimento anti-escravagista americano, tornou-se um símbolo internacional, prestando-se até hoje como ícone da voz dos que demandaram pela independência e posterior abolição da escravatura, estando nele gravado o seguinte:
“Proclaim Liberty throughout All the land unto All the Inhabitants Thereof”, cuja tradução é: “Proclamem a liberdade por essa terra afora e para todos os seus habitantes”.
Contém o sino uma “rachadura” em seu material para nos lembrar que a liberdade é imperfeita e sempre há esperança de que evolua incluindo outras pessoas a quem tem sido negada total participação na sociedade democrática, como esclarece o original em Inglês:
“Its crack is a reminder that liberty is imperfect, hoppefully evolving to include those Who have benn denied full participation in a democratic society”.
Para conhecer e divulgar melhor a história, há no complexo o National Constitution Center, Liberty Bell Center e Independence Hall e ainda um centro de multimídia.
Vale destacar, ainda, que a Suprema Corte americana (US Supreme Court) também lá funcionou de 1791 a 1800, no Old City Hall, assim como o Congresso, no Congress Hall entre os anos de 1790 e 1800.
É um passeio de grande simbolismo para os operadores do direito e mesmo para quem aprecia alguma atividade cultural quando viaja, que recomendo.