Anteriormente já havia tratado sobre o projeto ficha limpa, criticando severamente o Congresso Nacional pela inércia que levou a ultrapassar o período normal para a reforma eleitoral previsto no art. 16 da Constituição Federal.
Como diria meu saudoso avô paterno, Hilton Souto Maior, em certas situações é necessário “dar mão à palmatória”, eis que nos últimos dias o Senado Federal, finalmente, aprovou o projeto ficha limpa com subatanciais alterações ao texto inicial.
Malgrado mutilado o projeto ficha limpa foi aprovado e deve repercutir nas próximas eleições, inclusive, com aplicação para casos ocorridos antes de sua vigência.
Particularmente posiciono-me contrariamente à aplicação do projeto ficha limpa, que alterou a Lei das Inelegibilidades (LC 64/90), pois, entendo ser inconstitucional por violação ao princípio da presunção de inocência. Quanto a esse aspecto caberá a última palavra ao Supremo Tribunal Federal.
Enquanto não houver pronunciamento da nossa Corte Constitucional, fica uma primeira interpretação cabível aos juízes e tribunais inferiores. Com uma primeira questão acerca da aplicabilidade ou não das alterações do ficha limpa já para essas eleições.
Muito embora discorde da aplicação de qualquer lei alteradora de norma eleitoral, após o período fixado no art. 16 da Constituição Federal, cumpre ressaltar que não é de hoje que o STF e o TSE deixaram de lado a aplicação do princípio da anterioridade das normas eleitorais.
Pelo princípio da anterioridade da norma eleitoral, nenhuma lei de cunho eleitoral poderá ser aplicada à eleição quando for criada ou modificar a menos de um ano da data das eleições.
Em que pese nosso modesto entendimento, é de ser ressaltado que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.741/DF, que teve como relator o hoje Presidente do TSE, Ministro Ricardo Lewandowski, entendeu pela aplicabilidade imediata da Lei nº 11.300/2006, mesmo tendo sido aprovada a menos de um ano da eleição de 2006, sob o fundamento de não violar o princípio da anterioridade eleitoral.
A segundo a decisão do STF o referido texto legal não alterou o processo eleitoral propriamente dito, e, sim, estabeleceu novas regras de caráter eminentemente procedimental que visavam à promoção de maior equilíbrio entre os candidatos.
Em outras palavras, não será surpresa se o Tribunal Superior Eleitoral, com respaldo nos precedentes do Supremo, definir como aplicável para as eleições de 2010, as alterações que impedem as candidaturas de cidadãos condenados ou cassados por órgãos colegiados, ainda que passíveis de recurso para os tribunais superiores respectivos.
As alterações do então projeto ficha limpa, em que pese sua aparente legitimidade e a busca pela moralização, ataca a segurança jurídica, mitiga o direito de defesa e a dignidade da pessoa humana, que juntos com a presunção de inocência são instrumentos litimitadores dos excessos de qualquer dos Poderes Estatais.
De uma forma ou de outra ao eleitor brasileiro resta esperar que os fichas sujas juntem seus cacos, pois se depender do Judiciário Brasileiro, eles não serão candidatos, nem aqui nem na China.