O ano de 2011 terminou com a estrondosa polêmica entre Associações de Classe de Juízes (AMB, AJUFE e ANAMATRA) e o Conselho Nacional de Justiça – CNJ sobre a competência deste para investigá-los, com decisões liminares de Ministros do STF suspendendo as investigações.
Para as Associações as decisões apenas resguardam o direito-garantia do devido processo legal sediado na Constituição e dá cumprimento a LOMAN – Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LC nº. 35/79. No entanto, muitos leitores e leitoras da coluna devem estar fazendo a pergunta-título deste comentário (?!).
Os cidadãos comuns, alheios às minúcias – que não são poucas — do debate jurídico, tendem a censurar o decidido “que passa a idéia” de mais contribuir para fortalecer o corporativismo ao colocar interesses de classe acima dos “valores constitucionais exigidos de magistrados”, a saber, exercício transparente da atividade jurisdicional pautada por uma ética rigorosa exigível de quem tem o poder-dever de julgar os seus semelhantes.
O sentimento que se alastra – certo ou não – aumenta o descompasso entre o Judiciário e a sociedade, vez que em termos objetivos, se o “controle externo”, razão da criação do CNJ em 2005, depender do aval do STF, estará reduzida à quase zero sua autonomia.
Sem embargo, urge que os membros do Judiciário entendam – e não são muitos — que o respeito que lhes é devido não pode decorrer apenas do cargo que ocupam, mas do trabalho que realizam e da postura ética mantida durante toda a vida profissional.
O direito, ao contrário das ciências exatas, é ciência do "dever-ser”, fundada em princípios, conceitos e institutos jurídicos frutos da evolução da sociedade civilizada. A interpretação desse conjunto idealístico-normativo fica a cargo dos juízes, de quem se exige “máxima dignidade moral”, como bem anotado pela nova Ministra do STF, Rosa Maria Weber perante o Senado em 06/12/11: “Da dignidade do juiz depende a dignidade do próprio direito”.
Alegam os juízes que os processos instaurados na gestão da explosiva Corregedora Eliana Calmon violam direitos, entre os quais, o basilar do “devido processo legal”, já que o CNJ exerce competência extraída de norma administrativa derrogatória da CF e de lei, in casu, o Estatuto da Magistratura – LOMAN – LC nº 35/79, anterior à Constituição de 1988.
Sustentam e acolheu o Min. Marco Aurélio que as investigações devem ser iniciadas perante os Tribunais a que pertencem: TJ’s, TRF’s e TRT’s, para já ali exercitarem o direito de ampla defesa, pena de atropelar-se o auto-governo das Cortes ao instaurar “diretamente” a investigação contra juizes ou quando “avoca” investigações em curso, ferindo de morte, a garantia do devido processo legal e a ampla defesa, enquanto Eliana Calmon defende ser fundamental, sob pena de esvaziamento do CNJ, a atuação “concorrente”.
É certo que os argumentos dos juízes acolhidos pelos Ministros são poderosos e integram a base do nosso direito, que exige, mesmo em sede administrativa, deva o interessado ter amplo direito de defesa onde é suspeito de praticar o ilícito.
Desses argumentos, ouso, máxima vênia, em parte, divergir, porque os entendo desfocados ante a alegada violência ao instituto do devido processo legal quando confrontados com “os valores primários da nova ordem constitucional”.
Explico: parte-se de uma premissa frágil, a saber, a necessidade de manejo (sempre) perante as Corregedorias daqueles Tribunais de uma “primeira defesa” por parte do juiz investigado, pois aí se está transplantando, de forma equivocada, “o direito ao duplo grau de jurisdição” à esfera administrativa como ‘conditio sine qua non’ ao devido processo legal, o que não me parece correto.
Realmente, o juiz investigado por parte do CNJ poderá alcançar efetividade no seu direito a ampla defesa perante o próprio Conselho e depois ainda valer-se da via judicial junto ao STF para aprofundá-lo de forma definitiva.
Registro, que há casos em que só foi possível afastar juízes e desembargadores de suas funções porque o CNJ avocou ou instaurou diretamente a investigação.
O Supremo Tribunal é uma Corte onde ecoam as manifestações da mídia e da opinião pública, podendo trilhar, sem falsa modéstia, a tese aqui defendida quando do julgamento do mérito das ações, no sentido de bastar ao devido processo legal seu exercício perante o CNJ, naqueles casos de natureza administrativa de sua competência concorrente, por inexistir direito ao duplo de jurisdição.
O número de juízes passível de punição grave, como aposentadoria compulsória, perda do cargo ou denúncia por prática de crime é muito pequeno, não se justificando à guerra midiática e judicial estabelecida entre o CNJ e os magistrados brasileiros, em sua esmagadora maioria, homens e mulheres probas, cujo trabalho é indispensável a todos os cidadãos.
Agora, se se quebrou “sigilo fiscal e bancário”, indiscriminadamente, desrespeitando-se à Constituição, forçoso reconhecer, com todas as vênias, que a eminente Ministra Eliana Calmon errou feio “ao não proteger os dados em seu poder”, o que poderá ensejar censura por parte do Supremo, como parece ser a tendência, nesse ponto, pois como bem consagra o direito inglês, o Judiciário ao aplicar a lei deve também dela extrair uma função educativa (legal education).
O que ainda detecto no ar é uma espécie de “caça às bruxas” que joga na mesma vala comum quem cometeu “falta leve” versada em simples sindicância nas Corregedorias dos Tribunais e no CNJ, com os sujeitos a “faltas graves” apuradas em processos administrativos naquelas e nesse, e até “delitos”, num erro que a estrepitosa ação da Corregedora do CNJ contribuiu para propagar na mídia, que mistura condutas passíveis de punição nas esferas administrativa e criminal – sem diferenciação do grau de culpa – e transforma juízes em criminosos, o que é inaceitável e altamente reprovável no estágio de democracia em que vivemos.
O risco de condenações antecipadas e linchamento moral existe e é realmente alto. Devemos ser justos e não destruir reputações de ninguém de forma cruel e açodada como é próprio dos regimes de exceção, das ditaduras.
Podemos vencer o mal que nos angustia, com o respeito às leis, de forma a ser maior o bem que nos espera.
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