O grande Coliseu foi finalmente edificado. Na platéia do espetáculo, nobres e plebeus sedentos para ver batalhas presentes e vindouras. Respeitando as classes sociais, povo de um lado, “semideuses” do outro, pois a mistura de sangue azul e vermelho sempre foi uma blasfêmia para a compreensão humana.
Todos já sentados, feras soltas na grande arena exibindo garras e dentes desenvolvidos para rasgar a carne, tal qual uma navalha. Na segurança do local, soldados pretorianos, no intuito de evitar a fuga dos escravos que se tornaram corajosos gladiadores, e dos ladrões que assumiram a postura de bons moços e moçoilas.
Maquiavel, que estava no local, sussurrou de forma sonolenta para Daniel Gomes, ex-mandatário da Cruz Vermelha: “Os fins justificam os meios”, sem obter um retorno do empresário, que adotou a “filosofia” do silêncio tibetano, havendo a ressalva que, em processo de delação sim, ele pode dar o seu “berro”, como o personagem Quincas, parido pela pena genial de Jorge Amado.
Ao longe, duas figuras “surgiam” do subsolo. Elas eram erguidas em algo similar a um elevador, só que medieval. Pela silhueta, notava-se perfeitamente que se tratava de um homem e uma mulher. E cada um ostentando suas armas para o embate com os animais ferozes.
Entraram de mãos dadas, naquela certeza de “ninguém solta a mão de ninguém”. E realmente o pacto foi firmado. Eles não queriam e não podiam ser separados, pois uma algema os ligava umbilicalmente. E nesse confronto, as feras tomaram a iniciativa do ataque.
Uma mordida no tornozelo da mulher a colocou de joelhos, mas aquele que estava ao seu lado a levantou. Era ela, no período de Glória Girassol, uma sacerdotisa poderosa do antigo reino. Em seguida, outra investida. Desta vez, uma pantera negra quase decepou o braço do combatente, que soltou um berro, lembrando Quincas, e pedindo água, para em seguida desistir do combate.
Juízes, membros do Ministério Público Justiniano e a Guarda Pretoriana levaram aqueles outrora membros de uma casta indiana poderosa para conversa reservada. Os lutadores solicitaram, de imediato, seus respectivos advogados.
E em solo sagrado da Basílica dos Arrependidos foi firmado um processo de delação premiada envolvendo os “combatentes”, cujos nomes foram revelados à sociedade via Carta Régia, sendo eles Ivan Burity e Livânia Farias. E para não enfrentar as feras ou o sabor metálico das grades de um calabouço cruel, pediram que as algemas fossem tiradas, com a anuência dos seus advogados.
Aí o grito de luta: “Ninguém solta a mão de ninguém” foi abafado. Delações iniciaram; peças importantes de todo o reino “Girassol” foram acusadas de alta traição. Muitos foram presos. Duques, baronesas e príncipes, por terem foro privilegiado, aguardam seus respectivos destinos em liberdade.
Até o outrora rei experimentou a “retenção do corpo” em cubículo frio, para ser solto horas depois, valendo-se de um habeas corpus imperial. E nessa luta degradante, surgiu um fato novo: o “canibalismo” envolvendo os delatores, talvez na busca de terem suas penas reduzidas e evitarem a luta contra as feras.
Em gesto surpreendente, Burity passou a atacar Livânia Farias. “Ela tinha um poder de fogo altíssimo dentro do governo” – ou reino – disse Ivan Burity sobre sua ex-colega de corte. Resta agora saber se outros delatores irão tomar como exemplo o mesmo expediente. Em tempo: a delação é válida, desde que verdadeira.
Não pode ser moeda de troca para abrandar pena caso o delator não fale a verdade. Já os delatados, que formulem com seus advogados estratégias de defesa. Evoquem, caso possam, Justitia, a deusa romana que personifica a justiça. Por fim, não há mais ninguém de mãos dadas. A aliança foi fragmentada exatamente em um local chamado Calvário.
Eliabe Castor
PB Agora