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As Dores da Legalidade (I)

Com esse título, peço licença a todos, para em dois ou três singelos artigos, tecer breves considerações sobre o tema da legalidade em razão de fatos que têm ocorrido e sido veiculados na mídia, pois neste início de ano e de novo governo, a população paraibana acompanha com vivo interesse as duras medidas administrativas adotadas pelo governador Ricardo Coutinho e que dizem com a flagrante necessidade de cortes de despesas e de racionalidade do gasto público, o que parece estar deveras comprovado.

Como é do conhecimento geral, em face de suas limitações produtivas, o Estado da Paraíba passou a ser o principal empregador e com isso embalou e realizou o sonho de muitas pessoas de serem “contempladas” com um “emprego público”. Esse foi um processo longo de muitos anos levado a cabo ao arrepio da lei e da moralidade administrativa, principalmente depois do ano de 1988, contribuindo de forma decisiva para uma cultura de desvalor da legalidade. Sendo esta a base do Estado de Direito e constituindo direito-garantia assegurado a todos os cidadãos, os quais devem ser tratados igualmente pelo poder público, cabe a este, através dos seus órgãos específicos, dar-lhe aplicação plena e eficaz, como requerido na CF (art. 5º , § 1º) .

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a exigência de prévio concurso público para investidura em cargo ou emprego público passou a ser condição inafastável (art. 37, II). Tal condicionamento decorre dos dogmas da legalidade, impessoabilidade, moralidade, publicidade e eficiência (art.5º, II, c/c art. 37, II) e que são, no ponto, complementados pelo princípio da igualdade (art. 5º, caput), o qual, impõe aos entes federados (união, estados e municípios) o dever de não discriminar seus cidadãos com “preferências”, “facilidades”, “vantagens” e “sinecuras” que atentem contra o tratamento isonômico e impessoal do concurso para todos os que desejam ingressar na Administração Pública.

Embora a tutela constitucional inserida na Lex Mater seja inderrogável e cogente, o que se observou no âmbito dos estados e municípios brasileiros foi toda a sorte de “interpretações”, “soluções” e “jeitinhos” com o só desiderato de burlar a lei. Nisso, devemos reconhecer, os administradores brasileiros são experts e esqueceram completamente do legalismo inerente ao nosso sistema jurídico já pregado com grande visão prospectiva pelo inovidável Rui Barbosa em manifesto legalista com a célebre advertência dirigida ao presidente Floriano Peixoto, então governando como verdadeiro ditador após decretar Estado de Sítio: “Com a Lei, pela Lei e dentro da Lei, porque fora da Lei não há salvação”. Nada mais atual e esquecido neste imenso país.

Ao jurar cumprir a Constituição da Paraíba (que repisa o regramento federal no mesmo sentido), o novo governador assumiu expresso ônus ou encargo de primeiro-cidadão a ser também responsabilizado pelas ações e omissões de seu descumprimento, podendo, inclusive, enfrentar eventual processo por crime de responsabilidade ou de improbidade administrativa, o que não é do seu interesse e tampouco desejo da maioria da população ciosa pelo respeito à legalidade.

Se é certo que a recondução da máquina pública aos caminhos da legalidade implica, necessariamente, em cortes e demissões de pessoal terceirizado, pró-tempore e comissionado, anulações de leis, atos e vantagens, medidas essas amargas e impopulares, mormente para os prejudicados, também o é que encontram o devido amparo no postulado-mor da legalidade, viga mestre do Estado Constitucional de Direito, desde que eivadas de vício material ou formal. Para Marcelo Alkmim:

“O vício material diz respeito à matéria, ao conteúdo da lei ou ato normativo. Dessa forma, o ato que contrarie alguma matéria constante da Constituição Federal deverá ser declarado inconstitucional, pouco importando que tenham sido observadas as formalidades para a sua aprovação e promulgação. O que interessa nesse caso é seu conteúdo”. (Curso de Direito Constitucional, Ed. Conceito Editorial, 2009, p.257).

Não se pode olvidar, que a principal característica do nosso sistema jurídico é a supremacia da Constituição. Ao Judiciário, no exercício de amplo controle difuso (caso-a-caso, nos limites das partes no processo) e concentrado (abstrato, mediante argüição de inconstitucionalidade da lei, com efeito erga omnes), cabe realizar essa supremacia sobre todo e qualquer preceito normativo, que deve, assim, observar a devida coordenação e subordinação ao regramento constitucional, neste incluído, os princípios, que requerem observância por parte dos Estados-membros, cânone que integra o nosso sistema desde a primeira Carta republicana de 1891, verbis:
“Art. 63. Cada Estado reger-se-á pela Constituição e pelas leis que adotar, respeitados os princípios constitucionais da União”.

Tais princípios, já agora explicitados no Diploma Político de 1988, funcionam como cimento do sistema, são os pilares que o sustentam, as vigas mestres do ordenamento jurídico da nação. Daí o e. jurista Celso Bastos afirmar que “(…) os princípios consubstanciados na Constituição são normas, e como tais, não são meras construções informativas”. (Hermenêutica e interpretação constitucional, Celso Bastos Editor, 3ª ed., São Paulo, p. 218).

Os desafios enfrentados pelo novo governo afiguram-se realmente enormes, mas não enfrentá-los ou fingir que se os enfrenta constituiria verdadeiro “crime de lesa-estado” por que o preço a pagar pela população paraibana seria realmente alto: estagnação econômica, destruição de expectativas de renovação política e da práxis administrativa; enfraquecimento da autoridade da lei e dos poderes estaduais, mormente do Executivo e do Judiciário, bem como do Ministério Público.
Em tal cenário, seria um legado realmente maldito às gerações futuras quando comparado as dores da legalidade causadas aos interesses dos que vivem, transitam ou transitaram temporariamente à sua margem. A lei, para os Ingleses, tem, primordialmente, uma função educativa (legal education) e, por isso, espera-se do novo governo que faça o que tiver que ser feito em prol da restauração da estrita legalidade da ação administrativa, de modo a contribuir de forma efetiva para o soerguimento desta combalida Paraíba, pois no futuro, as referidas dores serão curadas e esquecidas, ficando apenas o bom exemplo, os standards a serem seguidos pelas administrações que virão.

Sem dúvida, se algum outro governador ou prefeito adotar o contrário, isto é, ações contra legem e contra constitutionem, enfrentará a tutela do Estado Constitucional de Direito e poderá colher condenação na Justiça e/ou quando não, a certeira censura política das urnas.

 


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