Entre janeiro e junho deste ano, a Câmara dos Deputados gastou 7,8 milhões de reais para reembolsar o gasto de parlamentares em postos de gasolina. Por mês, cada deputado tem direito a gastar 4 500 reais para abastecer veículos usados no exercício do cargo. Levantamento do jornal O Estado de S. Paulo mostra que dez deputados gastaram até o último centavo a que têm direito desta verba no primeiro semestre do ano. E justificaram todos os gastos com apenas uma nota fiscal emitida ao mês. Entre os documentos apresentados estão notas de postos de combustível de parentes de parlamentares e estabelecimentos que doaram dinheiro para financiar as campanhas. As notas emitidas são sempre de seus estados de origem, nos mesmos estabelecimentos ou pertencentes ao mesmo dono.
O deputado Ângelo Agnolin (PDT-TO), por exemplo, traz na descrição da nota apresentada em março o consumo de 1 521 litros de gasolina, o que seria suficiente para fazer um carro médio rodar pelo menos 15 000 quilômetros. Já o deputado Davi Alcolumbre (DEM-AP) gasta toda sua cota no posto Salomão Alcolumbre & Cia. LTDA, em Macapá. O sobrenome não é coincidência. Salomão, ex-suplente de José Sarney e falecido em 2011, era tio do parlamentar. O posto continua sendo administrado pela família.
As normas de uso da verba indenizatória proíbem a utilização da cota para ressarcimento de despesas relativas a bens fornecidos ou serviços prestados por empresa da qual o proprietário ou detentor de qualquer participação seja o deputado ou parente de até terceiro grau. De acordo com o chefe de gabinete do parlamentar, a família Alcolumbre é dona de cerca de 70% dos postos de combustível do Amapá, "sendo inviável não abastecer na empresa de parentes".
Em todas as notas de Davi Alcolumbre os valores discriminados pagos pelos produtos sofreram pequenos arredondamentos para que o valor final fosse exatamente o máximo que a Câmara permite para reembolso. Na nota fiscal de março, por exemplo, apesar da soma dos produtos consumidos totalizar 4 501,70 reais, consta no valor final o montante de 4 500 reais. Se o documento tivesse o valor correto, Alcolumbre teria de completar 1,70 real do próprio bolso.
Minimalista – A técnica utilizada pelo deputado Vinicius Gurgel (PR-AP) é ser tão apurado quanto um conta-gotas na hora de abastecer. Os volumes de combustível chegam a ser medidos com até três dígitos depois da vírgula para que a nota fiscal alcance exatos 4 500 reais. Em janeiro, foram 806,451 litros de gasolina e 991,189 litros de diesel.
Nas notas apresentadas pelo deputado Manoel Salviano (PSD-CE), o "desconto" é mais claro. Consta no documento de janeiro, por exemplo, "valor dos produtos: 4 510,45 reais" e, logo abaixo, o "valor total da nota: 4 500 reais". O dono do posto em que Salviano abastece todos os meses consta nos registros do Tribunal Superior Eleitoral como financiador da campanha do parlamentar.
Em 2010, Marciano Teles Duarte doou 10 000 reais ao candidato. O mesmo registro aparece nas contas do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e do deputado Biffi (PT-MS). O posto em que Alves gastou quase 17 000 reais apenas no primeiro semestre também doou 10 000 reais para a sua campanha eleitoral. Biffi, por sua vez, gastou 21 500 reais de janeiro a junho no mesmo estabelecimento que doou 1 330 reais para sua campanha em 2010.
Total flex – No Senado, só há restrição para o uso de combustível nos carros oficiais. A cota, nesse caso, é de 300 litros de gasolina por mês ou 420 litros de álcool. Já o reembolso de combustível usado em outros veículos, desde que seja justificado pelo exercício da atividade parlamentar, pode chegar 21 000 e 44 000 reais por mês, limites máximos da verba indenizatória, dependendo do estado de origem do parlamentar.
O senador Mozarildo Cavalcanti (PTB/RR) apresentou em junho uma nota fiscal no valor de 22 500 reais com a justificativa de que eram "despesas com combustíveis para atender demanda do escritório político em Boa Vista". No posto onde a nota foi emitida, o litro da gasolina custa 3,03 reais. Com o valor da nota, é possível comprar quase 7 500 litros do combustível, o suficiente para abastecer 185 carros médios.
Neste ano, Mozarildo apresentou outras seis notas emitidas pelo mesmo posto, que variam de 2 000 a 3 500 reais. Somados, todos os documentos pagos pelo Senado alcançam um montante de 39 000 reais gastos apenas com combustível. A equipe de gabinete do senador não detalhou o consumo, mas informou que todos os gastos são previstos nas regras do Senado.
Veja com Estadão