Na Grécia antiga, a Ágora era o local destinado as discussões de interesse público das cidades-estado onde os cidadãos livres se reuniam e exerciam a democracia direta com direito a opinar sobre as ações do governo.
Por isso, é que cerca de três séculos e meio antes de nossa era, Péricles, para muitos era uma espécie de pai da democracia ateniense, ensinou: “Embora só uns poucos sejam capazes de formular uma política, todos têm o direito de julgá-la”.
A Ágora, nos foi transmitida como símbolo de vigor de uma democracia que centenas de anos depois se irradiaria de forma a colmatar os valores sobre os quais se fundou a cultura ocidental.
Há muitos anos atrás, quando ainda não tinha sido criada a Internet, um autor norte-americano chamado Marshall McLunhan, escreveu uma obra-referência sobre o fenômeno da comunicação de massa e previu que o mundo seria uma “Aldeia Global” (título do livro), pois o que ocorresse em praticamente qualquer lugar poderia ser visto pela televisão transmitida via satélite em qualquer ponto do planeta.
Com o fenômeno da internet e das novas tecnologias midiológicas, a profecia se realizou plenamente e o mundo passou a ser, também, uma imensa Ágora em que matérias de interesse local, regional e até mundial podem ser discutidas e avaliadas por todos os interessados que estejam conectados a world wide web, viabilizando-se, assim, a prática da velha e boa democracia direta dos gregos, já que os fóruns onde atualmente é exercitada indiretamente através de representantes eleitos já não atende à necessidade de efetiva participação popular nos assuntos de governo.
O fastio pela política por parte da população nestas plagas tupiniquins pode ser superado pela participação da juventude via internet nas discussões de interesse da sociedade, devendo o governo (ou a própria sociedade) criar mecanismos para viabilizar tal direito, já que apenas o exercício do voto obrigatório já não é suficiente.
Deixar apenas à representação parlamentar visivelmente enfraquecida pelos maus exemplos que envolvem senadores, deputados federais, estaduais e vereadores, em corrupção, desvio e malversação de dinheiro público, é em tudo insuficiente à democracia como método e doutrina voltada à consecução do direito ao bom governo (concepção que será brevemente abordada neste espaço).
Urge que os parlamentos adotem canais, links específicos destinados à discussão prévia, via internet, de matérias, leis e programas de interesse da Nação, dos Estados e dos Municípios, onde também possam ser colhidas, de forma simplificada, assinaturas ou idenficação eletrônicas às propostas de leis de iniciativa popular, como faculta a Constituição (CF., art. 61, § 2º).
Tal assinatura eletrônica por não ser acessível à grande parte da população que está conectada à internet pode ser obtida por processo simples que identifique o assinante através do número do título eleitoral, evitando-se inclusive duas ou mais participações sobre o mesmo tema ou proposta.
Problemas e soluções devem ser amplamente discutidos por todos.
Certa vez calou-me fundo quando em visita ao equivalente à nossa Assembléia Legislativa na Província Canadense de British Columbia que então recebia uma Comissão Popular para discutir a destinação de fundos públicos para pessoas carentes, li numa faixa a seguinte mensagem:
“Some problems are too hard when to face alone”, ou seja, os problemas são muitos duros quando enfrentados apenas por aqueles que os sofrem.
Também impressionou-me o nível, objetividade e polidez das discussões. No Brasil, é comprovadamente sofrível a participação popular nos debates legislativos e da parte destes não há incentivos para que isso aconteça.
É inconcebível, diante do multifacetado conteúdo dos problemas que nos cercam e das soluções que podem ser adotadas, após prévia e democraticamente discutidas, a continuação do nosso isolamento quando as novas tecnologias da informação e da transmissão de dados e opiniões podem viabilizar a efetiva participação dos cidadãos na vida política do País, dos Estados e dos Municípios, resgatando-se, assim, o valor supremo da democracia como determina a Constituição:
“Todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido”.
Acho mesmo que um dia caminharemos para a adoção de parlamentos virtuais, compostos de representantes eleitos também via internet, onde poderão ser não só colhidas assinaturas para iniciativa de leis de caráter popular, mas também discutidas e votadas propostas que poderão ser transformadas em leis pelos parlamentos tradicionais.
Brasília tem sido acusada de ser uma verdadeira “Ilha da Fantasia” ao ser comparada a antiga série da tv americana de mesmo nome, onde o Congresso não faz mágicas e satisfaz qualquer sonho como lá, mas realiza desejos nem sempre louváveis e na maior parte do tempo faz-de-conta que exerce as suas funções com denodo e independência em nome do povo. Com raras exceções, realmente é o que se vê.
Montesquieu, adverte na abertura de sua conhecida obra “O Espírito da Leis”, que “todo aquele que detém poder tende a dele abusar, até que encontre um limite”.
Por conta disso propôs – e hoje é amplamente aceito – a separação dos poderes de modo a que sejam exercidos no limite de suas competências para assim serem melhores controlados, uns pelos outros, naquilo que a doutrina norte-americana bem alcunhou de “checks and balances”, ou seja, “freios e contrapesos”.
Como os abusos só crescem e se multiplicam país afora, mister que o povo se faça presente e se conecte de vez, de forma direta, ao poder político para, de forma vigilante, acompanhar suas atividades em tempo real objetivando escoimá-lo dos males que o enfraquecem e o corrompem.
Isto é uma exigência inafastável da cidadania moderna e plena.
A nova liberdade de imprensa hoje muito mais ampla pode ser melhor exercitada via internet; ao seu tempo Ruy Barbosa dela dizia: “De todas as liberdades, é a mais necessária porque representa todas as demais, acudindo-as e defendendo-as”.
Agora mesmo se discute no Congresso um tema que deveria ser objeto de amplo debate na internet para se tentar evitar que em vez de apenas beneficiar os partidos políticos e seus políticos profissionais, beneficiasse realmente o titular do poder político originário: o povo.
Isso porque o problema está na origem do nosso sistema, pois os vícios residem na forma como se colhe a vontade popular resultante da própria representação, os quais já foram diagnosticados, a começar por um de seus dois pilares: os certames proporcionais, com a utilização do chamado “coeficiente eleitoral” para as Câmaras Federal, Estaduais e Municipais, complementado pelo carcomido instituto da suplência nas eleições majoritárias para o Senado da República, em tudo incapazes de oferecerem à população parlamentos que a dignifiquem.
Já agora, fala-se em adotar o financiamento público de campanhas, o que apenas terá o condão de sangrar ainda mais os combalidos cofres públicos, já que continuará havendo financiamento privado lícito e ilícito através de Caixa 2.
Como se dizia nos meus tempos de jovem: será uma verdadeira “festa de arromba”!…
Também fala-se na eleição de deputados mediante o sistema de listas fechadas, ou seja, o partido escolherá os nomes daqueles que comporão tais listas e o eleitor votará no partido via lista, elegendo todos eles, o que só contribuirá para fortalecer o odioso caciquismo nas legendas e o distanciamento do eleitor dos parlamentares eleitos.
Isso significa, que a mal discutida reforma política não eliminará as mazelas e distorções do sistema representativo brasileiro e mais se prestará aos interesses dos partidos de legislar não pela causa do povo ou o aperfeiçoamento da representação política, mas em causa própria.
A atividade política deveria ser, em essência, um múnus, uma entrega, um ofício de servir ao povo, um verdadeiro ministério do bem, conforme definido pelo Apóstolo Paulo sobre o trabalho de Jesus: “Per Transivit Bonum Faciendum”, ou seja, passou pela vida fazendo o bem.