São Paulo e Brasília — Desafeto atravessado na garganta da petista, Marina Silva (PV) empurrou Dilma Rousseff (PT) para a disputa em segundo turno com José Serra (PSDB). A candidata verde deixa a disputa presidencial como a responsável por adiar a definição do novo presidente da República. Marina teve votação superior à previsão de todas as pesquisas, arrancou votos de Dilma, provocou o segundo turno e dá uma nova perspectiva ao discurso na etapa final da campanha: obrigatoriamente, Dilma e Serra precisarão defender a sustentabilidade, bandeira de Marina, para conquistar os votos da onda verde.
Com mais de 19,5 milhões de votos — 19,4% dos votos válidos —, Marina foi decisiva para evitar a vitória de Dilma em primeiro turno. A importância da senadora para o processo eleitoral não se encerra com o fim da apuração das urnas. Tucanos e petistas disputam o apoio da candidata do PV na segunda e última etapa da disputa presidencial. Lideranças do PV já assediam o PSDB há pelo menos 40 dias, quando começou a se delinear uma aproximação entre cúpulas partidárias. Ao mesmo tempo, emissários do PT do Acre — terra natal de Marina — passaram a sustentar que ela estaria ao lado de Dilma no segundo turno.
Já naquela fase da campanha, Marina irritou-se com as especulações e desautorizou que correligionários ou aliados petistas falassem em seu nome. No primeiro pronunciamento como candidata derrotada nas urnas, a senadora não manifestou apoio a Dilma ou Serra, mas não disse que vai se manter neutra no segundo turno. “A intenção e o gesto revelam o início de um processo que inclui plenárias e que, de fato, sinaliza a nova política que estamos preconizando. Foi nessa política que as pessoas votaram e que aos poucos estão se comprometendo”. Marina disse que o PV, agora, discute o melhor posicionamento, que faça “jus” aos votos recebidos nas urnas.
“A nossa decisão não terá relação com a velha política que se manifesta só por se manifestar e vislumbrando pontos lá na frente”, disse, informando que, durante a semana, vai se reunir com dirigentes da legenda e com “núcleos vivos da sociedade” que a apoiaram para o início de um processo interno de discussão. Independentemente de sua posição, os 19,5 milhões de votos obtidos na disputa presidencial fortaleceram o nome de Marina no atual cenário político. Pela postura de embate demonstrada na fase final da campanha, ao bater em Dilma e Serra, a senadora se coloca no campo da oposição, mesmo sem saber quem vai se sentar na cadeira de presidente a partir de 1º de janeiro de 2011.
Sem cargo a partir de então, Marina deve ganhar força dentro do PV e atuará no terceiro setor — fará da defesa do meio ambiente a mesma bandeira que lhe garantiu uma votação expressiva ontem. No pronunciamento à noite, ela e o candidato a vice, Guilherme Leal, disseram ser “maiores que as circunstâncias”, ao falarem sobre o futuro político dos dois.
Desde a saída do PT, em agosto do ano passado, e a filiação poucos dias depois ao PV, Marina construiu uma aliança com diferentes setores da sociedade. Primeiro, aproximou-se do empresariado alinhado à defesa da sustentabilidade. Depois, assumiu dentro das igrejas evangélicas uma posição de liderança política, apesar dos rachas partidários existentes em cada matiz protestante. O apoio espontâneo de movimentos suprapartidários compensou a completa ausência de coligação a outros partidos.
Mesmo derrotada nas urnas e fora do segundo turno, Marina comemorou os quase 20 milhões de votos. E não é para menos. Em 2006, a então candidata à Presidência Heloísa Helena (PSol) obteve 6,5 milhões de votos. Há quatro anos, Heloísa gerou uma movimentação semelhante à provocada por Marina, mas foi perdendo forças até o dia da votação. Chegar a quase 20% dos votos é uma conquista surpreendente para a própria Marina. Em 1988, quando foi eleita pela primeira vez para o cargo de vereadora em Rio Branco (AC), ela obteve 2,5 mil votos.
Não à toa, ela comemorou o segundo turno das eleições brasileiras. Com os olhos marejados e praticamente sem voz, Marina afirmou que seu projeto foi vitorioso. “O eleitor brasileiro quebrou o plebiscito. Escolheu ouvir duas vezes, olhar duas vezes”, disse, completando que, mesmo percebendo todas as melhorias na vida do brasileiro, o eleitor mostrou que “nem só de pão vive o homem”.
Análise da notícia
Lula vai manter o silêncio?
Marina Silva foi escanteada. A decisão de deixar o Ministério do Meio Ambiente (MMA) em maio de 2008 e de jogar no colo do presidente da República a responsabilidade pela manutenção do combate ao desmatamento da Amazônia irritou Lula. Marina e Lula encontraram-se três ou quatro vezes depois da demissão dela. Marina como senadora, ele como presidente. Encontros protocolares, por acaso, constrangedores. Depois que ela saiu do PT e se lançou na disputa presidencial pelo PV, Lula não fez uma única ligação. Não se falam desde então, o que deve mudar agora. Marina recebeu 19,5 milhões de votos, arrancou votos de Dilma Rousseff (PT), levou a eleição para o segundo turno. Lula vai manter o silêncio?
O presidente não é um “iluminado”, nas palavras da própria Marina. Precisará passar a mão no telefone — se já não o fez na noite de ontem — e ligar para a sua ex-ministra. A ex-ministra preferida, Dilma, tomou um susto no primeiro turno, caiu mais do que projetaram as pesquisas e precisará acolher os votos da onda verde no segundo turno. Há mais de 40 dias, lideranças do PV “vendem” o apoio de Marina e da legenda ao candidato tucano, José Serra. Esse movimento ficou mais evidente na reta final da campanha para o primeiro turno.
Independentemente de sua posição no segundo turno, Marina sai da disputa presidencial com um capital político precioso. Na briga solitária por votos, não teve força suficiente para chegar à disputa final com Dilma, com quem tem desavenças históricas. Ironicamente, um ano depois de deixar o PT pela porta dos fundos, escanteada, Marina deu um troco amargo demais para os petistas. Não imaginaram ter de cotejá-la tão cedo. (VS)
Incansável no corpo a corpo
» O avião que levava Marina Silva a Rio Branco (AC), onde votou, fez uma escala, na noite de sábado, em Goiânia (GO) para reabastecer. Seriam duas horas em solo, tempo precioso para conquistar mais votos. Marina não pensou duas vezes. Depois de intenso corpo a corpo em São Paulo, no Rio de Janeiro e, por último, em Diamantina (MG), a candidata foi para o saguão do aeroporto da capital goiana conversar com eleitores. De lá, pegou um táxi e fez o corpo a corpo não agendado — o último da campanha — na Feira da Lua, uma das mais movimentadas de Goiânia. Depois de caminhar pela feira, a senadora voltou ao aeroporto e seguiu para Rio Branco, onde foi recebida por dezenas de simpatizantes, militantes e familiares. Marina votou no início da manhã e seguiu para São Paulo, onde acompanhou a apuração dos votos. (VS)
Primeiro lugar no DF
Se os eleitores brasileiros se restringissem à população do Distrito Federal (DF), Marina Silva (PV) teria sido içada com folga ao segundo turno da disputa presidencial. A senadora foi a candidata mais votada no DF, com 611,3 mil votos — 148,9 mil a mais do que a segunda colocada, Dilma Rousseff (PT). Em nenhuma outra unidade da federação a candidata verde recebeu tanto apoio nas urnas. Ela obteve 42% dos votos, quase o dobro dos votos depositados para José Serra (PSDB).
Desde o início da campanha eleitoral, Marina já esperava uma votação expressiva no DF. “Tenho 16 anos de trabalho aqui, entre o Senado e o Ministério do Meio Ambiente. Acredito que é uma convivência da população de Brasília com o meu trabalho”, disse a candidata em 19 de setembro, em entrevista ao Correio. “Com certeza, há uma exposição maior. Brasília e Acre são os lugares onde eu tenho maior exposição e convivência com as pessoas.”
Mas, no Acre, terra natal da senadora, o desempenho nas urnas confirmou o que as pesquisas já mostravam. O estado que deu a Marina dois mandatos de senadora e onde ela exerceu os cargos de vereadora e deputada estadual não se empolgou com a candidatura de uma acriana à Presidência. Marina obteve praticamente a mesma quantidade de votos depositados em Dilma e ficou bem atrás de Serra.
A onda verde chegou com força ao Rio de Janeiro, à Amazonas e ao Pernambuco — onde Marina derrotou Serra—, e passou longe da região Sul. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a candidata do PV não atingiu 12% dos votos. As pesquisas de preferência eleitoral mostravam que a onda verde ganhou força principalmente nas grandes capitais, o que se confirmou com o fechamento das urnas. Eleitores do Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Recife (PE), Belo Horizonte (MG) e Recife (PE) embarcaram na candidatura do PV. (VS).
Correio Braziliense