Em matéria penal, já atuei como advogado de defesa e obtive a absolvição de réus perante o júri popular, inclusive, sem nada cobrar, mas não me interesso em defender os que praticam crimes brutais contra, por exemplo, mulheres e crianças.
No momento, como todo paraibano, acompanho, com preocupação, a escalada da violência nas nossas cidades e imagino as dores que tais crimes têm causado às vítimas (quando sobrevivem), as suas famílias e aos seus amigos.
O que mais aflige no cruel morticínio, p. ex., na grande João Pessoa, já considerada uma das 50 cidades mais violentas do mundo e na Paraíba, é que a contagem das vítimas fatais não é mais feita pela escala dos dias, mas sim das horas: em 2 horas ocorreram três assassinatos, em 10 foram cinco e assim por diante.
Segundo relatam as estatísticas, já somos, proporcionalmente, o segundo Estado mais violento do país em crimes de morte e, para isso, as drogas, especialmente, o crack, têm contribuído de forma decisiva.
Foi ainda nas longínquas plagas acreanas, como Promotor de Justiça que esbarrei com a realidade do crack, subproduto corrosivo da cocaína, ali chamado de “merla” e imaginei, então, diante do custo barato, que seu consumo se propagaria inexoravelmente país afora, como de fato aconteceu nas décadas seguintes sob a grave omissão dos governos em todos em seus níveis.
No Brasil, sem sombra de dúvida, há uma equação perversa na violência que a realimenta como verdadeiro moto-contínuo: a impunidade. Discordo dos que querem atribuir a maior parcela dessa responsabilidade à sociedade, em decorrência da pobreza e outras mazelas sociais, desculpa que vem desde Rousseau e seu Contrato Social, sempre disposto a isentar de culpa os atos humanos e a culpar a sociedade.
A violência, hoje, decorre mais de fatores conhecidos e não enfrentados a contento, como o tráfico e consumo de drogas aliado à ineficiência policial (preventiva) do nosso falido modelo de segurança pública e, no caso do crack, da falta de uma política de enfrentamento efetivo com a retirada dos viciados das ruas e internamento compulsório, pois estão colocando em risco a vida das pessoas e mesmo atentando com a paz e a ordem públicas.
Também contribui a morosidade da resposta judicial fragilizada por um processo penal obsoleto, caracterizado pela lentidão.
Outro fator decisivo, é a frouxa legislação penal que geralmente pune, mas não executa, sendo a pena privativa de liberdade substituída por prestação de serviços à comunidade ou suplantada pelos institutos despenalizadores e, mesmo quando pune com mais rigor, tem sua duração encurtada pelas normas de progressão de regime que prematuramente abrem as portas das prisões, etc.
No que tange ao consumo e tráfico de drogas, falta, além de uma efetiva vigilância nas fronteiras para impedir o ingresso no território brasileiro, uma política de saúde pública voltada ao tratamento dos usuários, especiamente de crack, o que requer a construção de Centros de Saúde Específicos e, nestes, de espaços integrados de profissionalização que propiciem uma perspectiva real de trabalho regular aos dependentes recuperados.
Somos o país do “faz-de-conta” em matéria de prevenção e censura penal: editam-se leis cuja alegada inspiração é ressocializar o criminoso, mas buscam, na verdade, desafogar as prisões, poucas e insuficientes para a população carcerária, mal-construídas e verdadeiros antros incompatíveis até mesmo com a dignidade humana dos judicialmente segregados pelo Estado.
Nessa matéria, o poder público também é réu e todos nós somos co-partícipes involuntários da vergonhosa tragédia.
Como a moda atual neste país são os alcunhados “planos de aceleração”, seria necessário um PAS – Plano de Aceleração da Segurança que contemplasse todo o conjunto da segurança pública nas esferas preventiva (polícia militar), repressiva (policia civil e também militar) e executiva (sistema penitenciário), calcado em objetivos factíveis e premiação pecuniária às policias que contribuam para diminuir os índices de criminalidade.
A Paraíba deu um primeiro passo, com lei que permite premiar os policiais que realizem apreensão de armas. É preciso, no entanto, para o mesmo fim, ir além, fixando metas que contemplem a diminuição da violência, notadamente, o número de homicídios.
Como bem ensinou o jurista italiano Enrico Ferri, “(…) é mais salutar e econômico iluminar a rua escura onde são praticados muitos assaltos do que abrir prisões”.
Não obstante, em termos de Brasil, é necessário empreender um programa vigoroso de construção de prisões para diminuir o déficit de vagas do falido sistema penitenciário (quiçá via parcerias público-privadas e mesmo privatizações), melhorando, assim, as condições de cumprimento das penas no interesse de uma efetiva resposta penal, como ocorre em outras nações e não editando leis para desafogá-las mediante o abrandamento das regras de encarceramento.
Evitar-se-ia, com isso, não só a sensação, mas a quase certeza da impunidade que realimenta a criminalidade e instala na sociedade o medo e a impotência, e nas mentes das vítimas (quando sobrevivem) o terror e a frustração, assim como nas de seus familiares, como verdadeiras penas permanentes, por culpa direta do próprio estado, que menospreza, disfarça e nega o direito fundamental à vida, objetivo maior da segurança pública.
É muito triste, essa fama de país da impunidade pela a qual o Brasil é criticado e mal visto mundo afora, que nos frustra e causa tanta dor e decepção aos atingidos pela violência, como dá exemplo, as sofridas “mães na dor" paraibanas que tiveram filhos e filhas assassinadas, inclusive pelos estúpidos delitos de trânsito.
A esses processos – longos, demorados e cheios de expedientes protelatórios deve ser atribuído prioridade máxima – desculpem a redundância — por parte da Polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário, para não ficarem paralisados nas Delegacias ou nas prateleiras das Varas Criminais perpetuando o sofrimento das famílias, o sofrimento das “Mães na Dor” que antes foram “Mães na Vida” e “Mães no Amor”.
Os rostos ausentes dos mortos são rapidamente esquecidos pela sociedade, mas jamais o serão pelas suas mães. O que elas pedem não é muito, não é favor e nem esmola legal, mesmo porque a Justiça não é casa de favorecimento ou esmolação, como visto recentemente com longa petição assinada por centenas de pessoas e protocolada no Tribunal de Justiça pedindo o julgamento do autor da morte da jovem Aryane Thaís.
O que pedem – melhor dizendo, requerem — as "Mães na Dor", é apenas o direito básico de verem os assassinos de seus filhos e filhas identificados, julgados e os culpados, punidos, na forma da lei, para que assim possam seguir vivendo com a certeza ou pelo menos a sensação de que foi feita Justiça!