Um dos artigos de inspirados no Codex Civil francês de 1808 acolhido pelo nosso revogado Código Civil de 1916, era o seguinte:“Art. 76. A todo direito corresponde uma ação que o assegura”.
Tal regra, decorreu da luta pelos direitos civis que triunfou a partir da Revolução Francesa de 1789, vez que de nada adiantaria um direito sem o correspondente meio de torná-lo efetivo. Entre nós, isso continua a ocorrer em ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão enquanto o Legislativo não for obrigado a criar a regra legal específica, posto inexistir sansão alguma se não a fizer.
A Constituição de 1988 assegura aos brasileiros o direito à jurisdição dispondo que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV).
Muita gente reclama – e com razão – da lentidão do Judiciário. Mas é bom que se reconheça: a demanda por jurisdição cresceu enormemente após o advento da atual Carta Política, não tendo a Justiça acompanhado tal crescimento, que depende, também, de mais recursos visando à modernização e mudança de rotinas no âmbito interno e de leis que simplifiquem os procedimentos e a própria cultura judicial do país.
É verdade que muito se tem feito, mas é sempre preciso fazer mais e mais, para que, à final, o ônus constitucional imposto ao Judiciário da “razoázel duração do processo” (CF., art. 5º., LXXVIII) não seja apenas algo simbólico e possa ser satisfeito e usufruído normalmente por todo cidadão brasileiro massacrado pela demora do desfecho das demandas.
No ponto e diante da escassez de recursos, conforme o mantra da eficiência, “é preciso fazer mais com menos”, otimizando a prestação jurisdicional também com o apoio da sociedade civil, que pode participar com suas instituições via trabalho voluntário e outras formas de cooperação sem ou com reduzido ônus financeiro. Afinal, o Estado é de todos.
Em âmbito interno, sem aviltar a importância dos cargos e o trabalho judicial, afigura-se necessário, de um modo geral, a adoção de posturas condizentes com a modernidade como a inteira adoção do processo judicial eletrônico que propiciará eficácia e transparência à atividade judicante, bem como avaliação em tempo real, de modo a escoimá-la de acomodações, lerdeza, barreiras e pompas, estas, mais consentâneas com rituais de Roma antiga do que propriamente com os tempos atuais.
O Judiciário só tem a ganhar com a transparência e sua abertura aos reclamos da cidadania, inclusive no que tange à fiscalização de sua própria atividade que pode ser mais eficiente na entrega da prestação jurisdicional.
O momento, consoante abordado no artigo anterior, é de declínio do Legislativo, de hipertrofia do Executivo e, ao mesmo tempo, de uma alentada afirmação do Judiciário pela necessidade de se posicionar melhor entre os poderes e exercer com segurança papel mediador, moderador e decisório segundo os valores constitucionais, mormente os destinados à realização da cidadania.
É fato inegável que conflitos sociais e jurídicos crescem de forma assustadora no vácuo da inércia legislativa e também de leis e regulamentos inconstitucionais, sendo o Judiciário chamado não só para arbitrá-los segundo as leis existentes, mas, muitas vezes, tendo que formular a própria regra/solução de direito aplicável ao caso sub judice.
Não se advoga aqui, possa o Judiciário, atuando como legislador negativo no controle de constitucionalidade concentrado, convolar seu múnus em instrumento de legiferação positiva, isto é, criar a própria normal legal, atribuição própria do Legislativo, pois isso violaria a cláusula pétrea da separação de poderes (CF., art. 2º). O que faz nesse sistema, é retirar da ordem jurídica lei ou ato normativo inconstitucional, mas não, com todo respeito, preventivamente, censurar ou impedir o nascimento da lei ainda no âmbito legislativo, como visto em decisão recente do eminente Ministro Gilmar Mendes do STF.
Diante de tal quadro, o ativismo judicial é necessário, mas deve ser ponderado e razoável ao criar soluções substanciais que, embora não substituam o legislador, decorram apenas de omissões e erros desse último, vez que a inércia legislativa tem de alguma forma ser suprida.
A cada dia, se exige da Corte Constitucional maior sensibilidade política mirando o fortalecimento da democracia sobre a qual assenta o nosso sistema político-representativo de governo e a estrutura de Estado, sob pena de sua inércia levar os cidadãos a perderem a fé no próprio Poder Judiciário, o que seria uma verdadeira tragédia.
É fato que o legislador já não é o ‘sujeito omnipotens’ e o texto legal ao adentrar no mundo jurídico se desvincula do seu autor, sendo cada vez mais discutíveis o valor e validade de determinadas leis baixadas praticamente como representação da vontade única do(ª) presidente, governador(ª) e prefeito(ª), já que os parlamentos limitam-se a forma de aprovação mais deplorável que é a decorrente da omissão, como nas medidas provisórias não apreciadas e que vão sendo reeditadas ad eternum. Outras o são de forma quase tácita, sem discussão e respeito às minorias sufocadas pela ausência de discussões através do conhecido método do “rolo compressor”.
Além disso, é verdade, que muitos parlamentares aprovam leis sem saber direito do que tratam ou do seu alcance.
É comum se procurar na chamada ‘vontade do legislador’ (intentio legislatoris) o decantado ‘espírito da lei’ (intentio legis) durante processo de interpretá-la, mas a lei não pode ser petrificada no tempo diante da dinâmica social que a desatualiza e conduz à necessidade de confrontá-la com a Constituição, ponto de partida e de chegada, alfa e ômega, princípio e fim, da atividade interpretativa judicante.
Só o Judiciário cabe avaliar se as leis realizam o primado ético do direito que é constantemente influenciado, como dito, pelo rearranjo dos fatos-valores que plasmam a nação em busca do ‘bom governo’, razão e objetivo supremo do Estado de Direito (CF., arts. 1º, par. ún., 3º e 5º).
Hans Kelsen, com o peculiar rigor técnico, em sua conhecida obra “Teoria pura do direito”, falava de interpretação autônoma e não-autônoma para diferenciar a oriunda de autoridade competente para aplicar a lei da realizada por fonte sem tal atribuição, a saber, a doutrina, que formulando conceitos e construções jurídicas influi sobre a nobre missão de julgar.
A propósito, durante o julgamento do ‘mensalão’, os Juízes e Juízas da Corte Suprema empregaram ‘a teoria do domínio do fato’ (já comentada neste espaço) para incriminar cabeças coroadas da organização da criminosa.
O Poder Judiciário tem assumido certo nível de ativismo em face da inércia e omissão legislativas potencializadas pela repercussão das mazelas e crimes que a atividade da imprensa livre tem permitido levar ao conhecimento do povo, assim como a grande rede virtual de informações, a internet.
Há uma consciência em formação por parte dos cidadãos brasileiros, assim como já pregavam os filósofos gregos de que “a ética é inseparável do direito”, ao conceberem o homem como objeto e produtor de Justiça. Tal requisito será cada dia mais exigido de todos aqueles que exercem função pública ou cargo político-eletivo para o bem de toda a nação.