Josélio Gondim (na foto de capa de um dos seus livros, reproduzida ao lado) demonstrava ser um homem que sabia que ia morrer. Todos nós sabemos disso, mas não gostamos de lembrar que os seres humanos são as únicas criaturas de Deus sobre a face da Terra que têm plena consciência disso.
Nós, masculinos e femininos, sabemos alguma coisa sobre os mistérios da vida e tentamos descobrir os segredos da morte. Somos o contrário dos outros animais do planeta em que vivemos, que não sabem por que, nem para quê estão aqui e nem muito menos sequer imaginam, que um dia, certamente todos partirão deste cenário de belas paisagens e inúmeras tragédias.
Estive várias vezes com Josélio, nas mesas do restaurante “Adega do Alfredo” e também no apartamento que ele mantinha rigorosamente muito bem arrumado, numa das suítes do Royal Praia Hotel, ambos localizados no bairro de Tambaú, onde ele residia, há muitos anos.
Por duas empreitadas, mantive contato mais estreito com ele: durante a operação de segurança articulada em torno da vinda do então ex-presidente Fernando Collor de Mello, para prestigiar a noite de autógrafos de um dos livros de Josélio e também numa última tentativa dele reativar a revista “A Carta”, cujo título de capa foi oferecido como opção de compra ao empresário João Gregório (diretor-presidente do Sistema Arapuan de Comunicação).
Da estratégia de viabilização da vinda de Collor, em 1996, tenho como testemunha o renomado advogado e procurador do Estado Solon Benevides, na época, ocupante do cargo mais importante do Governo Maranhão 1, a chefia da Casa Civil do Governador, que funciona no andar térreo do Palácio da Redenção, na praça João Pessoa (centro da cidade).
Collor não morava no Brasil, de onde tinha sido apeado do cargo de presidente da República desde o ano de 1992, após um traumático processo de impeachment deflagrado contra ele no Congresso Nacional.
Por isso, ele ainda estava com seus direitos políticos cassados por um período de dez anos, sem direito a ser recebido com as devidas honras concedidas por lei e protocolo diplomático a todo ex-chefe de Estado.
Essa negativa incluía a não liberação de um esquema de segurança pessoal pelas vias oficiais.
Ou seja: o Governo do Estado não poderia bancar proteção ao ex-presidente, durante sua estadia na capital paraibana para prestigiar o lançamento do livro “Sob o Sol do Nordeste” que revelava os bastidores do impeachment sofrido por ele, apenas quatro anos antes.
Mesmo assim, nós – Solon e eu, que exercia o cargo de secretário de Comunicação do Estado – resolvemos atender ao pedido feito por Josélio e providenciamos uma alternativa paralela objetivando substituir a falta de apoio oficial.
Foi montada uma discreta equipe de seguranças particulares (à paisana, é claro), incluindo batedores em motocicletas e carros de apoio, acompanhando Collor de perto, desde o desembarque do ex-presidente, vindo em seu jatinho particular de Miami, nos Estados Unidos, para o aeroporto Castro Pinto, na Paraíba, somente para prestigiar o lançamento do livro de Josélio.
No caso da proposta de reativação da revista “A Carta”, o jornalista Agnaldo Almeida também é sabedor da minha intermediação entre João Gregório e Josélio Gondim.
A operação acabou não dando certo, porque o dono do Forrock achou muito alto o preço estipulado pelo empresário para vender o título de capa: R$ 3 milhões.
O almoço onde não foi batido o martelo da negociação ocorreu no restaurante “Classic”, no bairro de Tambiá.
A revista – que marcou época no início dos anos 1990, no cenário político-econômico-social da Paraíba – fechou quando funcionava num bonito prédio localizado na avenida Beira-Rio, bem próximo da Granja Santana (residência oficial dos governadores paraibanos) e nunca mais voltou a circular.
No livro intitulado “Cadeira de Rodas: Nas Ante-Salas da Morte” (2009), Josélio se autobiografou na sua fase mais recente, referindo-se aos hospitais por onde passou, acometido da enfermidade cardiorrespiratória que acabaria por levar-lhe ao túmulo, na madrugada deste sábado, dia 07 de agosto.
As ante-salas têm nome: Memorial São Francisco, Samaritano, Unimed, etc…
Essa parte é melhor esquecer, pois só quem sabe o que significa uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) é quem dela precisa para manter-se vivo, a si próprio, ou a algum parente próximo, como um pai, por exemplo, aproveitando o mote de que sempre é comemorado o dia deles, no segundo domingo de agosto.
É bem melhor lembrar-se da cadeira cativa que ele mantinha no barzinho do piano da “Adega”, ora tocado por Fernando Aranha, ora por Marcos Pires, sentando-se sempre ao lado do engenheiro Luiz Antônio Maracajá, o inexcedível, incopiável, insubstituível, inimitável “Aratanha”, que batizou Josélio de “Meu Canário”, numa carinhosa referência ao fato de ficar engaiolado entre a casa portuguesa e o flat dele, no Royal Praia Hotel, bem ao lado do próprio restaurante.
No caso dos paquidermes de enormes trombas e imensas presas de marfim, em seu livro “Eu Nu, no Caminho dos Elefantes” (2006), Josélio sabia que estava voltando à Paraíba, depois de reinar absoluto nas altas rodas político-sociais de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.
Era justamente para viver seus últimos dias, porque os animais mais idosos do bando assim o fazem, nas planícies da África, afastando-se da manada formada por espécimes mais fortes, pressentindo que estão perto de morrer e retornando sozinhos para falecer justamente no mesmo local onde nasceram.
O “Magnata da Comunicação” fez esse caminho, escolhido por ele mesmo.
Esta é a minha carta para ele, escrita para ser lida também por seus parentes e amigos, neste momento de dor, mas também de profunda reflexão, sobre a missão de cada um de nós, nascidos, criados, envelhecidos e transcendidos em luz, na glória eterna do Grande Arquiteto do Universo.
Josélio: fique tranqüilo e seja feliz…