‘Está na Constituição: alimentação é um direito social do brasileiro’. Essa previsão, que pode parecer óbvia à primeira vista, foi incluída pelo Congresso Nacional em 2010. E de óbvia não tem nada. De lá para cá, ao mesmo tempo em que exportações do agronegócio brasileiro ganharam força, o direito à alimentação tem sido realidade para menos brasileiros. A partir de 2020, o aumento da fome no Brasil foi impactado pela pandemia, como em outros países. Mas não é só o efeito da covid que explica a piora no nível de segurança alimentar dos brasileiros, que já vinha piorando antes do coronavírus, explicam os especialistas Kiko Afonso, diretor executivo da ONG Ação da Cidadania e a socióloga Letícia Bartholo.
Um estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Pessan), aponta que quase 20 milhões de pessoas passam fome no Brasil. A pandemia da covid-19 e a inflação nacional agravaram um cenário de retrocesso que crescia desde 2018. Neste ano, o índice de Insegurança Alimentar (IA), no país, chega perto do observado em 2004, quando Norte e Nordeste possuíam mais de 10% de sua população passando fome, de acordo com dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Pessan).
Na Paraíba, são 86 municípios com índices de IA extremamente alto ou alto. O debate acerca da soberania alimentar se faz mais necessário do que nunca por este ser um dos principais caminhos para viabilizar a alimentação para todos os brasileiros, garantindo assim dignidade e o acesso a um direito humano básico. O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da covid-19 no Brasil, da Rede Pessan, aponta que houve uma regressão de 15 anos em cinco na questão da fome no país, anulando o sucesso registrado entre os anos de 2004 e 2013 em relação ao acesso à alimentação adequada. Segundo dados da Pessan, o período de 2013 e 2018 teve um aumento da ocorrência da fome em 8% a cada ano. Contudo, entre 2018 e 2020 esse percentual subiu para quase 30%, piorando ainda mais o cenário.
“A fome é consequência de uma série de erros de políticas públicas e de destruição de políticas públicas”, diz Kiko Afonso. Para a socióloga Letícia Bartholo “a desestruturação das políticas públicas voltadas aos mais vulneráveis foi agravada com a pandemia, mas ela ocorre desde antes”.
Parte da explicação está na cobertura e nos valores do maior programa de transferência de renda, o Bolsa Família, segundo a socióloga, que estuda políticas públicas de combate à pobreza e à desigualdade e foi secretária nacional adjunta de renda e cidadania (2012-2016). O primeiro problema, diz ela, é a defasagem da chamada linha de pobreza (ou seja, o corte que define quais famílias têm direito ao benefício). Hoje têm direito ao benefício famílias com renda familiar per capita de até R$ 178.
No começo do programa, esse valor era de R$ 100. Se estivesse atualizado, segundo os cálculos de Bartholo, o valor deveria estar hoje em torno de R$ 250. “Essa desatualização é preocupante porque cria duas filas no Bolsa Família: já temos um problema da fila por falta de orçamento, das famílias que cumprem os critérios e não são atendidas, e aí tem uma outra fila — de pessoas que são pobres, passam fome, mas não são consideradas pobres administrativamente”, explica.
O levantamento foi realizado em 2.180 domicílios das cinco regiões do Brasil, em áreas rurais e urbanas, de 5 a 24 de dezembro de 2020. Dos 116,8 milhões de pessoas atualmente em situação de insegurança alimentar, 43,4 milhões (20,5% da população) não contam com alimentos em quantidade suficiente (insegurança alimentar moderada ou grave) e 19,1 milhões (9% da população) estão passando fome (insegurança alimentar grave). “É um cenário que não deixa dúvidas de que a combinação das crises econômica, política e sanitária provocou uma imensa redução da segurança alimentar em todo o Brasil.” Veja detalhes: http://olheparaafome.com.br/#manifestu
O número de brasileiros sem acesso a comida é maior do que a população total dos estados da Bahia (15 milhões) ou do Rio de Janeiro (17,5 milhões). Apenas Minas Gerais e São Paulo têm mais que 19,1 milhões de habitantes, o extrato da fome no Brasil de Bolsonaro.
Da Redação
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