Se o deputado Luiz Fernando Faria (PP-MG) quiser trabalhar e acompanhar minimamente a programação de TV que assina, o seu dia precisará ter bem mais do que 24 horas. Com várias opções de pay-per-view, que vão de desenho animado a conteúdo erótico, seu pacote de canais faz inveja a qualquer viciado em televisão. O detalhe é que a fatura é paga pela Câmara, ou melhor, pelo contribuinte.
Desde 2009 a conta do superpacote de TV assinado pelo deputado é bancada com verba da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap), benefício pago pela Casa para custear despesas dos parlamentares relativas ao exercício do mandato, o chamado cotão. Nesse período, mais de R$ 14.100 saíram dos cofres públicos apenas para custear a programação de TV do parlamentar mineiro. As despesas mensais com esse item variaram de R$ 315 a R$ 528, conforme as compras extras realizadas pelo deputado. Pelo sistema “pague para ver”, Luiz Fernando alugou filmes de ação e infantis. E mandou a fatura à Câmara para ser ressarcido por essas despesas.
Entre os produtos contratados pelo pacote Combo HDTV Plus Top, assinado pelo deputado, estão 31 canais de filmes, 21 canais HD, um canal exclusivo de futebol em alta definição e outro com jogos do Campeonato Brasileiro das séries A e B, que também dá direito a um torneio estadual. Os canais de conteúdo adulto Sex Zone – assinados pelos deputados Flaviano Melo (PMDB-AC), José Airton (PT-CE) e Renato Molling (PP-RS) como mostrou o Congresso em Foco – também estão entre os itens do pacote de Luiz Fernando Faria.
Não bastasse o grande número de canais, o pacote ainda dá direito a quatro equipamentos instalados, um receptor que converte para HD os canais abertos e um serviço especial de assistência técnica, que prevê atendimento 24 horas inclusive em finais de semana e feriados. A diversão eletrônica também contempla o universo infantil. A fatura de fevereiro deste ano mostra que o parlamentar comprou o filme de animação “Universidade monstros”, ao custo extra de R$ 9,90. A conta aponta que o filme foi comprado em 17 de janeiro, portanto, no período de recesso parlamentar.
Nos dias 17 e 18 de abril deste ano, Luiz Fernando Faria – ou alguém de sua família ou confiança – assistiu ao filme de ação “Aposta máxima” e à comédia “As bem armadas”. Os contribuintes pagaram outros R$ 19,80 pela diversão do deputado. Outros R$ 69,90 pelo pacote de futebol do deputado. O uso do dinheiro público para bancar megapacotes de TV por assinatura por parlamentares foi descoberto pelo ativista digital Lúcio Batista, mais conhecido como Lúcio Big, colunista do Congresso em Foco e responsável pelo site Operação Política Supervisionada (OPS).
Lúcio solicitou à Câmara as faturas de TV por assinatura dos parlamentares. Entre as de Luiz Fernando Faria, as mais caras foram pagas em janeiro e fevereiro de 2012, quando a atividade parlamentar estava em recesso. Juntas, as duas contas somaram R$ 1.054. “O que tem haver o trabalho de um parlamentar com filmes de animação? Até onde vai a falta de respeito de alguns parlamentares para com a sociedade brasileira? Será mesmo que os 105 mil eleitores deste deputado deram seus votos para que ele se esbaldasse de frente à TV e ainda, para que ele assistisse a desenhos animados?”, questiona o ativista em sua coluna publicada hoje no Congresso em Foco.
Verba multiuso, destinada ao pagamento de inúmeras despesas, principalmente passagens aéreas, combustíveis e aluguel de veículos, o cotão consome R$ 253 milhões dos cofres da Câmara e do Senado. A verba varia de estado para estado – deputados do Distrito Federal recebem R$ 27,9 mil; os de Roraima, por exemplo, R$ 41,6 mil. A média dos gastos com o cotão na Câmara é de R$ 35 mil mensais para cada um dos 513 deputados.
Verba questionada
Por observar excessos na utilização da cota e fragilidade na fiscalização, a Procuradoria da República no Distrito Federal quer proibir a Câmara e o Senado de reembolsar, mediante apresentação de notas fiscais e comprovantes, determinadas despesas feitas por deputados e senadores. Em ação civil pública protocolada na 20ª Vara Federal, o procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes questiona o uso do cotão para a cobertura de gastos com a contratação de bens e serviços em que se exige a abertura de licitação.
Por decisões internas, a Câmara e o Senado fazem análise apenas dos aspectos relativos à regularidade fiscal e contábil das prestações de contas dos parlamentares para autorizar o ressarcimento das despesas. Os técnicos examinam somente se o serviço contratado se enquadra entre aqueles alcançados pela verba ou não.
“Dessa forma, não oferece qualquer garantia de que os bens e serviços supra descritos sejam contratados de forma eficiente e impessoal. A mera apresentação de nota fiscal pelo parlamentar já garante o ressarcimento de despesas que, como se percebe, poderiam ser executadas de forma concentrada pela própria Câmara com ganho de economicidade, impessoalidade e transparência, com o respeito das regras legais que exigem a licitação para tais execuções de despesas públicas”, sustenta o procurador Anselmo Henrique na ação pública.
O deputado Luiz Fernando Faria foi procurado pela reportagem para responder aos questionamentos levantados. Como não tem assessoria de imprensa, sua chefia de gabinete foi contactada, mas afirmou não ter conseguido contato com o parlamentar que está em Minas Gerais fazendo campanha eleitoral.
Congresso em Foco
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