O procurador Deltan Dallagnol incentivou colegas em Brasília e Curitiba a investigar o ministro Dias Toffoli sigilosamente em 2016, numa época em que o atual presidente do Supremo Tribunal Federal começava a ser visto pela operação Lava Jato como um adversário disposto a frear seu avanço.
Mensagens obtidas pelo Intercept e analisadas em conjunto com a Folha revelam que Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, buscou informações sobre as finanças pessoais de Toffoli e sua mulher e evidências que os ligassem a empreiteiras envolvidas com a corrupção na Petrobras.
Ministros do STF não podem ser investigados por procuradores da primeira instância, como Dallagnol e os demais integrantes da força-tarefa. A Constituição diz que eles só podem ser julgados pelo próprio tribunal, onde quem atua em nome do Ministério Público Federal é o procurador-geral da República.
As mensagens examinadas pela Folha e pelo Intercept mostram que Dallagnol desprezou esses limites ao estimular uma ofensiva contra Toffoli e sugerem que ele também recorreu à Receita Federal para levantar informações sobre o escritório de advocacia da mulher do ministro, Roberta Rangel.
A movimentação de Dallagnol, no entanto, não tem relação com o episódio em que Toffoli foi identificado pelo empresário Marcelo Odebrecht como o “amigo do amigo do meu pai” citado num e-mail enviado a executivos da empreiteira em 2007. Colaborador da Lava Jato, Marcelo fez a ligação ao responder questionamentos da Polícia Federal. O caso veio à tona quando seu ofício à PF foi revelado pela revista Crusoé, em reportagem publicada em abril deste ano, censurada pelo STF e republicada pelo Intercept.
O CHEFE DA FORÇA-TAREFA começou a manifestar interesse por Toffoli em julho de 2016, quando a empreiteira OAS negociava um acordo para colaborar com as investigações da Lava Jato em troca de benefícios penais para seus executivos.
No dia 13 de julho, Dallagnol fez uma consulta aos procuradores que negociavam com a empresa. “Caros, a OAS trouxe a questão do apto do Toffoli?”, perguntou no grupo Acordo OAS, no Telegram. “Que eu saiba não”, respondeu o promotor Sérgio Bruno Cabral Fernandes, de Brasília. “Temos que ver como abordar esse assunto. Com cautela.”
Em 27 de julho, duas semanas depois, Dallagnol procurou Eduardo Pelella, chefe do gabinete do então procurador-geral Rodrigo Janot, para repassar informações que apontavam Toffoli como sócio de um primo num resort no interior do Paraná. Dallagnol não indicou a fonte da dica.
No dia seguinte, o chefe da força-tarefa insistiu com o assessor de Janot. “Queria refletir em dados de inteligência para eventualmente alimentar Vcs”, escreveu. “Sei que o competente é o PGR rs, mas talvez possa contribuir com Vcs com alguma informação, acessando umas fontes.”
Dallagnol continuava interessado no caso do ministro do Supremo. “Vc conseguiria por favor descobrir o endereço do apto do Toffoli que foi reformado?”, perguntou. “Foi casa”, respondeu Pelella. Ele evitou esticar a conversa na hora, mas informou o endereço a Dallagnol dias depois.
Dallagnol não foi atendido. Mas o procurador insistiu:
Todas as mensagens foram reproduzidas com a grafia encontrada nos arquivos originais obtidos pelo Intercept, incluindo erros de português e abreviaturas. As revelações, que publicamos em parceria com o jornal Folha de S.Paulo, estão em um arquivo de documentos fornecidos exclusivamente ao Intercept por uma fonte anônima (leia nossa declaração editorial aqui) e fazem parte da série Vaza Jato.
EM SUAS PRIMEIRAS REUNIÕES com os procuradores da Lava Jato, os advogados da OAS contaram que a empreiteira havia participado de uma reforma na casa de Toffoli em Brasília. Os serviços tinham sido executados por outra empresa indicada pela construtora ao ministro, e ele fora o responsável pelo pagamento.
O ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, que disse ter tratado do assunto com Toffoli e era réu em vários processos da Lava Jato, afirmou a seus advogados que não havia nada de errado na reforma, mas o caso despertou a curiosidade dos procuradores mesmo assim.
Duas decisões de Toffoli no STF tinham contrariado interesses da força-tarefa nos meses anteriores. Ele votara para manter longe de Curitiba as investigações sobre corrupção na Eletronuclear e soltara o ex-ministro petista Paulo Bernardo, poucos dias após sua prisão pelo braço da Lava Jato em São Paulo.
Os procuradores Carlos Fernando dos Santos Lima e Diogo Castor de Mattos, da força-tarefa de Curitiba, chegaram a criticar Toffoli num artigo publicado pela Folha no início de julho daquele ano. Eles compararam a soltura de Bernardo a um duplo twist carpado, por causa da “ginástica jurídica” usada para justificar a decisão.
As mensagens obtidas pelo Intercept não permitem esclarecer se alguma investigação formal sobre o ministro do STF foi aberta, mas mostram que Dallagnol continuou insistindo no assunto mesmo depois que um vazamento obrigou os procuradores a recuar.
Fonte: Intercept
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