Concept of debate and political argument symbol as two opposing competitors debating and arguing with mouths open and symbolic bullets flying towards each other as an dispute metaphor with 3D illustration elements.
No livro “Biografia do abismo”, os analistas políticos Thomas Traumann e Felipe Nunes buscam explicar a polarização política que têm dividido o Brasil. Com um banco de dados da Quaest que conta com quase 100 mil entrevistas, os autores apresentam inúmeros indicadores para mapear o comportamento de eleitores polarizados: suas escolhas, paixões, ódios, medos e esperanças.
A polarização transbordou para o cotidiano e passou a ser parte da identidade de indivíduos e comunidades. Houve uma “calcificação” das opiniões políticas, i.e., houve um engessamento de posições que passaram a definir identidades. Diferentes coalizões de identidades assumiram lados políticos, dividindo comunidades, famílias e empresas.
Lula e Bolsonaro passaram a polarizar cosmovisões na medida em que representavam identidades calcificadas. Em um processo de “bolhificação”, os brasileiros entraram em bolhas para reforçar suas crenças pessoais e identidades. O diálogo, a autocrítica e a cooperação entre divergentes se tornaram exceção.
Os autores mostram, com dados, como os brasileiros adotaram diferentes e antagônicos ecossistemas de comunicação de TV e redes sociais em busca de confirmação de suas crenças, assumiram papéis de “evangelizadores” das crenças de seus grupos, tornaram-se afetivamente comprometidos com Lula e Bolsonaro.
Apesar de bons apontamentos e dados relevantes, os autores são lenientes com Lula. O livro assume uma clara tendência a demonizar Bolsonaro e suavizar para o lado do lulopetismo. Para os autores, do lado da direita, existe censura, mentiras e agressividade. Quanto à esquerda, “não se pode fazer falsa equivalência”. O texto não traz nenhuma crítica às polêmicas decisões ativistas do STF e TSE.
A ironia: o livro que fala do “abismo” da polarização, reforça o viés polarizador, só que usando dados. Um livro “científico” sob medida para a esquerda. Talvez uma das marcas políticas do século XXI seja a existência de profunda polarização em sociedades “liberais”. Estamos em uma era pós-Iluminista em que não se separa o público e o privado.
Em sociedades polarizadas, o que mais precisamos, como dizem os autores, é de: instituições fortes e isonômicas e pessoas e comunidades virtuosas. Diálogo, respeito e tolerância só voltarão a ser possíveis em sociedades em que as instituições tratam as pessoas de modo igual, sem favorecer um lado em detrimento do outro, e as pessoas são virtuosas. Será isso possível em um país como o Brasil?
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