Tem gente que acha os textos do professor José Octávio de Arruda Mello bastante longos, prolixos, extremamente difíceis de entender e cheios de palavras desnecessárias. Eu não vejo assim os escritos dele (na foto ao lado), discordando peremptoriamente dos seus críticos, muitas vezes injustos em excesso.
Ampla análise política
Um bom exemplo do poder de síntese do historiador é o artigo publicado na edição da revista “A Semana” que circulou neste sábado e domingo, cujos principais trechos obtive a autorização dele para reproduzi-los, abaixo. Achei-o gostoso de ler, altamente atualizado e perfeitamente inserido na conjuntura político-eleitoral.
Confiram comigo:
– Penso que o Horário Eleitoral Gratuito do rádio e da televisão deveria vigorar todo o tempo, permanentemente, o ano inteiro.
– Não estou de acordo com o comentarista Arnaldo Jabor, cujo admirável “Os Grandes Arrepios” classifica o Horário Gratuito deste ano como “circo da propaganda eleitoral, o desfile de horrores da política brasileira”.
– Não é verdade que essa programação não sirva para nada mais, além do que ouvintes e telespectadores desligarem os seus receptores.
– Em 1977, o MDB, como veículo de resistência, valeu-se da rede de rádio e televisão para usar 40 minutos em que Ulysses Guimarães tachou o então presidente Ernesto Geisel de “Idi Amin branco”. (1)
– A empregada de minha casa me disse que: “Hoje eu fiquei sem ver a minha novela, mas adorei o homem careca que fala muito bem”. O homem careca era Ulysses, que firmava, então, conceito que se alargaria até tornar-se o “Senhor Diretas” das grandes manifestações populares de 1984.
– Com Dilma Roussef colada a Lula, sem o qual ela não se elegeria vereadora, o PT marcou um tento com o programa em que o presidente apareceu na Amazônia e a pupila, vestida a capricho, no Rio Grande (do Sul).
– Sem o trunfo de um proponente cujos índices de aprovação beiram os 80%, José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) apelam para a visibilidade pessoal de que dispõem.
– O primeiro, evoca exitosa passagem pelo ministério da Saúde. Já Marina, de origem nortista, fixa-se na defesa da natureza, correlata à emblemática figura do ambientalista Chico Mendes. (2)
– A oposição, embora herdeira da reformulação estrutural operada pela administração FHC (3) se encontra sem bandeira.
– A questão complica-se porque a extrema esquerda, que em países como França, Itália e Espanha, oxigenam o processo político com propostas inovadoras, no Brasil aferra-se à velharia estatizante do stalinismo dos Anos Cinqüenta. (4)
– Nesse sentido, PCdoB, P-Sol, PSTU e assemelhados, escangalham o capitalismo, projetando como alternativa formulações rejeitadas pela história.
– Dentro desse quadro é que as proposições realistas minguam e os absurdos – alguns dos quais até hilariantes – se multiplicam, como certo candidato revelou-se partidário da pena-de-morte que nem o Regime Militar (5) ousou adotar ou a colocação do presidente Lula, para quem Dilma Roussef tornou-se “a maior conhecedora do País”.
– Buscando perfilar-se como intelectual, o candidato senatorial Wilson Santiago (PMDB) apareceu folheando livros que nunca leu e o folclórico Pastor Edvan Carneiro retomou o desgastado “Eita, Glória!”
– O guia eleitoral é a cara do Brasil, com seus acertos e desacertos, grandezas e misérias. No mais, se trata de instrumento apto para avaliação de nossa dinâmica política.
– A única exceção corre por conta da qualificada vereadora campinense Daniela Ribeiro que, junto com o irmão e deputado estadual Agnaldinho (ambos do PP) omitem a legenda partidária e se fazem candidatos de si mesmos.
– Os candidatos à deputação buscam se escorar em Ricardo Coutinho (PSB), mas mediante girassol que, em sua palidez, comunica pouco e cuja coloração amarela lembra a simbologia do argemirismo (6), derrotado em 1950.
Informações adicionais
Para o leitor dirimir quaisquer dúvidas, trago a seguir as notas explicativas inseridas por mim, a respeito de algumas citações feitas pelo professor José Octávio:
(1) Idi Amim Dada – Militar e ditador de Uganda, na África, de 1971 a 1979, cujo governo foi caracterizado por genocídios com requintes de crueldade utilizados nas execuções em massa, que lhe renderam os apelidos de “Açougueiro de Kampala” e “Senhor do Horror”. Era admirador do füehrer alemão Adolf Hitler e favorável à extinção de Israel. O seu reinado baseado no terrorismo de Estado terminou em 1979, quando as tropas da Tanzânia invadiram o país e o destituíram do cargo de comandante-chefe das Forças Armadas.
(2) Chico Mendes – Seringueiro, sindicalista e ativista ambiental, nasceu em 1944 e foi morto a tiros de escopeta calibre 12, em 1988. Sua intensa luta pela preservação da Amazônia o tornou conhecido internacionalmente e foi a causa de seu assassinato. Só aprendeu a ler aos 20 anos de idade. Iniciou sua vida política em 1975, como secretário-geral do recém-fundado Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, participando ativamente das manifestações para impedir o desmatamento e também de várias ações em defesa da posse da terra pelos habitantes nativos. Em 1977, fundou o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri e foi eleito vereador pelo MDB local. Recebeu então as primeiras ameaças de morte, por parte dos fazendeiros. Foi fundador do Partido dos Trabalhadores e um dos seus dirigentes no Acre, tendo participado – na época – de comícios com Lula, na região. Em 1980, foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional, a pedido de proprietários de terras que procuraram envolvê-lo no assassinato de um capataz de fazenda. A proposta da “União dos Povos da Floresta” em defesa da Amazônia, buscando unir os interesses dos indígenas, seringueiros, castanheiros, pequenos pescadores, quebradeiras de coco-babaçu e populações ribeirinhas, através da criação de reservas extrativistas, além de ser um instrumento da reforma agrária, serviu para denunciar a devastação causada por projetos financiados por bancos internacionais. Levando estas denúncias ao Senado norte-americano e à reunião de diretoria do BID que suspendeu esses investimentos, acabou sendo acusado de prejudicar o progresso e desenvolvimento empresarial do agronegócio. Recebeu vários prêmios, destacando-se o Global 500, oferecido pela ONU (Organização das Nações Unidas), com sede em Nova York, nos Estados Unidos.
(3) Stalinismo – Fenômeno de natureza político-social, que durante 30 anos (de 1924 a 1953) teve em Joseph Stalin o seu principal símbolo, como condutor do processo histórico e ditatorial prolongado desenvolvido na antiga União Soviética em diversas etapas, desde a coletivização forçada, até ao fomento da indústria pesada e a perseguição de todos aqueles militantes socialistas que não concordaram com o pacto de não-agressão celebrado com a Alemanha nazista de Adolf Hitler ou que se opuseram à burocracia estatal dominada pela polícia política, cujos agentes secretos eliminaram fisicamente toda a velha guarda Bolchevique, incluindo o ex-líder do Exército Vermelho, Leon Trotsky, assassinado durante seu exílio no México, em 1940.
(4) FHC – Fernando Henrique Cardoso nasceu no Rio de Janeiro, mas mudou-se com sua família para São Paulo aos 8 anos de idade, onde se formou em Ciências Sociais pela USP, completando seus estudos de pós-graduação na Universidade de Paris. Após o golpe militar de 1964, exilou-se no Chile e na França. Voltou ao Brasil em 1968 e tornou-se professor universitário, sendo aposentado compulsoriamente pelo AI-5 (Ato Institucional nº 5). Fundou, junto com outros pesquisadores cassados, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Em 1978, foi eleito suplente de senador pelo MDB. Em 1983, assumiu a cadeira de titular em Brasília-DF, quando Franco Montoro foi eleito governador de São Paulo. Em 1985, foi candidato a prefeito de São Paulo e perdeu por 1% dos votos para o ex-presidente Jânio Quadros. No ano seguinte, reelegeu-se para o Senado e dois anos depois, fundou, junto com outros líderes políticos, o PSDB (Partido Social Democrático Brasileiro). Em 1992, foi nomeado ministro das Relações Exteriores do governo Itamar Franco e, no ano seguinte, assumiu a pasta da Fazenda, quando conseguiu mobilizar parlamentares e a opinião pública em torno do Plano Real de estabilização econômica, que incluiu medidas de controle da inflação, do déficit público e uma reforma monetária. Em 1994, venceu o pleito presidencial no 1º turno, com 54% dos votos. Seu governo foi marcado pela quebra dos monopólios nacionais nas áreas de comunicação e petróleo, bem como pela ampla política de privatização de empresas estatais, renovando as áreas de telefonia e extração de minérios. Reelegeu-se presidente da República em 1998, também no 1º turno, com 53% dos votos.
(5) Regime Militar – Iniciado com o golpe de Estado deflagrado no dia 31 de março de 1964, resultou no afastamento do então presidente da República João Goulart, que foi substituído pelo marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. Classificado também como Revolução Redentora, instituiu uma ditadura militar que durou até a eleição por via indireta, no Colégio Eleitoral, do presidente da República Tancredo Neves (PMDB), em 1985, marcando o fim da influência política do Exército Brasileiro e sua determinação em tomar o poder através da doutrina de segurança nacional, combatendo a chamada subversão comunista da lei e da ordem.
(6) Argemirismo – Movimento político-partidário caracterizado pelos seguidores de Argemiro de Figueiredo, nascido em Campina Grande, em 1901, onde faleceu, em 1982. Advogado, foi eleito deputado estadual em 1929 e, logo depois, nomeado secretário do Interior e Justiça, até 1934. Eleito governador em 1935, permaneceu no cargo até 1940, mesmo durante a vigência do Estado Novo do presidente Getúlio Vargas (PTB). Foi eleito deputado federal na Assembléia Constituinte de 1946, e, em 1954, foi eleito senador pela UDN, assumindo a vaga de Assis Chateaubriand. Reeleito senador em 1962, filiou-se ao MDB após o Golpe Militar de 1964, onde permaneceu até o fim do mandato, em 1970.