A ONU – Organização das Nações Unidas, aprovou em 19/07/2011, Resolução que desvincula o PIB (produto interno bruto) das nações, dos critérios que determinam o grau ou o nível de felicidade dos povos ao fundamento de que é um mero índice matemático-financeiro, incapaz, por si só, de mensurar corretamente esse sentimento das pessoas, chamado de FIB – “felicidade interna bruta”.
Nisso está certíssima, vez que a riqueza – embora ajude — não determina ou quantifica a felicidade se desacompanhada de outras condições e valores que plasmam a sociedade, sendo também possível, que cidadãos de países pobres ou ainda não plenamente desenvolvidos sejam até mais felizes do que os de países ricos.
Até aí nada de novo. Também é certo que a riqueza material dos indivíduos não é conditio sine qua non para se alcançar felicidade, pois há aqueles que são felizes com pouco e os que são infelizes embora possuindo muito. Foi para estes últimos que escreveu Shopenhauer: “Raramente pensamos no que temos, mas sempre no que nos falta”.
Há uma riqueza maior do que a material que é a própria riqueza do espírito. Para estes, a felicidade consiste em estar satisfeito com o que possuem, algo cuja subjetividade vai muito além do tamanho do PIB.
Pelo lado afetivo da felicidade – não seria efetivo? – gosto muito de uma frase do colombiano Gabriel Garcia Márquez, proferida perante o Comitê do Prêmio Nobel quando agraciado em 1982 com o laurel de literatura: “(…) Queremos uma nova e arrasadora utopia da vida onde ninguém possa decidir pelos outros, onde de verdade seja certo o amor e seja possível a felicidade”.
Consta que o objetivo da Resolução da ONU é influir nas ações de governo para que sejam direcionadas à concretização de um ambiente de felicidade em favor dos cidadãos. E aí é que entra o Brasil, que pretende ser o primeiro a adotar através de emenda constitucional (EC/19) de autoria do senador Cristovam Buarque, a felicidade como um direito social (?!).
Como sempre, caros leitores e leitoras, o Brasil chega atrasado e utilizando-se de “canetada” poderá inserir na Constituição, no rol dos direitos sociais, mais um ônus de difícil observância pelo Estado nos três níveis de governo.
Os antigos filósofos gregos — Platão, O Banquete, 205, a; Aristóteles, A Ética a Nicômaco, livro I, cap. 2, 1095, a –, já ensinavam aos seus discípulos, entre os quais se incluíam os membros das classes governantes, “(…) que a finalidade última do Estado é a realização da felicidade plena para todos os homens, sem exceções e restrições”.
Para tanto, a Politéia ou a Constituição da cidade-estado, devia traçar as políticas públicas que embasassem ações visando tornar os homens felizes, ou seja, utilizando como instrumento a lei (nómos), elaboradas – não por qualquer um – mas por aqueles dotados de “sabedoria decisória na ciência de sua elaboração” (legisladores).
A primazia de admitir, nos tempos modernos, a felicidade não como um direito do povo, mas sim como objetivo da nação que então nascia, é dos norte-americanos, que sob a pena do genial Thomas Jefferson assim a inseriu na festejada Declaração de Independência de 1776, nesses termos (no original em inglês):
“… We hold these truths to be self-evident, that all Men are created equal, that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the Pursuit of Happiness….”
A tradução é: “Consideramos estas verdades auto-evidentes, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade”.
Portanto, não será a simples inscrição do direito social à felicidade que terá o condão de fazer os brasileiros mais felizes ou mesmo criar condições para tal. Isso é pura enganação, pior, é uma inaceitável demagogia constitucional.
O que traz felicidade aos cidadãos é viver sob um regime de leis, de leis bem feitas, cumpridas sob o ideário da ética e da igualdade e num ambiente em que a governança pública adote ações todas elas voltadas à consecução do “bom governo” e este, sim, deveria figurar como ‘direito’ no rol dos direitos fundamentais expressos no artigo 5º da Constituição.
Agora mesmo organizações internacionais de avaliação econômica reconhecem que o Brasil alcançou o lugar de 6ª economia do mundo, mas essa riqueza, embora de consideráveis U$ 2,52 trilhões de dólares ainda é pouca quando vista pelo lado do PIB per capita, ou seja, a sua divisão por cada brasileiro, que soma assim uma renda anual de cerca de U$ 9.390 dólares, o que nos coloca apenas na 47ª posição entre os países.
Os brasileiros – por conta da inata alegria que impregna a nacionalidade e sua cultura — gozam da fama de povo feliz. Isso só comprova o que dito, pois o Relatório do Desenvolvimento Humano 2011, divulgado em 02/11/11 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), classifica o Brasil (índice de 0,718) na precária 84ª posição entre 187 países avaliados.
Há outro indicador interessante posto pela organização não governamental “Save the Children” ao listar os melhores países para criação de filhos, revelando que a Noruega, entre os desenvolvidos, ocupa a 1ª colocação, enquanto os Estados Unidos está apenas na 31ª; já entre os países em desenvolvimento, a 1ª colocação é de Cuba, a 4ª da Argentina e o Brasil alcança a sofrível 12ª.
Acho mesmo, caros leitores e leitoras, que essa fama de povo feliz que nos é atribuída é um pouco exagerada. Reconhecidamente temos mania de grandeza, quiça decorrente do próprio gigantismo territorial do país que assoalha a maior parte do solo sul-americano e da própria necessidade de auto-afirmação com base em aspectos explorados para construir o “mito” ou estereótipo de sermos os melhores: carnaval e futebol, aliado a crença popular de possuirmos infinitas riquezas naturais.
O que traz felicidade ao povo de um país é, certamente, o respeito e o usufruto dos direitos básicos da cidadania: saúde, educação, segurança, trabalho e zelo pelo que é público, assegurados por uma democracia onde as instituições de Estado funcionem e sejam parceiras dos cidadãos, porque a resultante disso é a justamente “essa tal felicidade” como cantou o saudoso Tim Maia com sua bela voz em canção famosa.